Fenômeno de visualizações na plataforma da Netflix, sua produtora, a série sul-coreana, “Round 6”, quando lançada enfrentou acusações de plágio por ser constrangedoramente parecida em seu argumento com um filme de Takashi Miike chamado “A Vontade dos Deuses”, datado de 2014 (os nove episódios de “Round 6” foram lançados na plataforma de streaming em 2021). Em ambas as obras –cada qual pulsante daquela sanguinolência fetichizada peculiar tão característica de alguns trabalhos asiáticos –testemunhamos um grupo de indivíduos aceitando uma sucessão de jogos inclementes e atrozes baseados em brincadeiras infantis, além de algumas outras similaridades.
Dirigido e escrito por Hwang Dong-Hyuk, “Round
6” tem a seu favor o formato prolongado de série –na verdade, foi planejado
mais como uma minissérie –o que permite um mergulho mais contundente, amplo e
detalhado nas tramas particulares e pessoais de cada personagem, acompanhar com
minúcia muito mais intensa os meandros dos jogos mortais que se sucedem, impor
um ritmo mais refinado (menos acelerado nas cenas de ação) e conferir à
história todas as nuances, sub-tramas e personagens secundários que ela merece
sem a necessidade ocasional de impor um corte mais criterioso de uma metragem
de cinema.
Fracassado e perdedor em todos os aspectos de
sua vida (a ex-esposa o quer longe, inclusive da filha pequena, e ele deve
dinheiro para Deus e o mundo!), o sul-coreano Seong (Lee Jung-Jae) vive numa
favela sustentado pela própria mãe. Incapaz de aprender com seus erros, ele
perde cada tostão que ganha em apostas mal-sucedidas em corridas de cavalo –e
começa a chegar perigosamente num ponto em que corre o risco de perder também a
vida! Uma espécie de alternativa parece sinalizar para ele quando Seong
encontra uma estranho (Gong Yoo, protagonista de “Invasão Zumbi”) numa estação
de trem: Após um humilhante jogo em que a aposta gira em torno de tapas na sua
cara (Seong não tinha dinheiro para apostar...), ele recebe um cartão com um
número –é, pois, ao que parece, a chance que ganhar todo o dinheiro de que
precisa e muito mais. Não deixa de ser verdade, embora também haja, ali, uma
armadilha: Após aceitar a disputa, Seong é inconscientizado e levado, junto de
aproximadamente quatro centenas de competidores, a uma ilha onde todos irão
competir em absoluta igualdade de condições –leia-se, usando os mesmos
uniformes, recebendo nos dias que se seguem a mesma alimentação –pela vitória
numa sucessão de exatos seis jogos, todos inspirados em joguinhos corriqueiros
da cultura infantil sul-coreana, mas adornados com características adultas e
letais, nos quais os perdedores saem, também mortos!
São competições como “Batatinha Frita 1, 2, 3”
–a primeira e, talvez, mais memorável de todas (a mais parecida, por sinal, com
uma das cenas do filme de Takashi Miike!), onde uma boneca equipada com sensor
de movimento fulmina com uma rajada de balas todos aqueles que não ficarem
imóveis toda vez que seus olhos se abrem –“Decalque de doce” –o açúcar queimado
cujo desenho deve ser recortado com perfeição, para o bem do jogador –“Cabo de
guerra” –disputa de força de duas equipes puxando uma corda; mas os perdedores,
aqui, presos por algemas à corda, despencam de uma torre numa queda fatal
–“Bolinha de gude” –morre o competidor que perder suas dez bolinhas para o
adversário –“A ponte de vidro” –as placas que constituem a travessia de uma
enorme ponte envidraçada têm, indiscernível em meio à sólida segurança de suas
placas de vidro temperado, algumas perigosas placas de vidro normal e quebradiço
–e o “Jogo da lula” –uma tradicional brincadeira de criança na Coréia, na qual
vence o competidor que afastar o adversário de dentro do campo em formato de
lula.
Claro que, a medida que a série vai avançando,
outros personagens além de Seong começam também a se sobressair, seja por seu
carisma, seja pela gradual importância à trama que vão adquirindo, como
Sang-Woo (Park Hae-Soo), o amigo de infância que Seong inesperadamente encontra
entre os competidores e que se revela um oponente inescrupuloso e implacável;
Il-Nam (Oh Yeong-Su, de “Primavera, Verão, Outono, Inverno... e Primavera”), um
idoso cujas circunstâncias, e a simpatia de alguns companheiros, o levam a
avançar cada vez mais jogo a jogo; Sae-Byeok (Jung Ho-Yeon), uma jovem de rua
disposta a vencer a competição e a ocultar ao máximo seus sentimentos até lá;
Ali (Anupam Tripathi), um indiano forte, porém, obtuso e ingênuo, disposto a
fazer uma aliança com os mais preparados; Deok-Su (Heo Sung-Tae) um jogador
truculento e mau-caráter interessado em ganhar usando da força bruta com os
demais; e muitos outros. Paralelo à instigante história do jogo, acompanhamos
também um policial (Wi Ha-Joon) infiltrado entre os misteriosos (e mascarados)
funcionários das competições investigando avidamente o paradeiro do próprio
irmão.
Numa herança do cinema fulgurante e
originalíssimo da Coréia do Sul, a série não poupa reviravoltas e revelações
surpreendentes, o que lhe garantiu atenção do público do início ao fim e um
largo sucesso de audiência. Devido ao escopo possibilitado pelo orçamento
confortável da Netflix e pelo formato abrangente de seriado, chega a ser
curioso que seja justamente no ritmo que “Round 6”, vez ou outra, encontra seus
lapsos: Nem todos os episódios se constroem com o mesmo primor e exatidão,
fazendo com que alguns deles estendam suas premissas individuais para além do
necessário ou do adequado.
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