terça-feira, 1 de outubro de 2019

Guerra dos Mundos

Foi com a clássica obra literária de H.G. Wells –já adaptada numa produção antiga de Sci-Fi em 1953, por Byron Haskin, na famosíssima transmissão radiofônica de Orson Welles em 1938 e em outros trabalhos menos expressivos –que o diretor Steven Spielberg finalmente se prestou a realizar uma refilmagem; ainda que seu filme busque se afastar (sobretudo, na predominante opção da modernização) da maior parte das comparações com os filmes já realizados a partir do texto.
Retomando a colaboração com o astro Tom Cruise, que resultou no memorável “Minority Report-A Nova Lei”, e novamente adentrando o terreno da ficção científica, Spielberg constrói uma obra que estranhamente contraria tudo o que, dentro deste tema, ele havia feito antes: Se em “Contatos Imediatos do Terceiro Grau” e em “E.T. O Extraterrestre”, os alienígenas de outro mundo ocupavam uma visível (e frequentemente simbólica) posição de afeto na consideração do diretor, aqui, ele cede ao antagonismo fácil e previsível de obras como “Independence Day” –que se inspirou profundamente na obra de Wells –e, mais especialmente, “Sinais” de M. Night Shyamalan.
E tal qual em “Sinais”, é do ponto de vista de uma família norte-americana comum (e disfuncional) que Spielberg opta por observar uma invasão alienígena ao planeta Terra.
Tom Cruise é Ray Ferrier, o relapso pai de família que deve cuidar de seus filhos durante o fim de semana, o adolescente Robbie (Justin Chatwin que foi o Goku na versão live-action de “Dragon Ball”) e Rachel (a então criança-prodígio de Hollywood, Dakota Fanning).
Quando ocorre a invasão –embevecida do trajeto sem igual de Spielberg ao lidar com espetaculares efeitos visuais –a inaptidão de Ray para cuidar dos próprios filhos é colocada à prova, na faceta em que melhor enxergamos as inquietações temáticas que mais definem Spielberg: O gesto quase involuntário de sempre introduzir em suas premissas um pai ausente dividido entre o amor aos filhos e a incompetência de sua paternidade.
Tudo o mais, estranhamente, vai na contramão do que o realizador habituou seu público a esperar dele: Uma falta de criatividade que assombra diversos momentos-chaves de sua narrativa (sobretudo, no que diz respeito à tentativa de deixar de lado o personagem de Justin Chatwin), o retrato nada lisonjeiro dos invasores alienígenas e a insistente perda da inocência de Rachel diante das atrocidades diretas e indiretas acarretadas pela invasão –e que se torna mais incômoda de ser acompanhada pela interpretação histérica de Dakota Fanning.
Pai e filhos, assim, singram as paisagens transfiguradas dos EUA a fim de encontrar refúgio junto da mãe das crianças (Miranda Otto, de “O Senhor dos Anéis-As Duas Torres”), divorciada de Ray e que se encontra em outra cidade longe do conflito.
A partir da segunda metade, surge no filme o paranóico personagem de Tim Robbins que parece tentar acrescentar mais tensão ao filme e converter sua narrativa em algo mais intimista e claustrofóbico, mas na final das contas, serve apenas para encher lingüiça mesmo, resultando desimportante.
Claro que as cenas de confronto com os alienígenas e os momentos em que vislumbramos o emprego de sua superior tecnologia bélica valem plenamente o espetáculo; Spielberg não poupa esforços para construir sequências memoráveis que parecem unir ao realismo de “O Resgate do Soldado Ryan” a incredulidade assombrosa da ficção científica –no entanto, apesar  dessa esmerada (e no fim das contas, belíssima) pirotecnia, também ali se vê uma falha: Na similaridade que o projeto de Spielberg acaba encontrando com “Sinais” –onde também vemos uma família tentando sobreviver a uma invasão alienígena ao planeta Terra –as suas inúmeras cenas grandiosas, vastas em efeitos computadorizados, perdem de longe para a poderosa e instigante sugestão de ameaças que não podemos ver, mas que se encontram bem próximas, existente na narrativa de Shyamalan.

Nenhum comentário:

Postar um comentário