A vida real, com frequência, encontra meios de ser ainda mais imprevisível e impressionante do que a ficção. Prova disso é os eventos reais do qual se incumbe esta notável série documental da Netflix cujos três episódios que totalizam sua primeira (e extremamente enxuta) temporada abordam os desdobramentos decorridos das investigações depois que cerca de sete pessoas foram vitimadas por cápsulas envenenadas do remédio analgésico Tylenol Extra Forte nos EUA.
O ano era 1982, e os paramédicos da cidade de
Chicago foram chamados para socorrer uma situação inusitada –um membro de uma
família havia tido um colapso apresentando sinais imediatamente identificáveis
de envenenamento. Na sequência, enquanto os paramédicos ainda se achavam no
lugar, outros dois membros da mesma família também tiveram um mal-estar súbito
e todos, em cerca de poucas horas, vieram a óbito. A causa da morte deles, e de
outras pessoas que também pereceram ao longo de poucos dias, não tardou a ser
descoberta pelos especialistas da equipe –todos tinham ingerido amostras de
Tylenol Extra Forte envenenadas com cianeto!
Uma celeuma logo se instalou e a fabricante Johnson
& Johnson tratou e tirar todos os lotes do remédio das prateleiras. Mas,
como os comprimidos em cápsulas haviam tinham tido seu conteúdo substituído
pelo veneno? E, mais importante, quem fez isso?
Ao longo de todo o primeiro episódio, é a busca
pelo responsável que toma conta de toda a narrativa –e muitos indícios não
tardaram a aparecer, como uma carta de extorsão dirigida à Johnson &
Johnson exigindo um considerável valor em dinheiro a ser depositado numa conta.
Ao rastrear a conta, bem como o selo do correio
(endereçado em Manhattan, Nova York), além de um registro de câmera de
segurança onde supostamente o envenenador aparecia observando uma das vítimas
prestes a comprar Tylenol, os policiais chegaram então à James Lewis e sua história
tão controversa quanto bizarra –que ocupa grande parte do segundo episódio.
Jurando inocência, Lewis (que comparece, envelhecido,
prestando depoimento) era um medíocre cidadão norte-americano envolvido com,
pelo menos, dois crimes extremamente mal-explicados; e cujo desleixo das
autoridades, bem como meandros escorregadios da lei permitiram que se
escapasse. No segundo semestre de 1982, Lewis alegou que teve a estapafúrdia
ideia de escrever uma carta de extorsão para a Johnson & Johnson, não para
conseguir deles o dinheiro, ele diz, mas para incriminar um desafeto seu, em
nome de quem estaria a conta bancária da carta. Ainda que advogados admitissem
que não encontraram provas de que ele estivera em Chicago (o local do crime),
nas datas determinadas para que efetuassem qualquer envenenamento, Lewis foi
julgado e condenado à cadeia.
Imaginando que o pior havia passado, a Johnson
& Johnson iniciou uma campanha massiva de propagandas para restaurar a
credibilidade do nome Tylenol, de longe, seu produto mais rentável (numa
manobra hoje enxergada como o padrão gold
de como reverter uma crise) –eles criaram comerciais onde era garantida a
segurança do produto e, as novas remessas do remédio chegaram às farmácias com
cerca de três (!) lacres de segurança: Um envolvendo a embalagem da caixa do
remédio; o segundo envolvendo a tampa do frasco; e o terceiro, uma vedação em
papel-alumínio lacrando o próprio frasco em si.
Com essas precauções, o consumidor médio
norte-americano deu mais uma chance ao Tylenol e à Johnson & Johnson até
que, em 1986, uma nova e inacreditável onda de envenenamentos se seguiu,
enquanto James Lewis ainda se achava na cadeia, de onde só saiu na segunda
metade dos anos 1990 –o que rendeu a sucessão de outras investigações
infrutíferas, teorias e suspeitos ocasionais.
Na transição do segundo para o terceiro e
último episódio, descobrimos que somente quando a filha de uma das vítimas –uma
mulher já adulta que perdeu a mãe ainda criança –inicia, já a partir dos anos
2000, uma investigação por conta própria que algumas revelações bem mais
próximas da possível verdade começam a aparecer. E deixam claras toda a atuação
relapsa dos investigadores policiais e o controle um tanto absurdo da
corporação Johnson & Johnson sobre o rumo dos fatos, apontando detalhes que
passaram despercebidos (ou foram ignorados) como os testes de remédios
engendrados pela própria Johnson & Johnson (que era, afinal, a empresa
responsável e, portanto, suspeita do envenenamento), os índices que apontavam a
possibilidade de muito mais pessoas terem sido vítimas do veneno (óbitos que
passaram despercebidos como pessoas idosas ou pessoas vitimadas enquanto
estavam dirigindo e foram declaradas mortas por acidente) e as alegações
veementes (depois desmentidas por declarações oficiais de especialistas) de que
durante a fabricação do Tylenol não havia qualquer vestígio de cianeto dentro
das fábricas.
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