Para alguns o maior trabalho até então do
diretor Eli Roth é uma exploração gratuita do sadismo humano, para outros é um
sopro de renovação no gênero terror nessa década de 2000, indecisa entre um
terror mais clássico, uma tendência duvidosa de ‘found-footage’ e uma
inclinação extremista para o torture-porn: É essa terceira vertente que “O
Albergue” emula com convicção a ponto de ser algo que os outros exemplares
desse filme não conseguem ser; um bom filme.
Eis aí, portanto, o simples mistério do filme
de Eli Roth.
Paxton (Jay Hernandez, de “Esquadrão Suicida”),
Josh (Derek Richardson) e Oli (Eythor Gudjonsson) são três amigos mochileiros
em aventuras por Amsterdã. Os dois primeiros são americanos; o outro é
finlandês, e todos querem transar com européias –o que, segundo reza o
lugar-comum, eles conseguirão facilmente pelos inferninhos do leste-europeu.
Numa noite particularmente mal-fadada (eles são
trancados do lado de fora da pousada onde se hospedaram), os três conhecem um
jovem que lhes dá uma dica promissora: Mulheres lindas, disponíveis e aos borbotões,
podem ser encontradas em Bratislava, uma localidade da Eslováquia, basta ir de
trem e seguir suas instruções, pois tal lugar paradisíaco, diz ele, não consta
nos mapas turísticos.
De fato, ao lá chegar, o albergue que os
recepciona os coloca no mesmo quarto coletivo com duas estrangeiras lindas
(Barbara Nedeljáková e Jana Kaderabkova) e adeptas de tirar a roupa por razões
irrisórias –de cara, elas convidam todos para frequentar a mesma sauna, sem
roupa alguma (!).
Entretanto, como o expectador já adentra o
filme sabendo, essas mulheres tão improváveis e maravilhosas servem na
realidade como isca: Elas atraem turistas afoitos por sexo, e quando menos esperam,
eles se veem vítimas de psicóticos locais.
O roteiro, bastante inventivo e espirituoso de
Roth, vale-se de expedientes muito comuns ao gênero do terror –a dicotomia
entre sexo e morte –para transformar esses conceitos nos pilares de uma espécie
de negócio: Milionários entediados com as experiências já proporcionadas pelo
dinheiro, agora, pagam para que possam
perpetrar seu sadismo e sua psicopatia impunemente contra os turistas
desavisados.
Não há pois um psicopata de características
pretensamente icônicas (como Jason ou Freddy Krueger) em “O Albergue”: Seus
psicóticos são pessoas comuns, empresários, pais de família, executivos que,
com dinheiro, pagam pela chance de trucidar um ser humano e descobrir como é.
Por isso é que, lá pelas tantas, Oli desaparece
–e embora os indícios apontem que ele simplesmente seguiu viagem sem avisá-los,
Paxton e Josh ficam com a pulga atrás da orelha. O que não os impede de encher
a cara pouco depois e, também os dois, se separarem.
Sozinho e sem seus amigos, Paxton termina
descobrindo por último qual era o destino reservado a todos eles desde que
toparam rumar de trem para Bratislava: As cenas nas instalações lúgubres
onde as torturas e os assassinatos se
sucedem não devem, em gore e sanguinolência, a nenhum exemplar de “O Massacre da Serra Elétrica”, ou aos ‘slashers’, ou mesmo aos infinitamente mais extremos
‘torture porn’ –isso porque a direção de Eli Roth abraça por completo os
elementos dessa nova vertente do terror de então (que anos depois começou a dar
lugar ao chamado pós-terror), e com isso molda sequências de um grafismo
assombroso e mesmerizante. Não à toa, “O Albergue” conta, à título de pura
referência, com uma participação especialíssima do mestre Takashi Miike: Sem
sombra de dúvida, seu cinema inconformista, anárquico e brutal é uma das fortes
influências para o filme de Eli Roth.
“O Albergue” é, assim, um
terror sangrento e violento, pesadíssimo na sua proposta e sua execução,
contudo, a paixão genuína de seu realizador faz dele uma obra de competência,
coerência e honestidade insuspeita muito mais válida que quase todos os demais
exemplares dessa famigerada safra.
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