domingo, 9 de julho de 2023

Missão Impossível - Acerto de Contas Parte 1


 Há quase três décadas atrás (vinte e sete anos, para ser mais exato), o astro Tom Cruise debutou como produtor tentando transpor um conceito de série de TV para o cinema. Hoje, sete longa-metragens depois, podemos dimensionar os frutos rendidos por sua tenacidade. Ainda que hajam exemplares oscilantes em qualidade (tal qual o segundo filme), e que, deveras, os acertos mais expressivos tenham demorado a chegar (sendo “Protocolo Fantasma” o momento em que isso finalmente aconteceu), a franquia entrou nos eixos de fato com a adição do diretor e roteirista Christopher McQuarrie ao projeto (em “Nação Secreta”). Até então um realizador subestimado (a despeito do Oscar de Melhor Roteiro Original por “Os Suspeitos”) e relegado pelos estúdios à ingrata tarefa de polir roteiros produzidos por terceiros, McQuarrie caiu nas graças de Tom Cruise quando se conheceram no set de “Operação Valquíria”, mais tarde trabalhando juntos no ótimo “Jack Reacher-O Último Tiro”. McQuarrie passou a integrar o, digamos, time de confiança de Tom Cruise, e a trabalhar com ele em praticamente todos os seus projetos –é dele, por exemplo, o excelente roteiro para “Top Gun-Maverick” –e tornou-se oficialmente o capitão da franquia “Missão Impossível”. Seu talento e habilidade moldaram em “Nação Secreta” uma obra pulsante sobre as verdades e mentiras do mundo da espionagem e, no longa-metragem seguinte, “Efeito Fallout”, um tratado de cinema tanto dramático quanto cinético sobre as consequências de não se tolerar o sacrifício de um amigo em ação. Hoje, é seguro afirmar, toda uma nova geração de expectadores cresceu testemunhando a exuberância de “Missão Impossível” como uma franquia inquestionavelmente cinematográfica –e certamente, muitos nem sabem que tudo começou com um seriado até bem modesto dos anos 1960.

Agora, contudo, chegou a hora de Tom Cruise e Christopher McQuarrie darem sua cartada final. Prepararem o palco para uma despedida em grande estilo, conscientes talvez de que não é possível contar aventuras de Ethan Hunt (personagem de Cruise) para sempre –o astro, é bom lembrar, já está com 61 anos.

A trama concebida por McQuarrie (sempre um entusiasta apaixonado e hábil de enredos intrincados, perfeitos ao gênero de espionagem) para tal despedida é rocambolesca, povoada de personagens dotados das mais variadas motivações (e algumas ainda mudam ao sabor das circunstâncias!), cheias de surpresas de última hora, guinadas improváveis e/ou inesperadas e um esperto componente de paranóia bastante característica desses novos tempos: Em meio a discussões sobre um advento inesperadamente incontrolado da tecnologia de ponta, o grande vilão de “Acerto de Contas Parte 1” é uma Inteligência Artificial.

Criado inicialmente como um formidável algoritmo para manejo de informações nas redes sociais pelos centros mundiais de inteligência, o programa denominado ‘A Entidade’ se aperfeiçoou de tal forma em meio às vastas possibilidades da internet que acabou criando autonomia própria e tornou-se perigoso demais. Na surdina, as grandes potências mundiais (entre as quais, é claro, os EUA) querem mobilizar agentes para encontrar assim as duas partes do que seria um mecanismo conhecido como ‘A Chave’ capaz de desligar a ‘Entidade’ ou (como eles preferem) controlá-la. O agente de campo mais próximo de concluir tal façanha aparentemente é Ethan Hunt, membro da IMF (Impossible Mission Force), cujo senso moral e considerável independência operativa ordena que a ‘Entidade’ seja destruída imediatamente.

E é nesse ponto –ainda nos primeiros quinze minutos dos sensacionais cento e sessenta e três minutos de filme –que a obra de McQuarrie engata uma nova marcha e complica consideravelmente a vida de nossos heróis: Cegos para o perigo da ‘Entidade’ e unicamente interessados no poder abrangente de controle sem precedentes de dados digitais que ela oferece, o Diretor de Inteligência Americana (Cary Elwes, de “Tempo de Glória”) e o diretor adjunto da própria IMF (Henry Czerny) renegam Hunt e seu grupo –formado pelos agentes de campo Luther (Ving Rhames) e Benji (Simon Pegg), além do constante auxílio da agente britânica Ilsa (a sempre maravilhosa Rebecca Fergunson) –e despacha um novo grupo na sua cola, comandados pelo nada amistoso e muito truculento Jasper (Shea Whigham, de “O Lado Bom da Vida” e “O Abrigo”).

Entretanto, aqueles que de fato dificultam a situação de Hunt são a jovem prestidigitadora Grace (a linda e fulgurante Hayley Atwell) imbuída do talento para deixar o Agente Hunt para trás, à serviço da tentacular e manipuladora Allana Mitsopolis (a fantástica Vanessa Kirby), e o misterioso e perigoso Gabriel (Esai Morales, de “Rapa Nui-Uma Aventura No Paraíso”), agente sombrio e assassino, grande responsável pela tragédia que empurrou em definitivo Ethan Hunt na vida de agente secreto.

Tantos personagens a ir e vir, e a enganar uns aos outros (muitas vezes numa profusão vertiginosa que deliberadamente engana o próprio público) poderia representar uma verdadeira armadilha para um realizador mais despreparado, mas, McQuarrie usa a abusa do talento mais que comprovado que ele ostentou nos dois últimos longas da franquia e transforma “Acerto de Contas Parte 1” numa obra-prima do entretenimento hollywoodiano. Seu filme tem relevância, autenticidade, competência técnica e arrojo artístico em níveis que muitos críticos duvidavam ser capazes de serem atingidos por uma superprodução atual. Os quarenta minutos finais trazem uma sucessão de cenas de ação e suspense que farão qualquer expectador grudar na poltrona, e ainda compõem uma espirituosa referência ao clímax à bordo de um trem do primeiro “Missão Impossível” –é, no entanto, preciso alertar os mais ansiosos: Como já é sugerido em seu título, “Acerto de Contas Parte 1” deixa margem para a vindoura “Parte 2”, terminando com um instigante sabor de ‘quero mais’, tal e qual “Duna-Primeira Parte” e “Homem-Aranha Através do Aranhaverso”, só para citar os exemplos mais recentes.

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