A junção inesperada dos talentos de James
Cameron (produtor) e Steven Sodenberg (diretor) rendeu um projeto, também ele,
de natureza inesperada: Uma refilmagem norte-americana do fenomenal “Solaris”,
de Andrei Tarkoski.
Para além do atrevimento em tentar recriar uma
obra de tal magnitude, o filme de Sodenbergh se baseava, com algum bom senso,
no mesmo romance de Stanislaw Lem que deu origem ao filme de Tarkovski; este
novo filme é, portanto, realizado a partir da inspiração de Tarkovski e não do
prestigiado filme que ele fez.
O americano Chris Kelvin (George Clooney, ator
predileto de Sodenberg) é um psiquiatra às voltas com seus próprios problemas
emocionais: Sua viuvez é recente, e as lembranças de Rheya (Natascha McElhone,
de “O Show de Truman” e da série “Californication”), outrora sua esposa são
ainda tão recentes quanto dolorosas –essas questões serão revistas mais tarde.
Ao contrário do reflexivo protagonista do outro
filme, imerso nos questionamentos intelectuais de sua reclusão no campo, vista
no início, o personagem de Clooney surge, nas cenas iniciais, desgastado por
uma rotina urbana que ele parece enxergar como um remédio para sua angústia.
Há um tom ligeiramente formulaico no modo com
que Sodenberg expõe essa condição.
Logo em seguida, Chris é chamado a uma estação
orbital ao redor do desconhecido planeta Solaris.
Os tripulantes dessa estação sofrem males
desconhecidos que levaram alguns deles ao suicídio ou ao desaparecimento –e a
presença de Kelvin é requisitada por um dos tripulantes, Gibarian, afirmando
ser ele o mais indicado para avaliar a situação.
Desde o início supõe-se que tudo seja provocado
pela proximidade do estranho planeta. Ao chegar lá, Kelvin procura em vão por
algumas respostas, que apenas se desdobram em mais e mais perguntas: Qual a
razão do comportamento irrequieto e evasivo de um dos astronautas (vivido pelo
já naturalmente irrequieto e evasivo Jeremy Davies, de “O Resgate do SoldadoRyan")? O que aconteceu com Gibarian (Ulrich Tukur) que, Kelvin descobriu ao
chegar, terminou se suicidando? Por que a astronauta aparentemente mais lúcida
do grupo, Gordon (a grande Viola Davis, muito antes da fama), é assolada por
uma expressão de angústia constante?
À noite, enquanto ainda tenta absorver o
estranho comportamento dos tripulantes, Kelvin se dá conta de que o lugar em
que estão pode materializar o impossível: Rheya, sua esposa falecida aparece à sua
frente, em carne e osso (!), oferecendo ao alarmado Kelvin a chance de
remodelar o passado ou de viver sua aflição toda outra vez.
A descoberta de algo que contradiz as bases da
realidade se torna assim o questionamento dos personagens –afinal, é a
realidade a referência pela qual a ciência dos homens pensantes encontra uma
âncora para jamais naufragar na loucura.
Todavia, apesar da suposta densidade imposta
pela narrativa deliberadamente lenta e contemplativa, o filme de Sodenberg não
adentra essas dúvidas de maneira tão fascinante e circunspecta quanto o filme
de Tarkovski: Prefere os elementos mais prosaicos, o drama romântico que ronda
os personagens de Clooney e Natascha, o senso de aventura sugerido (jamais,
porém, explorado) nos portentosos efeitos visuais –empregados, contudo, de
forma bastante discreta –e o suspense que parece brotar do mistério espacial;
Qual é, afinal, a maldição que se abate sobre a nave?
O filme de Tarkovski
abraçava isso tudo, e ainda se lançava em imponderáveis possibilidades de
reflexão, fazendo tudo isso parecer fácil e simples; o grande mérito do filme
de Sodenberg é mostrar, acima de tudo, que não, a realização estupenda de
Tarkovski não tinha nada de simples.
Nenhum comentário:
Postar um comentário