domingo, 10 de agosto de 2025

Extermínio - A Evolução


 Lançado em 2002, “Extermínio” representou algumas notáveis inovações, das quais hoje poucos o creditam –além de capitanear toda uma nova leva de filmes sobre mortos-vivos que seguem sendo feitos até hoje (ainda que os ‘mortos-vivos’ aqui sejam ‘infectados’), também foi uma das audaciosas produções a adotar a técnica da câmera digital que proporcionava às filmagens uma praticidade e uma rapidez que encontrou reflexo na criatividade e na urgência daqueles realizadores de então –e ainda foi incluído na Lista dos 100 Melhores Filmes da Década (do ano 2000 à 2010) feita pela Revista Time.

À ele seguiu-se, em 2007, uma continuação, intitulada “28 Weeks Later” –em alusão ao título original, “28 Days Later”, ou “28 Dias Depois” –não tão boa quanto, mas igualmente vibrante, interessante e certamente acima da média.

Quando muitos já achavam que a franquia não tinha mais o que oferecer, eis que o roteirista Alex Garland e o diretor Danny Boyle (que, durante esse meio-tempo ganhou 8 Oscars por “Quem Quer Ser Um Milionário?”) apareceram com este “28 Years Later” que, como o título original já diz, passa-se, num audacioso salto de tempo, vinte e oito anos depois do início da infecção ocorrida no primeiro filme –os infectados (vítimas de uma contaminação em laboratório) se proliferaram por todo o Reino Unido levando o lugar a ficar isolado do resto do mundo. Entretanto, nessas condições, as comunidades persistentes afloraram; como aquela que é retratada no filme: Um lugarejo localizado numa ilha, cujo acesso ao continente se dá por uma faixa de terra de poucos quilômetros que, durante algumas horas ao dia, se torna trafegável graças à maré baixa.

É numa dessa ocasiões que o jovem Spike (Alfie Williams), ladeado por seu pai, o rígido Jamie (Aaron Taylor Johnson), irá encarar sua primeira incursão no continente, logo, seu primeiro encontro com os temidos infectados que, nesse estágio de contaminação, já nem usam mais roupas e, ainda por cima dividem-se em duas aparentes categorias; uma, chamada ‘rastejantes’, em que são desajeitados e não conseguem andar (ainda que continuem potencialmente perigosos); e outra, os já conhecidos infectados, selvagens e implacáveis, que correm feito maratonistas atrás de suas vítimas. É entre eles que os mais desavisados podem encontrar os Alfas, infectados cujo vírus atua em seu organismo como anabolizantes, deixando-s enormes, fortes e musculosos, incapazes de serem mortos apenas pelas habituais fechas no corpo ou na cabeça.

Não basta à Spike ir uma única vez para o continente e escapar de lá por muito pouco –ele quer voltar para levar para lá sua mãe (Jodie Comer, de “Star Wars-A Ascensão Skywalker”). Acometida de algum mal que ninguém na aldeia é capaz de curar ou tratar, Spike almeja encontrar em algum lugar daquele mundo desolado, o excêntrico Dr. Kelson (Ralph Fiennes, cada vez mais sensacional), um médico especialista que afastou-se das pessoas e passou a desenvolver um comportamento, no mínimo, incomum. Com seus conhecimentos, e apesar de tudo, Spike sabe que o Dr. Kelson pode dizer qual é o problema com sua mãe –ainda que, no encalço de todos, esteja um dos temidos Alfas!

O roteiro e a direção inspirados de Garland e de Boyle provam, ao longo de todo este “A Evolução”, que eles têm ideias de sobra para ilustrar esse desigual mundo pós-apocalíptico que eles criaram para ambientar sua saga –tanto que, um outro filme, a continuar exatamente do ponto em que este abruptamente se interrompe, já está nos planos de ser lançado.

Realmente, essa sensação de ser demasiado enxuto, de possuir mais história para ser contada, e de se encerrar num momento em que nada parece se encerrar de fato (quando o roteiro enfim estabelece uma relação com o prólogo que, até então, pouco sentido havia feito) é uma das poucas ressalvas que se leva deste filme eletrizante, tenso, divertido e algo escatológico.

quarta-feira, 6 de agosto de 2025

Quarteto Fantástico - Primeiros Passos


 Criado nos quadrinhos pela dupla Stan Lee e Jack Kirby nos anos 1960, o Quarteto Fantástico já teve quatro versões anteriores feitas para cinema –a de 1994 (uma produção B cuja pobreza técnica e artística foi tamanha que sequer foi lançado!), a de 2005 (talvez, a mais famosa, que trazia Chris Evans como Tocha Humana), sua continuação de 2007 (aproveitando também o arco narrativo a envolver Galactus e o Surfista Prateado, resultando nada mais que uma sessão da tarde mediana) e a de 2015 (uma obra problemática, assolada por todo o tipo de equívoco e, como é habitual em casos assim, uma verdadeira lástima).

Faltava, em cada um desses exemplares, alguém atrás das câmeras que fizesse um esforço mínimo para entender os quadrinhos originais, a motivação dos personagens, o propósito e o contexto para o qual foram criados. Felizmente, a Marvel Studios (enfim, detentora desses personagens após um tortuoso vai e vem de direitos autorais) entregou o material nas mãos do diretor Matt Shakman (realizador de todos os episódios da elogiada série “WandaVision”) que soube pontuar os elementos pertinentes de cada membro do grupo, encontrou o empuxo moral e existencial que dava impulso às suas tramas, e organizou essas considerações numa narrativa bem calibrada, sólida e enxuta, além de adornar seu trabalho com um visual de encher os olhos, aproveitando a estética sci-fi retrô escolhida para a produção.

Numa versão alternativa do planeta Terra (chamada Terra 828, alternativa inclusive ao próprio Universo Marvel em si, cujas obras de sucedem noutra realidade), o mundo chegou à década de 1960 usufruindo de uma plenitude tecnológica fora do comum, graças à existência de um gênio conhecido como Reed Richards (Pedro Pascal). Esse mesmo Reed Richards que, numa eventual viagem espacial (são anos 1960, logo, período da Exploração Espacial) junto de sua tripulação, formada pela esposa Sue Storm (Vanessa Kirby), pelo cunhado Johnny Storm (Joseph Quinn, de “Um Lugar Silencioso-Dia Um” e “Gladiador II”) e pelo amigo Ben Grimm (Ebon Moss-Bachrach, de “Que Horas EuTe Pego?” e da série “The Bear”), acaba colhido por raios espaciais que conferem à todos eles, poderes diferenciados. Reed, agora, além da mente privilegiada, tem também a capacidade de se esticar; Sue consegue produzir poderosos campos de força, além de ficar invisível; Johnny controla o fogo podendo inclusive tornar o próprio corpo incandescente; e Ben vira um ser rochoso superforte ao qual dão a alcunha de Coisa. Essa família se transforma assim nos grandes heróis da Terra, o Quarteto Fantástico.

Quando a trama tem, de fato, início –mostrando essa origem mencionada acima numa breve sequência de um programa de TV –o Quarteto Fantástico testemunha a chegada à Terra da Surfista Prateada (Julia Garner, de “Sin City-A Dama Fatal”), criatura de poder cósmico que afirma ser arauto do poderoso Galactus, um ser tão antigo quanto o universo, movido por uma fome incontrolável e incessante. O seu alimento: Planetas! E chegou a hora dele alimentar-se da Terra.

A Surfista vem, portanto, anunciar para o Quarteto e para o mundo o prazo final da raça humana.

As esperanças se debruçam, obviamente, sobre os quatro membros do Quarteto Fantástico, contudo, quando finalmente eles encontram o incomensurável Galactus (vivido numa imponência assombrosa por Ralph Ineson), ele os confronta com um dilema: Salvar a Terra entregando a ele o filho de Sue e Reed, ainda por nascer.

Ainda que, de longe, a produção mais visualmente arrebatadora e fascinante a adaptar o Quarteto Fantástico para as telonas, o grande trunfo do filme é mesmo seus acertos no roteiro e no elenco: Hábil no manejo dramático de sua trama, o diretor Shakman conseguiu desenvolver de modo satisfatório não só cada um dos membros do grupo como também estabeleceu instigantes e eficientes dinâmicas entre cada um deles e a personagem da Surfista Prateada. Como nas HQs, portanto, “Quarteto Fantástico-Primeiros Passos” vale-se de pertinentes expedientes da ficção científica para enfatizar os laços familiares que unem seus personagens, centralizando assim a personagem vivida brilhantemente por Vanessa Kirby (ela que –veja só! –é neta do próprio Jack Kirby!) no cerne da narrativa, à exemplo do que Shakman já havia também feito em “WandaVision” com a personagem da ótima Elisabeth Olsen –a mulher, esposa e mãe, tornada assim o pilar emocional de toda a união conjunta de um grupo.

sábado, 2 de agosto de 2025

The Blair Witch Documentary


 Se há algo de extrema utilidade, para os estudiosos de cinema que tentam compreender como um filme gera burburinho entre a crítica e, sobretudo, o público, neste documentário sobre as preparações e as filmagens do hoje lendário “A Bruxa da Blair”, é a forma despojada com que ele expõe as manobras quase instintivas, muitas ao sabor dos improvisos ou da própria sorte, que conduziram ao inesperado sucesso que essa produção independente obteve em 1999.

Foi por volta de 1994 que os então amigos Daniel Myrick e Eduardo Sánchez (ambos colegas na Escola de Cinema da Universidade da Flórida Central) tiveram a ideia de fazer um filme básico, árido e precário usando todas essas circunstâncias limitantes como trunfos dentro da estrutura do gênero terror –eles haviam assistido “A Hora do Pesadelo”, de Wes Craven (de 1984), e se deram conta do quanto defasado, banalizado e despido de originalidade o gênero se encontrava nos anos 1990. Buscando inspiração no conceito documental aproveitado episódio após episódio em séries televisivas policiais de caráter mais sensacionalista, eles inseriram o elemento sobrenatural nessa ideia, concebendo o projeto para um filme de terror que, à sua maneira, soasse tão legítimo que despertaria, no público, a dúvida se todos os eventos mostrados seriam, ou não, reais, auxiliados pelo fato de que, naquela segunda metade dos anos 1990, os expectadores ainda não dispunham de uma internet tão vasta em informações e em ferramentas de busca capazes de elucidar imediatamente uma dúvida como essa.

Foi assim que, financiado pelos próprios diretores e por alguns poucos investidores, “A Bruxa de Blair” –ou “The Blair Witch Project” –começou a ser rodado em 1997, nas imediações florestais da cidade de Burkstville, no estado de Maryland. Durante as audições realizadas para encontrar os intérpretes dos únicos três personagens principais, a maior exigência para os papéis eram pessoas que não tivessem problemas em acampar à noite, e que conseguissem lidar bem com o frio, a privação de sono e o desconforto.

Foram selecionados –em audições transcorridas em Los Angeles, Nova York e Orlando –os atores Joshua Leonard, Michael C. Williams e a protagonista Heather Donahue, e deixados cientes de que, quando as câmeras começassem a rodar, ele entrariam nos personagens e deles não sairiam mais; tanto que os personagens do filme levaram o nome dos próprios atores que os interpretam.

Rodado ao longo de oito dias bastante exaustivos e aflitivos para os membros do elenco (que infelizmente não comparecem prestando seus depoimentos ao filme), o processo de filmagem foi desigual e inesperado com os atores extraviados na floresta, filmando a si próprios, sem ter ideia da orientação das cenas e com os diretores e a diminuta equipe técnica rondando-os e criando, a cada noite, novas situações para lhes arrancar expressões de medo real.

Contudo, foi durante a divulgação –de um caráter pioneiro e inovador –que o filme viralizou e mostrou-se realmente diabólico: No documentário, Myrick e Sánchez revelam que valeram-se da internet justamente para passar ao público a percepção de que todo o filme era real, resultado de materiais encontrados numa cabana um ano após o desaparecimento do trio de jovens documentaristas. Foi criado um site para o filme, abastecido de matérias sobre o desaparecimento fictício e de um histórico onde todo um quadro cronológico era contado sobre a Maldição da Bruxa de Blair, em Burkstville, que remontava desde o século retrasado. Certamente, vítimas de maus-tratos durante as filmagens, os três atores protagonistas foram até proibidos de aparecer em redes sociais após o lançamento do filme, para que a ideia de seu desaparecimento se consolidasse –num princípio básico muito parecido com o usado também no execrante “Cannibal Holocausto”, nos anos 1970.

Dirigido por Jed Shepherd, este documentário está incluso nos extras da Edição de Colecionador do Blu-Ray norte-americano de “A Bruxa de Blair”, e revela o ímpeto de inovação dos diretores Myrick e Sánchez (que se anteciparam a qualquer hype filmando meticulosamente todo o processo), além de mostrar como essa produção modesta, pequena e barata foi capaz de revolucionar alguns conceitos mercadológicos em Hollywood instaurando a linguagem do found footage –que, depois, desdobrou-se numa infinidade de outros filmes, todos querendo pegar carona na mesma ideia, como “Cloverfield-Monstro”, “The Poughkeepsie Tapes” “Caçador de Troll” e tantos outros.

quinta-feira, 31 de julho de 2025

Entrevista Com O Vampiro - 2ª Temporada


 A primeira temporada de “Entrevista Com O Vampiro” se encerrou exatamente no ponto da trama em que o vampiro Louis de Point du Lac (Jacob Anderson, espetacular), junto da menina-vampira Claudia (interpretada na 1ª temporada por Bailey Bass e, aqui, nesta 2ª, por Delainey Hayles, ambas formidáveis) finalmente põem em prática seu plano de dar cabo do poderoso vampiro Lestat (Sam Reid, também ele magnífico) –para efeitos de comparação, representa cerca de 60% do filme “Entrevista Com O Vampiro”, de 1994, que assim como esta série produzida por Rolin Jones busca adaptar as “Crônicas Vampirescas”, da celebrada escritora Anne Rice, das quais este é só o primeiro volume.

Pela extensão assim possibilitada do material televisivo (oferecendo chance para que o livro em sua totalidade e muito mais seja vertido para a tela) e pelo talento inconteste dos envolvidos a frente e atrás das câmeras, o objetivo de enfim consolidar uma adaptação integral da obra de Anne Rice nunca chegou tão perto de virar realidade.

A começar esta 2ª temporada, temos Louis e Claudia, logo após o assassinato de Lestat (o qual o roteiro não se furta em antecipar a informação de que não morreu de fato), partindo em definitivo de Nova Orleans, ainda na primeira metade do Século XX, e seguindo rumo à Europa a fim de iniciar investigações de Louis, desejoso de saber onde estão e quais são os outros vampiros a caminhar pelo mundo –até então, ele e Claudia só conheciam Lestat mesmo, seu criador.

Assolada pela Segunda Guerra Mundial, a Europa é um lugar desolado, triste e lúgubre, e essa atmosfera (bem como o sangue das vítimas afetadas das quais vão se alimentando) vai contaminando com essa angústia os dois personagens. De vampiros mesmos, eles descobrem apenas murmúrios de lendas obscuras e, numa floresta afastada, alguns personagens tão obtusos, monstruosos e inexpressivos que sequer oferecem respostas para suas perguntas. As coisas só começam a mudar quando os dois chegam em Paris e, numa das apresentações noturnas do Théâtre des Vampires, regido pelo dândi Armand (Assad Zaman), e habitado por uma horda de chupadores de sangue, entre os quais o insidioso Santiago (Ben Daniels, de “Rogue One-Uma História Star Wars”), Louis e Claudia pensam enfim terem encontrado os seus. Um microcosmos onde acharão, enfim, pertencimento.

Porém, nada mais é que uma cilada: Ainda que Louis e Armand logo se tornem amantes, a regra primordial entre os vampiros é aquela segundo a qual um vampiro está proibido de matar outro vampiro. E tendo Louis e Claudia infligido tal regra, o seu destino corre o risco de ser selado tão logo os outros venham a descobrir seu segredo.

Durante todo esse relato, pontuado de detalhes preciosos, somos testemunhas de uma entrevista ocorrida no presente (na verdade, durante a pandemia, meados de 2020/2021, época em que a série foi lançada nos EUA), na qual Louis, mais tarde, ladeado por Armand, conta todos esses percalços de sua existência vampira ao contundente repórter Daniel Malloy (Eric Bogosian, de “Verdades Que Matam”) que, valendo-se de sua aguçada percepção investigativa, vai encontrando fissuras, contradições, enganos e até segredos não revelados na trama que as memórias de Louis vão descortinando.

Aproveitando brilhantemente a mudança de ambientação (e, por que não, de tom, também) entre a primeira e a segunda parte do livro, a série de TV amplia seu escopo, multiplica o números de personagens, e aumenta as apostas nos quesitos suspense e intrigas para trazer uma fantástica sucessão de episódios ao expectador. Mais do que adaptar a rica obra de Anne Rice, a série a expande, acrescentando novas camadas, incrementando dinâmicas e situações com ainda mais elementos e ideias, esbanjando inventividade em cima de um material já fascinante por si só.

A um só tempo comovente, eletrizante, sensual e instigante, “Entrevista Com O Vampiro”, a série, encerra a adaptação deste livro inicial da saga abrindo espaço para a 3ª temporada, onde certamente será adaptado “Lestat, O Vampiro”, trazendo o protagonismo para o personagem magistralmente interpretado por Sam Reid o qual, a despeito de ser virtualmente ausente durante a maior parte do enredo desta 2ª temporada, os produtores, ainda assim, encontraram meios de fazê-lo aparecer em quase todos os episódios (seja em flashbacks, deste ou daquele personagem; seja em subterfúgios inesperados do roteiro, ou particularmente, num episódio emocionante, na breve cena da leitura de uma carta). Tributo merecido a uma das melhores presenças da série.

sábado, 26 de julho de 2025

10 Anos de Ato Cinematográfico


 Eis que este blog completa hoje, neste dia 26 de Julho de 2025, uma década de existência quando, há dez anos atrás, eu iniciei este espaço com a resenha de “Jurassic World”. Foram dez anos cheios de transformações. Escrevi alguns livros. Li outros tantos. Saí de um emprego de quinze anos e arrumei outro –onde espero permanecer por muito tempo. E assisti filmes. Muitos filmes.

É possível observar um panorama desigual do cinema moderno durante esses dez anos em que, até aqui, o Ato Cinematográfico existiu: Entre 2015 e 2025, a indústria cinematográfica sofreu reviravoltas inesperadas. As antigas videolocadoras rapidamente viraram histórias de museu (com sua história contada no maravilhoso documentário “Cinemagia”), substituídas pelo avanço implacável das plataformas de streaming; A Marvel Studios experimentou seu auge (com “Vingadores-Ultimato”) e hoje luta para evitar o próprio declínio (com fracassos como “As Marvels”); Grandes diretores como Denis Villeneuve se sagraram com obras antológicas (“A Chegada”, depois “Blade Runner 2049” para então nos entregar os magníficos “Duna-Parte1” e “Duna-Parte 2”); Christopher Nolan alcançou sua aclamação com “Oppenheimer”; Franquias encontraram seu final (“Star Wars-A Ascensão Skywalker”), enquanto outras despontaram para novas jornadas (“The Batman” ou “Mad Max-Estrada da Fúria”). Perdemos Hector Babenco (“O Beijo da Mulher-Aranha”), David Bowie (“Labirinto-A Magia do Tempo”), Bernardo Bertolucci (“O Céu Que Nos Protege”), William Hurt (“Viagens Alucinantes”), José Mojica Marins, Andrzej Zulawski (“Possessão”), Cacá Diegues (“Bye Bye Brasil”), David Lynch (“O Homem Elefante”) e tantos outros; Entretanto, “ganhamos” Damien Chazelle (“Babilônia”), Edward Berger (“Conclave”), Sydney Sweeney (“Os Observadores”), Coralie Fargeat (“A Substância”); Florence Pugh ("Lady Macbeth"), Glen Powell (“Assassino Por Acaso”), Timothé Chamalet (“Me Chame Pelo Seu Nome”), Ryan Coogler (“Pecadores”) e Sean Baker (“Anora”); o Brasil finalmente ganhou um Oscar de Melhor Filme Internacional (“Ainda Estou Aqui”); como sempre o cinema se adaptou às novas tecnologias, atravessou uma pandemia para tirar as pessoas de dentro de suas casas com “Homem-Aranha Sem Volta Para Casa”, e segue passando por tendências, constantes reinvenções e refletindo o tempo e o mundo à sua volta.

Foi uma jornada e tanto –que venham as próximas décadas!

domingo, 20 de julho de 2025

Patrulha Sem Nome


 O estilo intimista do diretor Keith Gordon (mesmo do romance “Amor Maior Que A Vida”, com Jennifer Connelly) é um tanto quanto avesso à simplismos e redundâncias. Daí ser notável a mudança brusca de tom que ele não tarda a promover neste curioso drama da Segunda Guerra Mundial, colocando-o como uma presença inesperadamente fascinante em meio à tantas produções explosivas do filão.

“A Patrulha Sem Nome” –ou “A Midnight Clear”, no original –inicia-se em 1944, nas trincheiras gélidas entre as fronteiras da Noruega e da Bélgica. O soldado Mother Wilkins (Gary Sinise, antes da aclamação por “Forrest Gump”) tem um surto –descobriu, dois dias antes que se tornou pai e, diante do perigo da guerra, pode não voltar para conhecer o filho –o que leva-o a ser visto com certa cautela por todo o resto do esquadrão. Tal esquadrão, contudo, não é dos mais numerosos: Devido a uma série de circunstâncias militares peculiares e de outros contratempos, eles se resumem em seis –além de Mother, o comandante, Sargento Will Knott (Ethan Hawke), que pela aparência jovial pouca impressão passa de líder; o austero e virtuoso Father Mundy (Fran Whaley, de “Career Opportunities”); o exemplo de soldado em combate, Cabo Avakian (Kevin Dillon, de “Platoon”); o bem-apessoado e cabeça-oca Bud Miller (Peter Berg); e o irrequieto e astuto Stan Shutzer (Arye Gross, de “Minority Report-A Nova Lei”). O grupo –que, à essas alturas do conflito, se tornaram grandes amigos –é designado para uma missão aparentemente banal: Seguir até um entreposto longínquo nas montanhas gélidas e abarrotadas de neve, uma casa abandonada, e lá montar guarda, vigiando toda e qualquer atividade nazista que, por ventura, perceberem na região.

Todavia, o que se sucederá é inusitado. Atividade nazista existe, sim, no entanto, os soldados alemães (ao que tudo indica de um esquadrão diminuto e largado ao léu pelos superiores, como o deles) não parecem nem um pouco interessados em dar continuidade ao conflito ou a seguir ordens superiores, quaisquer que sejam, eles estabelecem contato que, ao longo dos dias que se seguem (e das situações um tanto curiosas que se sucedem), tudo indica ser amistoso!

Aqueles alemães sabem que o desfecho da guerra será amargo, e querem se render aos americanos o quanto antes. Todos, porém, vão descobrir que, mesmo diante de uma predisposição pacífica de ambos os lados, todos vivenciam, com a guerra, uma circunstância delicada que os deixa à beira da barbárie.

Sem adentrar trechos mais complexos que essa improvável premissa desenvolve –até para não revelar algumas surpresas –este notável trabalho de Keith Gordon, adaptado do livro de William Wharton, tece um delicado conto sobre empatia e sobre as lamentáveis engrenagens da hierarquia, concebendo uma trama que não parece enfatizar a guerra em si –embora muitos dos expedientes característicos dos filmes de guerra estejam todos lá –mas, sim exprimir, não sem uma certa ironia, uma mensagem de paz.

quinta-feira, 17 de julho de 2025

Superman


 Há uma sensação curiosa e até deliberada a tomar conta do expectador já nos primeiros minutos de “Superman”: A de que a história que começamos ali a acompanhar já está em progresso e de que a pegamos, por assim dizer, ‘com o bonde andando’. Essa sensação provavelmente é um objetivo proposital da parte do diretor e roteirista James Gunn –como este filme em si é o ponto de partida de mais uma nova empreitada na tentativa de consolidar um Universo DC Comics nos cinemas, à exemplo do Universo Marvel Cinematográfico (a empreitada anterior, capitaneada por Zack Snyder foi um desfile de fracassos), o protagonista já chega habitando um mundo povoado de superseres –os chamados ‘metahumanos’ –alguns dos quais comparecerão sem cerimônia e sem timidez neste filme mesmo.

Detentora dos direitos dos personagens da DC Comics (a maior concorrente da Marvel nos quadrinhos), a Warner Bros Estúdios, na ânsia de finalmente acertar não hesitou em ciscar no terreno do vizinho –e não foi nem a primeira vez: Assim como em 2008, quando chamou o diretor de “X-Men”, Bryan Singer, para realizar “Superman-O Retorno”, a Warner prontamente contratou James Gunn (que na Marvel Studios foi responsável por toda a ótima Trilogia “Guardiões da Galáxia”) não só para encarregar-se deste novo filme do Superman, mas para ser a mente criativa por trás de todo um novo esforço para materializar um Universo DC a partir do zero, a começar, portanto, por seu mais emblemático superherói.

O conceito com o qual Gunn inicia seu filme é arrojado: Ele simula a impressão de ler uma história em quadrinhos real, na qual encontramos um herói já estabelecido (sem histórias de origem por aqui) e cujos percalços já flagramos em andamento. Não há exatamente um início e a miríade de narrativas que aqui parecem se deflagrar certamente não encontrarão, tão cedo, um desfecho. O maquiavélico Lex Luthor (Nicholas Hoult, num registro austero que felizmente deixa para trás tentativas pífias de agregar humor ao personagem) tem a intenção de minar a popularidade de Superman (o ótimo David Corenswet) para aí então matá-lo. Nos primeiros minutos de filme ele já alcança esse intento: Do alto de seus espantosos poderes, Superman acaba derrotado por um adversário que Luthor encomendou, um certo Martelo da Borávia.

No entanto, os planos de Luthor vão mais longe: Ele quer encontrar o esconderijo de Superman (neste caso, no Ártico, onde a Fortaleza da Solidão alberga os resquícios da tecnologia kriptoniana), voltar a opinião pública (que, por enquanto, o adora) contra ele, para aí então, confiná-lo numa prisão especial onde planeja tirar sua vida com sadismo.

O Superman, por sua vez, faz o que todas as encarnações anteriores do personagem buscaram fazer: Praticar o bem e salvar o máximo de pessoas –a diferença é que, desta vez, esses objetivos não parecem distorcidos por maneirismos de estilos ou por vícios de linguagem.

É bem verdade que a narrativa se atropela e ameaça se perder em meio à tantas informações, tantas idas e vindas e tantos personagens com considerável background a se desenvolver, entretanto, James Gunn é hábil o suficiente para nunca perder o foco no cerne da questão narrativa, a rixa existencial e pessoal entre Superman e Lex Luthor, bem como a relação, ainda cautelosa e hesitante, entre o próprio Superman e sua identidade civil, Clark Kent, com a repórter Lois Lane (a linda Rachel Brosnahan). Assim, chega até a ser chocante que justamente o elemento que torna este Superman tão diferenciado em relação às últimas transposições para o audio-visual seja justamente aquele elemento que sempre deveria ser atrelado à ele: A luz, a esperança e a inspiração que, como herói, o Superman sempre representou. No papel de Superman/Clark Kent, David Corenswet se ampara mais na lição primordial deixada pelo saudoso Christopher Reeve e menos na amargura inapropriada com a qual Henry Cavill foi obrigado a carregar seu Superman. Aqui, por diversos meios e pelos mais variados fatores, Superman volta a ser símbolo de tudo o que almejamos como seres humanos –e essa mensagem se vê muito bem contextualizada num filme que não omite seus desdobramentos políticos (Superman acaba mal visto publicamente por tentar parar um guerra SEM as devidas autorizações governamentais), suas complexidades factuais (diante de outros heróis com poderes, ele precisa se posicionar e se provar enquanto um defensor da justiça) e nem a ambiguidade de suas ideologias (desvencilhando-se do perigo de enaltecer um ser supremo, o diretor retrata Superman, mesmo com seus poderes, nas mais diversas circunstâncias de vulnerabilidade).

O resultado desta demonstração íntegra e intrínseca de pleno conhecimento do material-fonte (os quadrinhos) é um filme vibrante, colorida, esperançoso, agitado e francamente promissor. Ao contrário de 1979, hoje em dia, não basta Superman provar que o homem pode voar, ele precisa mostrar que seus valores e tudo aquilo que representa (e que faz dele o maior de todos os superheróis) são convicções inabaláveis retradas pelos mais talentosos e sinceros artesãos de cinema.