O cinema até que demorou para fazer jus à Elizabeth ‘Lee’ Miller, conhecida como a primeira mulher fotojornalista de guerra que cobriu eventos importantes e brutais durante a Segunda Guerra Mundial. O filme dirigido pela outrora diretora de fotografia Ellen Kuras (de “Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”) levou cerca de oito anos para ser realizado –sua pré-produção data de 2015 e seu lançamento oficial, no Festival de Toronto, deu-se em 2023 –e só viu à luz do dia graças à obstinação da estrela Kate Winslet, que abraçou o projeto a ponto de atuar como produtora e, num determinado ponto das filmagens, bancar com seu próprio salário o cachê de seus colegas de elenco!
“Lee” consolida sua biografia a partir de uma
cena aparentemente convencional de diálogo: Alguém que parece ser um simples
jornalista (Josh O’Connor, da série “The Crown”) entrevista uma já idosa Lee
Miller (Kate Winslet, aqui maquiada) no ano de 1977. Todavia, apesar das
ressalvas da entrevistada em se abrir, logo seu relato regressa para 1938,
quando as memórias de uma jovem Lee Miller (uma presença que a brilhante Kate
Winslet torna fulgurante) dão início à sua trajetória de fato. Ao lado de
grandes amigos franceses –entre eles, Solange d’ Ayen interpretada por Marion
Cottilard, numa participação de luxo –Lee, já em vias de abandonar a carreira
de modelo, conhece, na Riviera, aquele que virá a ser seu marido, Roland
Penrose (Alexander Skarsgard, de “A Lenda de Tarzan”). Ali, todos também tomam
conhecimento da ascensão de Hitler e do nazismo na Alemanha, então observado
por eles apenas como uma inusitada escalada ao poder de uma figura desagradável
e de ideais um tanto absurdos. Como a própria Lee afirma em sua narrativa em off, de uma hora para outra, aquele
ditador estranhamente ameaçador e caricato se transformou no homem mais
poderoso da Europa.
Quando eclode a Segunda Guerra Mundial, a
Inglaterra, onde ela e Roland moravam, se torna o único país seguro das tropas
nazistas. Enquanto Roland, com sua veia artística, auxiliava os esforços de
guerra criando camuflagens para a frente de batalha, Lee ajudava como fotógrafa
no segmento britânico da prestigiada revista Vogue –auxiliada pela amizade com
Audrey Withers (Andrea Riseborough, de “Birdman”, numa personagem
espantosamente envelhecida), editora da publicação, que já lutava contra as
inevitáveis redundâncias do machismo. Para Lee, contudo, isso não bastava. Ela
queria ir para a frente de batalha (onde o próprio Roland chegou a ir diversas
vezes) e ter a oportunidade de registrar em primeira mão os assombros da guerra
em fotos, entretanto, os ingleses não permitiam a ida de uma mulher para o front. Foi graças à sugestão do grande
amigo David Scherman (Andy Samberg, de “Amizade Colorida”) –um personagem que
se torna crucial à trama de um ponto em diante –que Lee se dá conta de que,
como norte-americana, ela pode ir para a frente de batalha por meio das
diretrizes do exército norte-americano, um tanto mais maleável e razoável do
que o sisudo exército britânico. É assim que, apesar de um ou de outro contratempo
a servir de obstáculo, Lee fotografa primeiro as aflições experimentadas pelos
feridos nos hospitais de campanha e, depois, acaba enviada para a Alemanha, em
incursões ofensivas nas cidades sob ataque (sequências de batalhas que não
predominam tanto assim no filme quanto se pode imaginar), nas descobertas
desconcertantes dos primeiros campos de concentração e suas hordas
intermináveis de vítimas e na chegada, junto às primeiras tropas, à Berlim
ocupada –inclusive flagrando os cadáveres da alta cúpula nazista junto de suas
famílias pouco após seu suicídio.
A trajetória de Lee Miller é pontuada por
relevância e um pertinente exemplo de empoderamento, uma vez que essa
personagem esteve presente em eventos fundamentais do Século XX, contudo, o
fôlego da diretora Ellen Kuras se mostra limitado para o filme abrangente,
exuberante e importante que ela se prestou a fazer; e para a espetacular
trajetória da personagem que se prestou a retratar. Em sua mãos, “Lee” é uma
obra dramaticamente inconstante, restrita por um certo cansaço nas poucas e
desanimadas cenas de batalha que entrega, e equivocadamente focada em tópicos
que não fazem tanta diferença no cômputo geral –como o suposto ‘triângulo amoroso’
entre Lee, Roland e David, sugerido em diversos momentos, nunca porém
desenvolvido de fato; ou no igualmente subaproveitado detalhe do jornalista
entrevistador do início ser, na verdade, Antony Penrose, o filho de Lee que
sentiu-se negligenciado pela sua pouca predisposição materna, o que transforma
um filme que poderia ser enérgico, histórico e relevante, num melodrama de
ajustes familiares –e também ali surge uma espécie de ‘sugestão’ da parte do
roteiro, ao percebermos que o ator Josh O’Connor escalado para interpretar
Antony se parece, deliberadamente ou não, muito mais com David do que com
Roland.
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