Numa das cenas que abrem esta continuação
praticamente direta de “Vingadores-Guerra Infinita”, vemos Tony Stark gravar um
melancólico monólogo diante do capacete da armadura com a qual ele foi o Homem
de Ferro –cena esta vista e revista em diversos trailers.
A referência à Hamlet, de Shakespeare, é clara,
bem como também é clara a similaridade entre a ambientação soturna da nave –Stark
está à deriva no espaço –com a caverna onde ele construiu sua primeira
armadura, dando o primeiro passo para o surgimento do que é hoje conhecido como
o Universo Marvel dos cinemas.
A cena mostra assim os dois elementos
primordiais que os diretores Anthony e Joe Russo tratarão de manter impecáveis
ao longo das avassaladoras três horas de duração de “Vingadores-Ultimato”: A
referência do mais altíssimo nível a que se pode chegar –em termos técnicos, dramáticos
e artísticos, inclusive –e uma compreensão insolúvel de que o passado embutido
em toda a cronologia cinematográfica da Marvel Studios deve não só ser
recordado, mas também, levado em consideração, apreciado e, no fim, louvado.
Ao dar continuidade aos eventos arrebatadores
de “Guerra Infinita”, “Ultimato” imbrica por um caminho que a Marvel e nenhum
outro estúdio encontrou meios até então de trilhar: O de um legado composto ao
longo de 11 anos de produções cinematográficas, em meio aos quais ele
corajosamente percebe a importância de encontrar um fim.
Sim, porque, preservadas as surpresas que a
obra reserva –e, meu Deus, elas são muitas! –“Ultimato” é, antes de mais nada,
um encerramento. Um desfecho de uma história que num único empuxo narrativo se
iniciou com o astro Robert Downey Jr. e seu encaixe absurdo com o personagem de
Tony Stark/Homem de Ferro no primeiro filme do estúdio, e prosseguiu num
expansão sem precedentes dessa mitologia nos filmes “Thor”, “Capitão América-O
Primeiro Vingador” e, na junção audaciosa e vibrante dessas linhas narrativas
em “Vingadores”; que, em sua cena pós-crédito, introduzia pela primeira vez o
grande vilão Thanos, interpretado aqui com eficiência incontestável e empatia
amedrontadora pelo ótimo Josh Brolin.
Foi em torno da promessa da vinda de Thanos que
a Marvel Studios construiu assim o fio condutor a unir todos os trabalhos que
se seguiram –e que oscilavam entre excelente entretenimento e diversão
descompromissada –em meios aos quais não tardaram a destacar-se as obras
assinadas pelos Irmãos Russo.
Pelas mãos deles, o Capitão América logo assumiu
uma posição existencialmente central nesse Universo Marvel, no magnífico “Soldado
Invernal” e depois no brilhante “Guerra Civil”.
A demonstração de habilidade incomum dos Russo
prosseguiu com o espetacular “Guerra Infinita” e, por fim, a revelação de
Thanos como o mais complexo vilão já concebido pelo estúdio. O que nos leva a
este “Ultimato”.
Incapazes de lidar com o fato de que o vilão os
derrotou e sobrepujou –agonia que os fãs também experimentaram durante o ano inteiro
que separam estes dois filmes –os Vingadores remanescentes (e que correspondem,
por sua vez, à formação original vista no primeiro filme) unem-se num plano
derradeiro para tentar um contra-ataque; estimulados pela aquisição da poderosa
Capitã Marvel (Brie Larson).
Este é o ponto de partida do filme e
corresponde a tudo que dele se pode falar sem entrar no terreno pantanoso e
arriscado das surpresas, pois sua trama é repleta de reviravoltas inesperadas,
e ramificações que se mostram mais complexas do que poderia se supor num filme
de orientação tão comercial, conduzindo o expectador a uma meia hora final que
está entre os mais assombrosos e embasbacantes momentos do cinema comercial de
todos os tempos.
O que importa, porém, é que por trás da
expectativa absurda que a Marvel conseguiu gerar no público –e do filme
emocionante e arrebatador que criou para correspondê-lo –“Ultimato” é, no fundo
no fundo, uma declaração de amor.
Ao legado extraído de décadas de quadrinhos e
transposto com apaixonada propriedade para a tela de cinema. Aos fãs, que
converteram as produções da Marvel em sucessos simultâneos de bilheteria (e que
certamente transformarão este num novo fenômeno). Aos personagens e seus
intérpretes que se revelaram, em sua esmagadora maioria, de um acerto fenomenal
–e aqui, apesar de todas as presenças esplêndidas que se seguem (com destaque
para Chris Evans e Jeremy Renner) não dá para não chamar Robert Downey Jr. à
frente.
Ele é o princípio de tudo. O marco zero. E é
nele, mais uma vez, que se ampara a escolha para encerrar esta jornada de 22
filmes. Ele foi (e sempre será) Tony Stark, o personagem que acendeu o estopim
para um legado sem precedentes no cinema comercial, e ele é aqui aquele que,
num dos momentos mais superlativos e emocionantes, executa enfim sua manobra
final.
“Ultimato” é cinema como aquilo que ele deveria
ser: Emocional, visceral, divertido (mágico, até!), arrebatador e espantoso em
níveis que a indústria (e a própria Marvel Studios) encontrarão dificuldades de
igualar nestes anos por vir.
Tê-lo nas salas de cinema é
um privilégio.
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