Em 1979 havia um certo equilíbrio entre a produção cinematográfica brasileira de então com seu apelo popular invariavelmente voltado para a exploração do erotismo (uma tendência que curiosamente acompanhava o exploitation desenfreado ocorrido em outras partes do mundo) e as circunstâncias políticas, sociais e culturais do nosso país que moldavam um cinema por vezes popularesco, malicioso e malandro, feito primeiramente com a cristalina intenção de lucrar, mas que, vez ou outra, atrevia-se a demonstrar alguma pretensão mais artística de seus realizadores. Houveram momentos, devido ao formato incontornável e rudimentar do subgênero da pornochanchada, em que essas pretensões artísticas soavam até absurdas e sem cabimento. No entanto, haviam, sim, ocasiões em que algo mais notável aflorava em meio à seara de prevaricações constantes que eram produzidas –e cuja falta de pudor crescia à medida que a censura vigente se enfraquecia, mas essa é outra história... –um desses casos vem a ser “A Ilha dos Prazeres Proibidos”.
Num Brasil ainda oprimido pela Ditadura Militar,
Ana (a maravilhosa Neide Ribeiro, de “Palácio de Vênus”), uma repórter do
jornal Estado de São Paulo –veículo de imprensa que foi notoriamente apoiador
da extrema direita –almeja realizar uma reportagem muito especial: Entrevistar
líderes dissidentes que se refugiaram para fora do país, num local lendário
conhecido como Ilha dos Prazeres Proibidos. Lá, como rege os conceitos
liberais, tudo é permito e, reza a lenda, o sexo corre solto entre todos os
habitantes.
No entanto, Ana não é exatamente uma jornalista
comum; ela, na verdade, esconde a identidade de uma assassina profissional, e
sua missão de fato é encontrar essa ilha, sob a justificativa de uma mera
entrevista, para dar cabo desses artistas revolucionários, entre eles os
notórios Nilo Baleeiro (Fernando Benini, de “Filme Demência”) e William Solanas
(Carlos Cassan, de “Mulher, Mulher”). O contato que Ana obtém para descobrir a
localização e o meio de acesso para a ilha é o despachado Sérgio (Roberto
Miranda, de “Alma Corsária” e “A Mulher Que Inventou O Amor”) que, na primeira
cena em que aparece, surge à beira da praia com a namorada (Teca Klauss) em
inevitável interlúdio sexual. Já nesse início, Ana percebe as suspeitas
intuitivas da namorada de Sérgio e, antes de partirem, elimina ela sem Sérgio
notar.
Para chegarem à tal ilha, Ana e Sérgio devem
atravessar uma ‘fronteira’ cujos guardas são instruídos a lhes revistarem por
inteiro –até intimamente! –e depois de um período numa cidadezinha
intermediária (tempo durante o qual uma atração física considerável vai surgindo
entre Ana e Sérgio), eles partem pelo mar até chegar à tal ilha.
O lugar em questão até não difere de qualquer
cidadezinha pitoresca e paisagística do Brasil, porém, quando Sérgio conduz Ana
até os locais de refúgio de Nilo e Solanas as coisas começam a mudar. Nilo é um
homem erudito, indomado e até certo ponto sem uns parafusos na cabeça (!), vive
à beira-mar, numa barraquinha improvisada na praia, junto de duas jovens (Zilda
Mayo e Fátima Porto) deliciosas e desinibidas, junto das quais sexo é um hábito
corriqueiro (!) –ao parecer por lá, Sérgio logo se inclui com animação nessa
rotina, e não tarda para Ana aderir a ela também! Já, Solanas –provavelmente o
alvo mais visado de Ana –mora numa casa reclusa com a esposa, a fogosa Lúcia
(Meyri Vieira, do antológico “Histórias Que Nossas Babás Não Contavam”).
Solanas surpreende Ana por revelar-se uma pessoa perspicaz, conciliadora e
aberta –ele tem consciência, inclusive, do amor de Sérgio por Lúcia e, apesar
da presença um tanto destoante de Ana no momento, está disposto a proporcionar
à ele e à própria esposa o tempo que quiserem para se entenderem e para transarem
(!).
Escrito e roteirizado por Carlos Reichenbach,
“A Ilha dos Prazeres Proibidos” é um filme surpreendentemente politizado,
profundamente referencial para com o período que o país experimentava, e chega
a ser impressionante que ele seja tão incisivo e reflexivo em relação a esse
contexto abordado, numa época em que as expressões de arte sofriam severo crivo
dos censores –no entanto, é uma certeza que a versão original imaginada por
Reichenbach trazia muito mais menções, observações e apontamentos críticos e
reflexivos sobre o estado das coisas, do que esta que temos à disposição.
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