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sábado, 16 de agosto de 2025

...E Deus Criou A Mulher


 Em 1988, o diretor francês Roger Vadim teve a ideia de realizar uma refilmagem norte-americana de seu cultuado “...E Deus Criou A Mulher” original, estrelada por sua esposa na época, Brigite Bardot. Agora estrelado por Rebecca de Mornay (atriz que habitava o subconsciente coletivo do público masculino graças ao seu papel em “Negócio Arriscado”), este novo “...E Deus Criou A Mulher” terminou se revelando um filme completamente diferente de seu antecessor.

Rebecca interpreta Robin Shay, protagonista que –diferente da quase ingenuidade de Bardot no outro filme –nos é apresentada como uma presidiária (!) na iminência de perpetrar uma fuga da cadeia (!!). Tal fuga (filmada de maneira à evidenciar certo charme gaiato almejado pela produção) não se revela muito eficaz: Ainda na estrada, Shay pega carona na limusine de James Tierman (Frank Langella, pouco convincente em sua fleuma e charme), figurão envolvido com política que, ao dar-se pelo esquecimento de uma pasta, pede ao motorista que dê meia volta e retorne ao local em que estavam –esse local, para azar de Robin, vem a ser a própria penitenciária (!!!). Tierman dá a ela uma chance para que retorne, às escondidas, para sua cela e esqueça essa ideia de fugir.

Dessa forma, Robin acaba num ginásio em obras da penitenciária (ou algo assim) e, num encontro inesperado, desta vez com o carpinteiro Billy Moran (Vincent Spano, de “Oscar-Minha Filha Quer Casar”), ela acaba fazendo sexo (!!!) –e a condução um tanto enfadonha imposta pela direção só não despenca totalmente para o tédio exatamente por conta desses lances non-senses, e por isso mesmo imprevisíveis, ocasionados no roteiro que, de um modo ou de outro, persistirão até o final.

Descobrindo que Tierman está concorrendo à eleição para governador no estado do Novo México, Robin pede a ele um auxílio: Ela irá se comportar e até mesmo providenciar um matrimônio de última hora –com o inadvertido Billy! –desde que Tierman mexa os pauzinhos para tirá-la da prisão, aproveitando ainda para fazer da manchete de sua saída uma história de redenção que ajude a impulsionar sua candidatura.

Assim, aos trancos e barrancos e sem muita certeza do rumo a ser tomado, “...E Deus Criou A Mulher” estabelece esse estranho triângulo amoroso entre Robin, Billy e Tierman, que nunca leva a lugar nenhum (com os dois homens parecendo disputar qual o mais irritante e machista). Robin vai morar na casa de Billy, junto do irmão e do filho pequeno dele, sob as condições de um acordo: Por cerca de seis meses (tempo mais que suficiente para Tierman se eleger e para a liberdade condicional dela expirar), Robin irá se passar por sua esposa e, ao fim desse período, irá recompensá-lo com 5 mil dólares que ela tinha no banco.

Ao contrário do que inicialmente Billy tinha imaginado, porém, ele e Robin não terão qualquer relação carnal –ela não quer envolver negócios com prazeres...

Isso, obviamente, acirra os nervos de Billy, enquanto lida com isso (e com as responsabilidades da vida doméstica que aquele período em família irá lhe cobrar) Robin tenta refazer sua antiga banda e dar continuidade ao talento para música que ela demonstrava antes de ir presa.

Ao abrir mão de uma trama mais similar ao filme de 1956 –um romance mais básico e sem maiores distinções –o diretor Vadim acabou concebendo uma obra carregada de estranhos maneirismos. O aspecto musical que tenta acompanhar o estado de espírito desta sua nova protagonista não tem qualquer encaixe harmonioso com o restante do enredo, e as canções padecem de uma lastimável falta de inspiração –e a própria Rebecca De Mornay parece pouco à vontade nas cenas em que precisa exercitar suas cordas vocais. Por outro lado, o aspecto sensual, quando aparece, é bem aproveitado no registro de um sex-appeal mais selvagem de sua protagonista e nas cenas desinibidas de nudez que ela entrega.

Longe de representar o mesmo marco de sensualidade que a produção francesa estabeleceu (na verdade, há quem sequer saiba da existência desta refilmagem!), este “...E Deus Criou A Mulher” norte-americano, na sua tentativa de evocar alguma lubricidade sexual e maliciosa que reverberasse no imaginário do público tanto quanto o original, acabou ficando à sombra de muitas obras abundantes em erotismo e sensualidade que despontaram naqueles anos 1980, como “O Último Americano Virgem”, “9 e ½ Semanas de Amor” e outros.

sexta-feira, 11 de julho de 2025

Star 80


 Construído a partir de flashbacks, este último trabalho do grande diretor Bob Fosse (aquele no qual ele permitiu-se afastar um pouco do gênero musical, mas ainda se mostrando interessado nos meandros corrosivos e viciantes do showbizz) é uma obra angustiante, dolorosa, triste e trágica. Muito devido ao fato dele nos conduzir a uma via-crusis real (a da modelo Dorothy Stratten) da qual desde o início ele deixa bem claro o desfecho amargo.

Amparando o expectador nessa atmosfera inevitável de pesar (que, em alguma medida, evoca o clima decadente criado em “Cabaret”), ele nos torna testemunhas da trajetória de Dorothy (vivida com equilíbrio ponderado entre atuação planejada e performance instintiva por Mariel Hemingway), jovem canadense que, em 1979, aceita se casar com o malandro e aproveitador Paul Sinder (Eric Roberts, usando e abusando de seu aspecto ‘galã cafajeste’). Percebendo que a beleza de Dorothy poderia levá-lo ao mundo de celebridades que sempre almejou, Paul a convence a largar o emprego de garçonete onde a conheceu e a faz posar para fotos sensuais que, mais tarde, acabam compradas pela revista masculina Playboy. Após ser escolhida para um ensaio fotográfico de nudez com imensa repercussão, Dorothy acaba convidada para a mansão Playboy onde cai nas graças do próprio dono da revista, o excêntrico magnata Hugh Hefner (Cliff Robertson, capturando alguns elementos caricaturais do famoso dono da Playboy).

A medida que Dorothy vai se consolidando como uma estrela, as demais pessoas à sua volta percebem a influência nociva e a presença parasitária de seu marido, que começa a se mostrar cada vez mais agressivo e indignado conforme Dorothy vai se afastando dele e se aproximando do jovem cineasta Aram Nicholas (Roger Rees, de “O Grande Truque”), pseudônimo do personagem real que envolveu-se com Dorothy Stratten, o diretor de cinema Peter Bogdanovich, cujo nome foi modificado para evitar processos judiciais.

Os desdobramentos fatídicos dessa trama não são nenhuma surpresa, visto que desde o princípio, vemos um transtornado Paul Snider falando com o corpo morto de Dorothy –o que dá origem ao fio narrativo que conduz todo o filme –assassinada com um tiro de espingarda por ele, pouco antes de se suicidar, quando ela ainda tinha apenas 20 anos de idade, em 1980.

“Star 80” não foi o primeiro filme a retratar a trágica história de Dorothy Stratten; ainda em 1981, foi produzido pela NBC, o telefilme “Death of Centerfold-The Dorothy Stratten Story”, que trazia Jamie Lee Curtis como Dorothy Stratten, e Bruce Weitz como Paul Snider. Tendo vencido em 1980, a Palma de Ouro em Cannes por “All That Jazz” –prêmio que ele dividiu com “Kagemusha”, de Akira Kurosawa –o diretor Bob Fosse incumbiu-se deste projeto (lançado em 1983), adaptando o livro “The Death Of A Playmate”, de Teresa Carpenter, vencedor do Prêmio Pulitzer.

A obra que Fosse constrói aqui, ainda que brilhantemente fotografada (por Sven Nykvist, cinegrafista de muitas obras de Ingmar Bergman), e primorosa enquanto narrativa cinematográfica, não tem a intenção de extasiar o público, pelo contrário: No magistral retrato de uma tragédia anunciada, ele compõe, nesta produção de inquestionável excelência, um reflexo das celeumas de desilusão dos anos 1980, em contraponto a um fulgor criativo mais otimista que ele enxergou nos anos 1970.

A um só tempo angustiante, atordoante e impecável, este filme foi aplaudido como uma dramatização cheia de brilho e verdade acerca de um caso lamentável onde testemunhamos uma mulher que tentou apenas ser livre e independente, mas terminou vítima de um homem perturbado, machista e agressivo. É doloroso e difícil de se assistir, mas é também cinema do mais alto nível.

segunda-feira, 9 de junho de 2025

Amor À Primeira Vista


 Melodrama dos anos 1980 cuja abordagem soa inversa à, por exemplo, do romântico “Amor À Flor da Pele”, de Won Kar Wai, no qual acompanhávamos a via-crusis das contrapartes traídas de dois casais envolvidos em adultério. Aqui é incontornável a romantização de um ato que, no fim das contas, é uma traição –ainda que o filme, com elegância, sutileza e parcimônia vá mascarando isso diante do expectador. Não à toa, houveram críticas, na época de seu lançamento, direcionadas exatamente à essa postura. Filmado na Estação Central de Nova York e aproveitando essencialmente o hype da reunião entre de Meryl Streep e Robert De Niro (saídos, respectivamente das produções “Silkwood-Retrato de Uma Coragem” e “Era Uma Vez Na América”), o filme dirigido por Ulu Grosbard (que havia realizado, em 1981, o drama policial “Liberdade Condicional”, com De Niro) parece se beneficiar exatamente desses detalhes para se impor, no mais, contentando-se em ser um romance ameno, sem rompantes e de baixa voltagem. Características que não o impedem de ser um bocado encantador aos olhos de seu público-alvo.

 Arquiteto, morador do subúrbio de Westchester, Nova York, Frank Raftis (Robert De Niro) é casado com Ann (Jane Kaczmarek, de “Morto Ao Chegar” e “A Vida Em Preto & Branco”), com quem tem dois filhos pequenos. Moradora nas mesmas redondezas, a artista plástica Molly Gilmore (Meryl Streep) também é casada, com Brian (David Clennon, de “Inferno Sem Saída” e “Muito Além do Jardim”). Ambos tomam o mesmo percurso de trem diariamente, porém, sem nunca se encontrar: Frank, para ir e voltar do trabalho; Molly, para visitar constantemente seu pai (George Martin, de “Sociedade dos Poetas Mortos”) que está internado num hospital em Manhattan. É durante a véspera de Natal que eles se encontram pela primeira vez, ao trombarem um com o outro acidentalmente e, sem querer, acabar trocando os livros que haviam comprado. Alguns meses depois, eles tornam a se reencontrar na estação, se reconhecem e a partir daí, adquirem o hábito de todos os dias, fazerem companhia um ao outro durante a viagem, conforme vão se conhecendo melhor. Embora saibam que ambos são casados, isso não impede que um sentimento pouco a pouco comece a nascer entre eles.

A medida que o enredo de "Falling In Love" progride é impossível não lembrar de “Desencanto”, do mestre David Lean, que aparentemente o diretor Ulu Grosbard quis refilmar muito disfarçadamente e por baixo dos panos. Ele possui a mesma premissa básica, a mesma estrutura dramática, o mesmo subtexto a envolver adultério e uma perspectiva através da qual se humaniza o casal de amantes –sem julgamentos morais que seriam suscitados com mais insistência nos tempos de hoje. Certamente, o grande trunfo desta produção até que modesta (ainda que plenamente eficaz em sua proposta) é ter Meryl Streep e Robert De Niro, dois verdadeiros monstros sagrados em cena –De Niro inclusive venceu o prêmio Sant Jordi 1986 de Melhor Ator Estrangeiro, enquanto Meryl, por sua vez, foi agraciada com o prêmio David di Donatello de Melhor Atriz Estrangeira do mesmo ano do lançamento do filme, 1984, num desempenho intimista com elementos que ela revisitou, anos mais tarde, em  "As Pontes de Madison".

domingo, 18 de maio de 2025

R.O.T.O.R.


 Mais uma daquelas obras obscuras, de baixo orçamento e de baixa qualidade, que surgiam, como baratas vindas de um bueiro (!), no cinema pauleira dos anos 1980 –e que, com frequência também acabavam migrando para as fitas de VHS, no picareta sub-gênero dos filmes de ação da época do homevideo, “R.O.T.O.R.” graças à galhofa sádica de alguns cinéfilos que insistiram em assistí-lo ao longo dos anos pela comédia involuntária que é, não caiu de todo no esquecimento que, na verdade, merecia.

Dirigido nas coxas por Cullen Blaine –designer da indústria televisiva e cinematográfica que teve maior desempenho profissional dentro do ramo da animação, tendo inclusive produzido o desenho animado oitentista “The Get Along Gang” –“R.O.T.O.R.” trata-se de uma produção com orçamento de fundo de quintal, aproveitando o apelo de diversas outras obras comercialmente influentes do período e que, por isso mesmo, renderam imitações, umas bem esdrúxulas, como esta daqui. Há em “R.O.T.O.R.” algo de “Robocop” (o policial futurista feito a partir de características humanas), de “Exterminador do Futuro” (a máquina maligna voltada contra os seres humanos) e até de “Maniac Cop” (o policial fascista que sai matando a esmo, numa contagem de corpos desenfreada).

A trama abilolada de “R.O.T.O.R.” começa quando um homem é encontrado numa beira de estrada, vítima do que parece ser um acidente de carro. Tal homem é Coldyron (Richard Guesswein, cuja carreira foi mais voltada à instrução de artes marciais), o nosso protagonista que, levado à uma delegacia para prestar depoimento, dá início a um flashback com o objetivo de elucidar toda a trama do filme –no entanto, a trama que ele relata termina não encontrando qualquer conexão com o tal acidente no qual o encontramos primeiramente (!).

Coldyron é, por trás do físico marombado, dos modos trogloditas e da conversa monossilábica e acéfala, por incrível que possa parecer, uma espécie de inventor (!), e sua invenção mais aguardada é, como veremos numa reunião sucedida com executivos na empresa onde trabalha, um ser mecânico destinado a substituir a força policial. Seu nome é R.O.T.O.R. (sigla para Robotic Officer Tactical Operations Research), e embora seja basicamente um esqueleto robótico avançado (ainda que os efeitos especiais jurássicos e datados o façam parecer mais uma animação em stop-motion), ele será revestido de um composto que simulará a pele e a aparência humana.

R.O.T.O.R., porém, como afirma Coldyron não está pronto; levará, pelo menos, uns quatro anos até que um protótipo satisfatório seja projetado. Como seus contratantes não ficam nada felizes com a data demasiada longa, o projeto é acelerado, ignorando a possibilidade de haverem efeitos colaterais e, diante dessa demonstração de ignorância, Coldyron se demite.

Na sequência, o filme traz diversas cenas banais e estendidas além do necessário para que “R.O.T.O.R.” tenha mais duração do que seu simplório enredo permite: Coldyron e sua esposa, personagem completamente sem utilidade no roteiro (!), saem para jantar (numa cena que parece não terminar nunca!); e os funcionários da empresa/laboratório aparecem, conversando sobre banalidades.

É quando R.O.T.O.R., totalmente finalizado e já revestido de seu disfarce humano (a lembrar os cantores do “Village People” com bigode e tudo!) emerge de dentro de um tanque –mas, espere! Ele não levaria quatro anos para ficar pronto?!

De qualquer forma, R.O.T.O.R. encontra um armário e veste-se com um uniforme policial e, mais a frente, enquanto perambula pelo complexo sem ser notado (atropelando umas cadeiras de plástico!), encontra uma moto, feito sob medida para ele, possui até mesmo um emblema escrito R.O.T.O.R.!

A máquina assassina roda pela cidade (na verdade, nem mata tanta gente assim, ele fica mais perseguindo uma única moça como veremos mais a frente...), e acaba detectando o excesso de velocidade de uma mocinha ao volante (!). Na qualidade de vítima principal de R.O.T.O.R. (provavelmente o orçamento não permitia muitas participações...), ela irá fugir dele pelos próximos minutos de filme, incluindo a cena da chegada dela dentro de uma lanchonete na qual R.O.T.O.R. irá enfileirar e imobilizar uma sucessão de adversários com sua força biônica –e não há golpes de karatê, nem pose de marombado que o segure!

Eventualmente, os caminhos de R.O.T.O.R., de sua vítima aleatória (nem sequer lembro o nome da atriz...) e de Coldyron irão se cruzar, levando ao clímax no qual os protagonistas enfrentarão o maquinário revoltado com os seres humanos usando uma corda explosiva (!?) e amarrando seus membros (sabe Deus como) para... enfim, é só vendo para crer no non-sense absurdo que é essa cena.

Na época já longínqua e jurássica do homevideo em VHS, eu já havia ouvido falar de “R.O.T.O.R.”, em afirmações que davam conta de que era um filme para muito além da concepção de um mero ‘filme ruim’. Precisei conferir por conta própria: “R.O.T.O.R.” é tão incrivelmente desleixado, tão assombrosamente sem sentido, tão esdrúxulo e estapafúrdio em seu viés técnico e em suas predisposições narrativas que chega a servir de aula sobre como NÃO fazer um filme.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Grito de Horror


 Lançado em 1981, este The Howling” rivaliza diretamente com “Um Lobisomem Americano Em Londres” (lançado no mesmo ano) como o provável melhor filme de lobisomens do cinema –ou, pelo menos, da década de 1980...

E “The Howling” tem, sim, predicados para receber esse comentário: Dirigido com astúcia por Joe Dante (que aqui evita um pouco mais, mas nem tanto, a sua mescla habitual de terror com comédia, vide “Gremlins”), é uma trama que une elementos inesperados com habilidoso jogo de cintura e ainda ostenta aparato técnico o bastante para trazer transformações de lobisomens quase tão memoráveis quanto aquelas presentes no filme de John Landis.

Karen White (Dee Wallace Stone, de “E.T.”) é uma daquelas protagonistas avoadas, incapazes de enxergar uma tremenda encrenca se aproximando dela ao longe, como tantas protagonistas dos filmes de terror –contudo, não apenas o roteiro cria inteligentes artifícios para incluí-la nas tais encrenca, como a atuação de Dee Wallace consegue ressaltar a simpatia presente nessa ingenuidade. Apresentadora de um programa de TV, Karen topa participar de uma operação onde servirá de isca para um serial-killer, onde será rastreada pela polícia e por sua equipe técnica, armada com todo o aparato de escutas e micro-fones que, na hora H, não haverão de funcionar (!). O psicopata acaba fulminado pelos policiais, pouco antes de quase dar cabo da pobre Karen. O episódio acirra seus ânimos e ela não consegue mais fazer o programa, nem corresponder adequadamente ao marido, Bill (Christopher Stone, na época, casado com Dee Wallace na vida real). Assim, o terapeuta Dr. George Waggner (Patrick MacNee, de “007 na Mira dos Assassinos”) tem a ideia de enviá-la, junto de Bill, à um retiro idealizado pelo próprio Dr. Waggner onde um grupo numeroso –a formar quase uma comunidade –isola-se no campo, cultivando uma filosofia rural que, segundo o bom doutor, haverá de curar cada uma de suas mazelas.

Contudo, as noites –e os uivos muitos suspeitos que elas trazem –esconde a real verdade por trás das pessoas inicialmente tão acolhedoras (ainda que esquisitas) daquele lugar: São todos lobisomens que aguardam visitantes para 1) enredá-los e incluí-los em seu grupo, convertendo-os em lobisomens também –como é o caso de Bill, pouco a pouco seduzido pela melindrosa e exotérica Marsha (Elisabeth Brooks), numa espécie de ritual de acasalamento de lobisomens (?!) ou 2) trucidá-los, fazendo deles suas vítimas –como parece ser o caso da desafortunada Karen!

Realmente notável no aparato técnico que materializa, em efeitos práticos, lobisomens críveis, palpitantes e amedrontadores no filme muito antes de surgirem os efeitos computadorizados que predominam hoje, este ótimo trabalho de Joe Dante (estranhamente menos lembrado do que obras até mesmo inferiores que ele entregou nos anos 1980) só não se destacou tanto quanto a produção de John Landis no imaginário dos amantes de cinema de terror porque o diretor Dante –ao contrário de Landis que opta por um enredo clássico em seu filme –se atreve a conceber uma narrativa que se desdobra imprevisível em diversos outros gêneros e subgêneros que vão se sucedendo ao avançar da trama: Começa como um suspense investigativo (a isca para um serial-killer), prodrige para o que parece ser um drama sobre traumas emocionais, logo mudando para um filme sobre seitas obscuras e sociedades alternativas, para então escancarar, aos poucos, o terror dos lobisomens; e então descambar tudo para uma sucessão de tiroteios quase à moda do western em seu clímax.

A prova do talento digno de aplausos de Joe Dante é que, em nenhum momento, ele faz essa difícil junção soar inadequada, inverossímil ou desconfortável.

sábado, 15 de fevereiro de 2025

Um Tira No Jardim de Infância


 No documentário da Netflix, “Arnold”, sobre sua vida e carreira, Arnold Schwarzenegger conta que depois do surpreendente desempenho de público e crítica de “Irmãos Gêmeos”, ele e o diretor Ivan Reitman estavam ávidos por retomar a parceria e explorar novas possibilidades da então recém-descoberta veia cômica do astro. E um roteiro apropriado para isso até que não tardou a aparecer: Entre “Irmãos Gêmeos” e este “Um Tira No Jardim de Infância” (escrito por Murray Salem, Herschel Weingrod e Timothy Harris) passaram-se módicos dois anos.

Grandalhão, truculento e absolutamente adequado a sua profissão de policial em Nova York, John Kimble (Schwarzenegger) persegue a anos o traficante de drogas Cullen Crip (Richard Tyson, de “Te Pego Lá Fora” e “Falcão Negro em Perigo”). A oportunidade finalmente surge quando Crip é visto assassinando um informante que teria lhe passado a localização de seu filho e sua ex-esposa. Com Crisp atrás das grades aguardando julgamento, Kimble e a policial O’Hara (a divertida Pamela Reed, de “Os Eleitos-Onde O FuturoComeça” e “Melvin & Howard”) precisam rastrear a ex-esposa dele para que possa testemunhar no tribunal e condená-lo de uma vez por todas.

A mulher –que, ao que tudo indica, mudou de identidade para fugir do bandido, talvez, até com algum dinheiro dele –está em algum lugar da cidade de Astoria, estado de Oregon, junto com seu filho pequeno. A fim de descobrir quem são, o plano é Kimble acompanhar O’Hara que irá se disfarçar de professora (sua antiga ocupação) e encontrar o filho de Crisp entre as crianças pequenas da Astoria Elementary School. No entanto, durante a viagem, O’Hara fica doente e indisposta, obrigando Kimble, ao chegarem, a tomar o seu lugar. O grandalhão agora terá de se passar como professor de jardim de infância –e essa ideia simples responde por todo o apelo em cima do qual o filme foi construído.

Entretanto, como toca a muitas obras dos anos 1980 (ainda que este filme seja de 1990), a construção resulta impecável: Munido de seu inabalável carisma, Schwarzenegger realmente diverte estabelecendo um contraponto contrastante e hilariante com a fauna de baixinhos com a qual tem de lidar –entre essas crianças, presenças ainda bem pequenas do filho do diretor, Jason Reitman (que também viria a tornar-se diretor, em filmes como “Juno”) e da bela Odette Yustman (de “Cloverfield-Monstro” e “Alma Perdida”). E o diretor Reitman, se não chega a ostentar nenhuma genialidade, compreende perfeitamente isso: Ao explorar a dinâmica que surge entre o gigantesco protagonista e seus pequenos coadjuvantes (inicialmente conturbada, mas depois pouco a pouco harmoniosa e, ao fim, carregada de empatia), assim como a circunstância da farsa em si (a qual garante interesse do início ao fim para o expectador que fica intrigado como tudo se resolverá), ele constrói um filme delicioso de se acompanhar.

Embora estranhamente arrematado, no início e no desfecho, por dois tiroteios que impõem uma atmosfera de tensão e sanguinolência inadequada para o entretenimento familiar que em geral ele parece conceber, o filme de Reitman é bastante simpático, engraçado e leve, entregando até mesmo momentos em que Arnold protagoniza situações românticas, junto da bela e sempre competente Penelope Ann Miller; aliás, todo o elenco feminino –complementado com as participações de Linda Hunt (ganhadora do Oscar 1984 de Melhor Atriz Coadjuvante por “O Ano Que Vivemos Em Perigo”) como a diretora da escola e de Carroll Baker como a mãe igualmente maligna e criminosa do vilão –é brilhante, exigindo uma presença um pouco mais sofisticada da parte do pouco desafiado Arnold Schwarzenegger, normalmente tão a vontade em obras de ação, mas aqui, provando com certa inteligência que tem alguma versatilidade para experimentar alguns gêneros mais distintos.

sábado, 18 de janeiro de 2025

O Homem Elefante


 Quando em 1981 o produtor Mel Brooks escolheu David Lynch para dirigir sua acalentada produção “The Elephant Man”, sobre a história real de John Merrick, portador de uma rara deformidade que o tornou vítima de toda sorte de preconceito e compaixão durante a Inglaterra vitoriana, ele tinha, quando muito, o experimental “Eraserhead” como referência desse jovem diretor –Brooks não tinha como saber o quando a personalidade singular e o talento inigualável para moldar inquietações da mente humana fariam de Lynch um nome quintessencial para esse estilo surrealista muito específico que ele discorreu em obras marcantes no cinema e na TV –e que, por vezes, ele seria um dos poucos capazes de dominar com brilhantismo tal linguagem.

É natural, portanto, que “O Homem Elefante” mantenha certa distância das obras bem mais pessoais que David Lynch veio a entregar depois –tal e qual o próprio “Duna”, que Lynch dirigiu na sequência, três anos depois, “O Homem Elefante” é uma obra de encomenda para um estúdio (essa característica se reflete no fato de ser um filme de época e, por consequência, ostentar uma caprichadíssima reconstituição) e, com isso, espelha não só as ideias de seu diretor, mas também as de seu produtor e, não duvido, de todo um comitê executivo por trás do projeto. Ainda assim, David Lynch foi capaz de trazer um braço artístico para aquele corpo comercial, como também preservou nele elementos simbólicos de seu cinema, como o apreço por filmes obscuros de terror (a fotografia em preto & branco, que remete às produções antigas do gênero e ao expressionismo alemão, é de um atrevimento estético notável para aqueles coloridos anos 1980 de então).

A trama acompanha o cirurgião Dr. Frederick Treves (Anthony Hopkins, pouco mais de uma década antes da consagração como Hannibal Lecter) que, numa visita a uma exibição circense, descobre a existência de John Merrick (John Hurt, absolutamente surpreendente numa atuação que conjuga expressões faciais, gestos e uma pesada maquiagem), um homem apresentado ao público pagante como uma aberração exótica. Compadecido com Merrick e curioso para com sua condição –ele acredita que sua deformidade tem origem numa misteriosa doença, e intenciona estudá-lo –o Dr. Treves o recolhe em sua mansão, onde visa proporcionar a Merrick a chance de aprender, a almejar dignidade e obter a improvável aceitação da puritana sociedade inglesa da época.

Entretanto, apesar dos avanços notáveis de Merrick, e da diversificada celeuma que ele desperta em acadêmicos e aristocratas, o passado ameaça retornar, na forma de um aventureiro (Freddie Jones, de “Krull” e “E La Nave Vá”) que não desiste da ideia de persegui-lo e lucrar com sua exibição nos corriqueiros shows de horrores dos subúrbios londrinos.

Avassalador sucesso de crítica na época de seu lançamento, “O Homem Elefante” foi indicado à oito Oscars na cerimônia de 1981, infelizmente não levando nenhum... a categoria de Melhor Maquiagem (a qual certamente teria arrebatado o prêmio!) só foi criada no ano seguinte, muito em função dos protestos acarretados pela produção este filme.

Como “História Real” e o já mencionado “Duna”, “O Homem Elefante” destoa ligeiramente do restante da filmografia desse incomparável David Lynch –no que ele se iguala aos seus pares, porém, também assinados por seu brilhante realizador, é no primor artístico que exala de cada um de seus fotogramas, na compreensão dramática e narrativa, espantosa, até pelo fato de sabermos ser este apenas seu segundo longa-metragem, e na forma com que, habilmente, Lynch manipula percepções e emoções construindo aqui um tratado moral sobre nossos próprios preconceitos, sobre a empatia e sobre as equivocadas definições sensoriais (partilhadas até por nós mesmos, enquanto público) numa cultura onde o belo é bom e o feio é mau.

David Lynch, que no dia 15 de janeiro de 2025 nos deixou, marcou a história do cinema como um de seus mais inestimáveis realizadores, autor de obras diversas, primorosas, inesperadas, versáteis, plenas no entendimento de uma pluralidade humana e das extensões infindas de toda nossa complexidade. Descanse em paz, mestre dos sonhos obscuros, sabendo que sua arte está imortalizada nos filmes preciosos e antológicos que seu talento reservou ao mundo.

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Incubus 1966 e 1981


 Existem  dois filmes com o nome “Incubus” –até aí nada de mais, uma vez que inúmeros filmes partilham o mesmo título, seja nacional ou em língua estrangeira; acontece que, sendo um desses filmes a famigerada produção que passou a ser conhecida como ‘o filme mais amaldiçoado da história do cinema (!)’, isso me confundia muito: Eu havia assistido, ainda jovem em alguma reprise na TV, ao “Incubus” de 1981, quando na verdade, os críticos se referiam ao “Incubus” lançado em 1966. São dois filmes diferentes, como mais tarde, eu descobri. O problema é que o “Incubus” de 81 é um filme um bocado raro (a ponto de, numa determinada época, ser difícil até mesmo provar para algumas pessoas a sua existência!), enquanto que o de 66 é bastante famoso –ou seria melhor dizer, infame? De qualquer modo, vamos dar uma olhada nessas duas produções que partilham o mesmo título e, claro, o mesmo gênero, o terror.

As tragédias e, assim chamadas, maldições a cercar o filme de 1966 realmente impressionam por serem numerosas e contundentes, até mais do que em filmes clássicos, famosos por contratempos e acidentes mirabolantes em suas produções como "O Exorcista" e "Poltergeist-O Fenômeno". A lista que segue dá conta de alguns desses trágicos acontecimentos relacionados ao filme “Incubus”:

– A atriz Ann Atmar, intérprete da irmã do protagonista, vivido por Willian Shatner, cometeu suicídio 12 dias antes do filme estrear;

– A atriz Eloise Hardt (de “Something’s Got To Give”, o filme inacabado estrelado por Marilyn Monroe), que interpretou a líder demoníaca Amael, teve a filha sequestrada e morta por um psicopata;

–Misteriosos incêndios destruíram os cenários do filme tão logo as filmagens foram terminadas;

– O ator Milos Milos, intérprete do próprio Incubus da história, matou sua namorada Barbara Ann Thompson Rooney, ex-mulher do ator Mickey Rooney, e em seguida cometeu suicídio com um tiro na têmpora, seis meses depois, no mesmo fatídico ano de 66;

–Ao longo dos anos, o filme original acabou sendo destruído por um incêndio e suas cópias foram perdidas: por isso por muito tempo o público não teve mais a oportunidade de assistir “Incubus”. No entanto, em 1996 foi encontrada uma cópia na Cinémathèque Française de Paris. Essa cópia foi legendada em francês e distribuída em DVD no ano de 2001.

– A terceira esposa de William Shatner, Nerine Kidd Shatner, se afogou em uma piscina na mesma semana em que o filme foi lançado em DVD.

Muitos críticos atentaram para o elemento curioso que é a observação arguta, contundente e cruel na dicotomia entre homens e mulheres embutida no enredo, o que aproxima o estilo do filme da visão sombria e expressionista de Ingmar Bergman sobre os relacionamentos. O roteiro, escrito pelo diretor Leslie Stevens (criador das séries de TV “A Quinta Dimensão” e “Stoney Burke”), se debruça sobre essas questões: Num vilarejo conhecido como Nomen Tuum, uma lenda afirma que a água contida dentro dos poços é mágica, capaz de curar doenças e ferimentos, e proporcionar a almejada juventude.

Por conta disso, Nomen Tuum é muito visitada por homens maus e ganaciosos, os quais, por sua vez, atraem criaturas demoníacas em forma feminina (chamadas Súcubos, ou no original Succubus) sedentas por atrair esses indivíduos corrompidos e despachar suas almas diretamente para o inferno.

Uma dessas criaturas é Kia (Allyson Ames, de “O Colecionador”) que, farta das almas inescrupulosas de sempre, deseja desafiar-se ao enviar para o inferno a alma de um bom homem. Kia encontra o alvo ideal em Marc (William Shatner), um soldado valoroso e honesto em regresso da guerra que aparece em Nomen Tuum para hospedar-se com a irmã Arndis (Ann Atmar que, na curta carreira de atriz, fez o filme “O Vento Frio de Agosto”) e valer-se das águas milagrosas para curar suas feridas de batalha. Entretanto, ao se aproximar de Marc, Kia se apaixona, o que a conduz à sua perdição. Num pacto com sua irmã e líder, Amael, Kia invoca em Nomen Tuum a presença de um Íncubo (ou, no original, Incubus), um demônio em forma de homem vivido por Milos Milos (de “Os Russos Estão Chegando! Os Russos Estão Chegando!”), que promove uma sucessão de tragédias macabras no lugar. A sequência final, mostrando um confronto entre Kia e o Incubus transformado em um bode preto às portas de uma igreja é antológica.

O diretor Stevens decidiu rodar “Incubus” falado em esperanto (língua artificial desenvolvida para ser uma língua franca, um idioma com o qual todos conseguissem se comunicar sistematicamente, hoje o esperanto é até usado em alguns subúrbios norte-americanos), com o objetivo de fornecer ao filme uma atmosfera particular, surreal e assustadora. Conseguiu: “Incubus” exala uma sensação onírica de pesadelo que faz dele um dos filmes mais estranhos que você poderá assistir.


 Este outro “Incubus” data de 1981 (possivelmente a data de produção enquanto o lançamento foi provavelmente em 1982), tendo com o tempo tido o mesmo destino que todos os demais filmes de terror obscuros dos anos 1980: Virar uma reprise constante em madrugadas da TV –onde, aliás, eu terminei assistindo-o. Por eu ser ainda um adolescente na época, seu clima tétrico me apavorou bastante, no entanto, hoje acredito que suas restrições técnicas e seu orçamento limitado típico de filme B seriam bem mais gritantes aos meus olhos.

Dirigido por John Hough (esteta de terror britânico que realizou, entre outros, “As Filhas de Drácula”, com a gêmeas Collinson), este outro “Incubus” é adaptado do livro escrito por Ray Russel em 1976 (e, ao que tudo indica, completamente ignorante da existência do filme de Leslie Stevens), e roteirizado por Sandor Stern (diretor do cult “Pin-Uma Jornada Através da Loucura”), no entanto, o script sofreu tantas alterações movidas por seu protagonista, o ator (e diretor conceituado) John Cassavettes, que o pseudônimo Jorge Franklin foi quem recebeu o crédito de roteirista.

Nos arredores da cidade de Wisconsin, a população é abalada por um trágico e inexplicado ataque à um casal de namorados nas margens de um lago perto da zona rural: Enquanto o rapaz foi brutalmente assassinado, a garota foi violentamente estuprada. Ao mesmo tempo em que seguem as investigações –capitaneadas pelo médico-legista Sam Cordell (Cassavettes) e pelo xerife local Hank Walden (John Ireland, de “Rio Vermelho”) –acompanhamos a aflição do jovem Tim Galen (Duncan McIntosh) que, a medida que os crimes se sucedem, começa a relacionar seus sonhos, vívidos e horripilantes, com esses acontecimentos. Tim começa a suspeitar que esses crimes, sem sombra de dúvidas, perpetrados por algo de origem sobrenatural, podem estar sendo provocados por seus sonhos.

Para tornar ainda mais pessoal a busca do Dr. Cordell por respostas, Tim começa a namorar sua filha, Jenny (Erin Noble, de “Caindo Na Própria Armadilha” e “Sindicato da Violência”). Completando o núcleo de protagonistas –rodeado por um sem-fim de coadjuvantes palermas, em especial, as sucessivas vítimas da criatura em ataques planejados para inspirarem pavor, mas que soam estranhamente sádicos e fetichistas –está a repórter Laura Kincaid (Kerrie Kane, do drama erótico “Spasms”) que curiosamente lembra, e muito, a falecida esposa do Dr. Cordell.

Concebido na esteira obscuramente comercial do filmes de terror daqueles anos 1980 de então –a influência-mor de “O Exorcista” e toda a sorte de produções com tema satanista, e as produções de slasher daquela década (com o diferencial de que as mortes, aqui, veem acrescidas do elemento um tanto quanto sórdido do estupro) –e ainda buscando, no caráter despojado de sua produção, uma ousadia (para não dizer sensacionalismo) herdada dos filmes de exploitation da década anterior, este “Incubus” reserva algumas surpresas um bocado sinistras no seu desfecho, incluindo ali um final-surpresa muito mais desconcertante pelo seu grau de crueldade e pessimismo do que por seu viés inesperado.

Na sua trama abarrotada de elementos pouco compatíveis –como detalhes da investigação criminal, o mistério em torno do demônio sobrenatural e um inusitado background envolvendo caçadores de bruxas –e nas atuações predominantemente apáticas (mesmo o veterano Cassavettes se mostra pouco inspirado), podemos encontrar muitos dos motivos que levaram este “Incubus” ao esquecimento: Apesar de uma ideia relativamente promissora no seu horror palpitante (podemos apenas imaginar o que mestres como Mario Bava ou Lucio Fulchi teriam feito com o material), é um filme arrastado, editado com desleixo e dirigido com certa burocracia, não obstante um ou outro momento de iluminação do diretor Hough –entre eles, certamente, seu marcante final.

P/S: Em pesquisas internet afora, é possível encontrar pelo menos outros três filmes, também com o nome “Incubus” (!), todos de procedência do cinema poeira com orçamento de fundo de quintal (!!), e pelo menos um –este intitulado “Inkubus” com ‘K’ –estrelado pelo célebre Robert Englund, o cultuado ator de “A Hora do Pesadelo”.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

A Fuga


 Em seu livro “Especulações Cinematográficas”, Quentin Tarantino dedica um capítulo inteiro a falar de “Os Implacáveis”, dirigido por Sam Peckinpah, estrelado por Steve McQueen e Ali MacGraw, adaptado de um livro de Jim Thompson, roteirizado por Walter Hill e lançado em 1972. O mesmo filme –talvez, o último grande filme da carreira do astro McQueen –foi refilmado, nos anos 1990, neste “A Fuga” –cujo o título original é o mesmo, “The Getaway”. E talvez seja mesmo imprescindível tecer esse comentário: “A Fuga” é daquelas produções que se mostra muito mais baseada no filme anterior que adaptou a obra do que na própria obra adaptada.

Não à toa, o roteirista aqui é novamente Walter Hill (em colaboração com Amy Jones) que, na segunda metade da década de 1970 e ao longo de toda década de 1980, sagrou-se como um diretor especializado na ênfase da masculinidade e da violência, ambos elementos em constante conjugação; mais ou menos como um pupilo de Sam Peckinpah. Já o diretor deste novo “The Getaway” vem a ser Roger Donaldson (de "Sem Saída") cujo estilo característico, tão charmoso quanto presunçoso, adorna com elementos típicos dos anos 1990, a trama de tormento romântico e perseguição que se desenrola, com algumas referências, sobretudo, na primeira parte, ao requintado cinema policial de Michael Mann, especialmente o clássico “Profissão: Ladrão”.

Carter ‘Doc’ McCoy (Alec Baldwin) e Carol (Kim Basinger) são casados e apaixonados; mais que isso, são frequentemente cúmplices nas investidas criminais que executam. Uma delas (o resgate das mãos de policiais do sobrinho de um chefão fora-da-lei) dá errado: Com isso, graças à traição do muy amigo Rudy Travis (Michael Madsen), Doc amarga pouco mais de um ano atrás das grades de uma penitenciária no México. Para salvá-lo, a esposa, Carol, negocia com o empresário inescrupuloso Jack Benyon (James Woods, todo serelepe numa ponta especial) a libertação de Doc e, com isso, sua participação num grande roubo. As coisas começam a se complicar quando Doc e Carol devem aceitar como companheiros nesse roubo –basicamente, uma invasão explosiva e perigosa numa casa de apostas de corrida de cachorros –o instável Frank Hansen (Philip Seymour Hoffman, ainda bem jovem) e, mais uma vez, o traiçoeiro Rudy.

O assalto se sucede sem maiores atropelos, entretanto, tão logo os três saem com a generosa quantia de dinheiro roubado em mãos, as traições de costume começam a se suceder: Rudy fulmina Hansen à tiros e, ao tentar fazer o mesmo com Doc no ponto de encontro, é alvejado e largado ao léu no leito de um rio. Já, Benyon imaginava outra coisa: Tendo negociado com Carol a liberdade de Doc em troca de favores sexuais (e revelado isso à Doc em cima da hora), Benyon esperava que Carol traísse seu parceiro e se juntasse a ele, mas, Carol descarrega sua arma no próprio Benyon e agora, o casal fica com mais um cadáver nas mãos.

Doc e Carol têm assim, uma mala de dinheiro consigo, porém, as autoridades, os homens de Benyon (chefiados por um sibilante David Morse) e o próprio Rudy (que sobreviveu aos tiros!) para caçá-los até chegarem à fronteira do México, onde os documentos falsos de praxe possibilitarão que desapareçam do mapa. A situação, no entanto, se revela ainda mais complicada com o fato de que, agora, com as novas revelações acerca de toda a real dimensão do trato feito com Benyon, Doc e Carol não mais confiam um no outro como antes.

Ao conferir as considerações de Tarantino acerca de “Os Implacáveis”, podemos entender algumas das escolhas tomadas aqui neste filme. Em primeiro lugar, as escolhas para os antagonistas: Se no filme de 72, Benyon era vivido por um ligeiramente inadequado Ben Jonhson (velho demais e sexualmente apático demais para o papel), nesta versão, Benyon tem a maldade libidinosa de James Woods (sem dúvidas, um acerto), enquanto que em 72, tínhamos o contido e truculento Al Lettieri para o papel de Rudy, aqui temos, o nada contido e ainda mais truculento Michael Madsen, dando toda a dimensão psicopata e imprevisível que ficou faltando em Rudy no filme anterior, durante sua sórdida sub-trama na qual empreende uma perseguição ao casal Doc/Carol levando como reféns, o desafortunado veterinário Harold (James Stephens) e sua espevitada esposa Fran (Jennifer Tilly), cuja Síndrome de Estocolmo logo a leva a tornar-se amante de Rudy (!?).

Já os protagonistas de “The Getaway” são um caso curioso –e sobre muitos aspectos até de apelo junto ao público, a grande razão de ser do projeto: Casados na vida real, Kim Basinger (assombrosamente linda, e no auge de seu status de sex-simbol máximo no cinema de então) e Alec Baldwin estrelam a obra em circunstâncias até bem parecidas com as quais o público se acostumou a ver Ali MacGraw e Steve McQueen no “The Getaway” dos anos 1970 –foi durante essas filmagens, que McQueen (divorciado à pouco tempo) engatou um romance com MacGraw (então casada com o produtor Robert Evans).

Dito isso, não são as cenas de ação (executadas com minúcia e precisão técnica o suficiente para não fazer feio ante a comparação com Peckinpah) nem a trama frenética e palpitante em torno da perseguição (bem equacionada entre as manobras de roteiro e a criteriosa montagem) que representam o maior atrativo desta produção na época em que foi lançada (meados de 1994) e agora: São as tórridas cenas de sexo entre o casal Alec Baldwin/Kim Basinger (cuja primeira colaboração juntos foi a comédia “Uma Loira Em Minha Vida”). Na verdade, essas cenas por pouco não tiraram completamente a atenção sobre todo o restante do filme –não apenas pelo irresistível apelo (em plenos anos 90, época do sexploitation chic, as produções erotizadas como “Instinto Selvagem”) da nudez em cena de uma estrela como Kim Basinger, como também pela ousadia até hoje flagrante de tais sequências –ainda é possível observar nessas cenas indícios, que repercutiram desde o começo, nos quais o casal principal pode ter chegado às vias de fato durante as filmagens (!).

Portanto, “A Fuga”, embora tenha predicados técnicos e artísticos de cinema (tímidos, no fim das contas), deixa esses tais aspectos de lado, que fizeram de “Os Implacáveis” o filme sensacional de ação que ele é, para abraçar considerações mercadológicas (e, hoje, estranhas) bem particulares de sua época.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Possessão


 Numa análise à luz das circunstâncias vividas na época da realização deste filme (1981) por seu diretor, o polonês Andrzej Zulawski, podemos compreender sua desorientação com a interrupção abrupta de seu épico de ficção científica, “Globo de Prata”, em meados de 1977, pelas autoridades polonesas, e sua subsequente fuga da Polônia para a França, de posse de algum material do filme que conseguiu salvar (uns 60% de filme que, mais tarde, em 1988, terminou sendo lançado). Na esteira dessa desilusão profunda veio um pedido de divórcio da parte de sua esposa que desestabilizou o já emocionalmente desestabilizado Zulawski –e muito disso, dessa experiência paulatinamente traumática, podemos apreender, está traduzida em simbolismos inesgotáveis no desconcertante “Possessão”.

Vivido por Sam Neill, o protagonista é Mark (talvez, não por acaso, o nome de um dos protagonistas também de “Globo de Prata”) que, no início deste filme, se encontra ao fim de um longo período dedicado ao seu enigmático ofício –tudo indica que Mark é um espião, um agente secreto, morador de uma região no rebordo da Alemanha Ocidental do Muro de Berlim. Como o próprio Zulawski, Mark vive no olho do furacão de uma crise de tensões e desconfianças de natureza política. Seus superiores lhe indagam, antes de despachá-lo para uma vida doméstica supostamente mais pacata, se ele encontrou o “homem de meias cor-de-rosas” (Maximiliam Rüthlein, de “Gotcha!-Uma Arma do Barulho”) (?) –e o significado de tal metáfora, como inúmeras outras que surgirão fica, em grande medida, por conta do expectador.

Em família, Mark, no entanto, não encontra qualquer alento ou descanso –lá está a lhe esperar Anna (Isabelle Adjani, fabulosa em sua esquizofrenia), esposa de Mark e mãe de seu filho Bob (o pequeno Michael Hogben), capturado no fogo cruzado da tremenda crise conjugal do pai e da mãe. Anna se ressente de seu casamento com Mark, de seu abandono devido à profissão, e agora com sua volta, de sua presença ali. Anna deixa Mark e Bob, levando seu marido a experimentar um surto de abstinência que mais parece a desintoxicação de alguma droga. Mark sofre delirium tremes, não consegue viver nem funcionar em sociedade. A única coisa capaz de fazê-lo focar não num objetivo –longe de ser a obrigação para com o filho pequeno –é tentar descobrir o porque de Anna tê-lo abandonado.

No fundo ele já sabe (e o público, também): Anna tem um amante. A surpresa é descobrir que Anna também abandonou o amante, o pomposo e afetado Heinrich, vivido com adequada pomba e afetação por Heinz Bennent (de “O Tambor” e “Desejos Secretos”). Colocando um detetive particular (Carl Duering, de “Laranja Mecânica”) no encalço de Anna, Mark descobre que ela se refugiou de tudo e de todos num apartamento no centro de Berlim.

E é lá, nesse apartamento depauperado caindo aos pedaços, que Zulawski reserva para o público a revelação realmente desestabilizadora de “Possessão”: Anna tem agora, como amante, não algo humano, mas um monstro tentacular (!) –projetado pela mente lovecraftiana do designer de produção Carlo Rambaldi, que também concebeu o extraterrestre de “E.T.” –com o qual passa os dias fazem sexo (!). A criatura precisa se nutrir de sangue, por isso, Anna mata pessoas para alimentá-lo –a primeira vítima que, pelo menos, vemos, é o detetive particular.

Nada, em “Possessão”, no entanto, é tão simples –ao mesmo tempo em que tenta entender os propósitos inusitados da esposa, e acaba envolvido num turbilhão pouco compreensível de idas e vindas com criminosos, policiais e políticos, Mark vê uma jovem mulher, Helen, aparecer providencialmente para colocar as coisas de seu lar em alguma ordem, arrumar a casa e cuidar de seu filho –e Helen é, também ela, interpretada por Isabelle Adjani. É o cinema dos duplos, esse tema tão caro à Zulawski, se expressando por meio das considerações mais facilmente inteligíveis em “Possessão”.

Se toda a narrativa mirabolante e sufocante de “Possessão”, é uma tradução pessoal muito poética e peculiarmente visual de uma crise conjugal –passando por todos os exasperos físicos de um relacionamento, pelos altos e baixos impronunciáveis da relação à dois –então, os duplos (seja a angelical personagem de Adjani em contraponto à sua raivosa e inconformada protagonista; seja o monstro, cuja sanha por sexo e sangue humano leva à uma metamorfose na qual se torna, ele próprio, uma duplicata melhorada do Mark de Sam Neill) sugerem um meio ameno para esse relação seguir em frente, com suas duas metades renovadas em personas que procuraram deixar, na medida do possível, toda a bagagem tóxica para trás.

Tais subterfúgios adultos, porém, não enganam o pequeno e inocente Bob que, ao ouvir o novo ‘pai’ chegar à porta para encontrar a nova ‘mãe’ –numa cena banal e doméstica, mas construída por Zulawski para ser profundamente aterradora –apenas se joga dentro de sua banheira e clama: “Não abra!”

domingo, 27 de outubro de 2024

Transformers - O Filme


 Mais que uma mera adição em forma de longa-metragem à bem-sucedida série de animação (algo relativamente comum para a época), "Transformers: O Filme", lançado em 1986, foi uma obra que marcou o fim de uma era e o início de outra, dentro da franquia, representando a um só tempo uma transição narrativa e uma espécie de reformulação comercial, não sendo um simples complemento à série de animação, mas um esforço em modificar a mitologia dos Transformers, elevando-a em termos épicos e dramáticos.

Sem sombra de dúvidas influenciada por interesses comerciais da Hasbro, a fabricante dos brinquedos Transformers, a ideia por trás do longa-metragem animado era sacrificar personagens antigos e, no processo, introduzir novos protagonistas, o que abriria espaço para o lançamento uma nova linha de brinquedos. Uma decisão que não deixou de gerar controvérsias, afinal muitos personagens queridos pelos fãs foram descartados, alguns de forma bastante brusca. Contudo, nada foi mais impactante e traumático para os fãs do que a morte de Optimus Prime (evento referenciado de maneira porca por Michael Bay em “Transformers-A Vingança dos Derrotados”). Para muitos fãs que conferiram o longa animado na época, a morte de Optimus Prime foi devastadora e, por mais que esse gesto dos realizadores sinalizasse com representações notáveis de sacrifício, legado e renovação, a reprovação do público foi intensa, a ponto da Hasbro ser inundada por cartas de fãs indignados, o que acabou resultando numa eventual ressurreição de Optimus Prime nas temporadas subsequentes da série de TV.

Ambientada no futuro de 2005 (lembre-se, o filme é de 1986!), a trama já se destacava por ser mais lúgubre e violenta do que a série de animação que lhe havia originado ao colocar os honrados Autobots diante de uma situação desesperadora: O auge da interminável guerra contra os perversos Decepticons, culminando –ainda nos trinta minutos iniciais –na fatídica invasão dos Decepticons à maior base Autobot da Terra. É já nesse prólogo, que “Transformers-O Filme” vai deixando claro para sua atônita plateia à que veio: Muitos personagens não são poupados (como Ironhide, Ratchet e Starscream) e a icônica batalha final entre Optimus Prime e seu nêmesis Megatron deixa ambos completamente em frangalhos. Na sequência, Optimus sacrifica-se (deixando a ‘fita-matriz’, um dispositivo que fazia dele o líder natural dos Autobots, para os sobreviventes) enquanto Megatron é arremessado, moribundo, no espaço sideral pelos insatisfeitos Decepticons remanescentes. Vários núcleos de personagens se desdobram a partir daí, com todos tentando, de uma maneira ou de outra, voltar ao seu planeta Cybertron. No entanto, o pior ainda está por vir: O embate contra o poderoso Unicron (dublado por Orson Welles, em sua última atuação no cinema), um planeta tecno-orgânico capaz de destruir mundos inteiros –mote utilizado por Michael Bay, por sua vez, no equivocado “Transformers-O Último Cavaleiro”.

Revelando-se, a partir de um determinado ponto em diante, o grande vilão deste longa-metragem, Unicron usa de seus vastos recursos tecnológicos para transformar o quase desfalecido Megatron em Galvatron, conferindo-lhe um novo corpo e um novo exército, selando com ele um pacto para subjugar toda Cybertron.

Esse conceito de ‘passagem de bastão’ através da morte de muitos personagens, como foi o caso de Optimus Prime e outros Autobots, proporcionou à “Transformers-O Filme” um incomum tom dramático, sobretudo para produções infanto-juvenis da época, uma camada emocional que se reflete até hoje nas discussões sobre a franquia. Quem assistiu ao longa-metragem naqueles tempos pôde perceber em primeira mão o impacto dessas escolhas. O público de “Transformers”, é seguro dizer, nunca mais foi o mesmo.

sábado, 12 de outubro de 2024

A Convenção das Bruxas


 Há uma característica desigual que se imprime em todos os trabalhos do diretor britânico Nicolas Roeg –um elemento peculiar onde o mundo e o ser humano, por meio do prisma sempre diferenciado de seu cinema, são expostos num viés que agrega fatalismo, minúcia e uma compreensão circunspecta do tempo e espaço que se ocupa. Interessa ao diretor Roeg explorar a condição humana, sua finitude e insuficiência diante do registro macro de seus contextos. E Roeg não abriu mão dessa concepção inclemente nem mesmo quando realizou, em 1989, uma produção infantil –ou, pelo menos, esse talvez fosse inicialmente o plano dos produtores...

Único trabalho de Nicolas Roeg dentro dessa categoria infanto-juvenil, “A Convenção das Bruxas”, adaptado do livro de Roald Dahl, como todo o bom cult-movie, não fez muito sucesso de bilheteria em sua época, e foi alvo inevitável da incompreensão de muitos críticos que apontaram não só sua indefinição de público-alvo (uma obra que revelava-se demasiada pueril para os adultos, e demasiada tétrica para as crianças) como também a incapacidade do próprio estúdio em saber do que se tratava, afinal, o projeto na hora de executar seu trabalho de divulgação.

Na Noruega, o garotinho Luke (Jasen Fisher, de “O Tiro Que Não Saiu Pela Culatra”), na companhia da carinhosa avó (a ótima Mae Zetterling) toma conhecimento de histórias secretas a respeito de bruxas que vivem entre os seres humanos comuns, e podem ser detectadas por seu hábito crônico de coçar a cabeça (todas são carecas e, por isso, ao disfarçarem-se, usam perucas que lhes incomodam), por seus olhos perversos de incomum brilho púrpura e sua aversão ao cheiro das crianças –ainda assim, tais bruxas estão sempre à espreita, conta a avó, responsáveis por alguns dos mais cruéis casos de desaparecimento que se ouviu falar. A própria avó de Luke conta que teve, quando mais jovem, um fatídico encontro com uma bruxa –de onde teve um de seus dedos da mão mutilados! –embora nunca tenha conseguido encontrar a lendária, terrível e poderosa Bruxa-Mestra.

Quando o pai e a mãe de Luke morrem num acidente, ele e a avó vão para a Inglaterra e, antes de seu retorno aos EUA, fazem uma parada num hotel de luxo à beira-mar. O mesmo hotel que, logo depois se descobre, está abrigando uma convenção de bruxas do mundo todo, na qual a participante principal, a própria Bruxa-Mestra (vivida com segurança intimidadora por Anjelica Huston), revela um plano de transformar todas as crianças em ratos através de uma poção de efeito rápido que todas haverão de receber. Ao bisbilhotar furtivamente e descobrir sem querer esse plano, Luke é descoberto e, vítima da poção, transformado num rato, junto do bonachão amiguinho Bruno (Charlie Potter). Os dois, agora convertidos nos diminutos animais (e alvo da ira do gerente do hotel, interpretado por um Rowan Atkinson pré-Mr, Bean!), precisam encontrar a avó de Luke e alertá-la do plano maquiavélico, a fim de neutralizá-lo enquanto todas as bruxas, incluindo a perigosíssima Bruxa-Mestra, ainda se encontram nas dependências do hotel.

Assinada pelo mago dos bonecos animatrônicos Jim Henson (dono da Creature Shops, empresa responsável pelos bonecos que se vê no filme), a produção mostra seu mais impressionante aparato técnico justamente nas cenas em que Luke e Bruno tão transformados em ratos –os efeitos práticos dos garotos convertidos em ratos são absolutamente brilhantes e, em momento algum, deixam a desejar nas complexas sequências em que os ratinhos precisam desvencilhar-se das dimensões agigantadas do hotel para executar suas tarefas, sejam nos corredores (com os hóspedes andando pra lá e pra cá, e todos os empecilhos físicos da elaborada cenografia), sejam dentro dos quartos (entre eles, a cena em que invadem os aposentos da Bruxa-Mestra à procura da poção escondida), ou na cozinha (uma das sequências-clímax onde os trechos ganham notável execução até pela complexidade caótica dos elementos). Entretanto, é na direção de Nicolas Roeg que, de fato, se encontra o diferencial deste trabalho: Ao moldar um obra infantil que, ao mesmo tempo, não subestima a capacidade das crianças de absorver algum suspense em sua narrativa, o realizador de “Walkabout-A Longa Caminhada” entrega uma arrepiante e sensacional fantasia de terror psicológico juvenil, incomum até mesmo para os anos 1980 à que pertence.

Em 2020, o diretor Robert Zemeckis tentou refilmar “A Convenção das Bruxas” munido do repertório de efeitos digitais da atualidade e trazendo inclusive Anne Hathaway para o papel de Bruxa-Mestra. Um tremendo equívoco: Como outras narrativas singulares da década de 1980, “A Convenção das Bruxas”, junto da percepção bastante única do diretor Nicolas Roeg, tinha –com o perdão do trocadilho –uma ‘magia’ que dificilmente seria repetida numa produção de estúdio.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Gotcha! - Uma Arma do Barulho


 É provável que, em 1985, o diretor Jeff Kanew tenha se descoberto farto do humor besteirol com o qual precisou conduzir seu sucesso adolescente do ano anterior, “A Vingança dos Nerds” (também com Anthony Edwards no elenco). Isso explica porque “Gotcha!”, apesar de seu tema juvenil, mal visita os elementos corriqueiros do gênero preferindo um viés que agrega mais seriedade, suspense e fortes nuances de filme de espionagem –facetas que devem ter pego de surpresa alguns expectadores daquela época, até porque, o próprio filme, por seu apelo, sua premissa e seu trabalho de marketing sugere um descompromisso e uma descontração muito maior.

Jovem de uma universidade norte-americana, Jonathan Moore (Edwards, um ano antes de viver o melhor amigo de Tom Cruise em “Top Gun”) se diverte com alguns colegas participando de um jogo muito comum nos campus universitários dos anos 1980, o Gotcha! –termo em inglês que pode ser traduzido para “Te Peguei!” –no qual basicamente, armados de uma pistola de tinta ao estilo paintball, os jogadores devem alvejar uns aos outros nas dependências do local (hoje em dia, tal modalidade jamais seria aceita em escolas norte-americanas, sobretudo, após acontecimentos severamente trágicos envolvendo armas e estudantes nos EUA registrados em filmes como “Elefante” e no documentário “Tiros Em Columbine”). Em outros momentos, como qualquer adolescente daqueles tempos que se preze, Jonathan lamenta sua incapacidade de arrumar uma garota e perder a virgindade; numa dessas ocasiões, enquanto chora as pitangas no ombro do amigo Manolo (Nick Corri, de “Predador 2”, mais tarde assinando como Jsu Garcia), eles acompanham uma aula onde o professor explica procedimentos veterinários nos quais animais de grande porte, como um tigre, são anestesiados com uma pistola de dardos tranquilizantes. Contudo, as chances de Jonathan podem aumentar consideravelmente: Ele e Manolo estão prestes a ir para a Europa, menos pela justificativa turística (com escala em Paris e depois Espanha), e mais pela oportunidade de flertar com as jovens européias. E acaba sendo realmente em Paris que Jonathan encontra, num café, a misteriosa Sasha Banicek –Linda Fiorentino que, na década seguinte, revelaria enorme potencial com o neo-noirO Poder da Sedução”, aqui estranhamente caracterizada com androginia em roupas longas e folgadas e cabelo curto estilo Joãozinho, muito longe da sensualidade que se esperaria de uma personagem assim. Isso porque Sasha, a despeito de corresponder aos tímidos avanços de Jonathan, de terminar com ele na cama (!), e agraciar o rapaz, de uma hora para outra, com uma série de encontros tórridos, deixa bem claro (ao menos para nós, expectadores) que, em seu encalço, virão muitas encrencas. Ela convence o jovem a abandonar a ideia de ir à Espanha com Manolo para, em vez disso, ir à Berlim, na Alemanha, com ela –vamos lembrar que, naquele período, com a Guerra Fria em seu auge, Berlim ainda se achava dividida pelo muro, sendo que seu vigiado Lado Oriental, denominado A Cortina de Ferro, guardava inúmeros perigos na forma de agentes da KGB espreitando nas sombras. E é justamente para o Lado Oriental que Sasha arrasta Jonathan alegando que seu trabalho é meramente como uma mensageira.

Após uma série de idas e vindas –nos quais os personagens podem ser vistos sendo perseguidos por homens misteriosos e cenários que acabam lembrando muito a ambientação desolada de “Possessão”, de Andrzej Zulawski, também ele filmado no Lado Oriental de Berlim –os caminhos de Sasha e Jonathan parecem se separar: Ela some não sem antes advertí-lo para tentar partir de Berlim e voltar para casa, no entanto, homens misteriosos (liderados pelo ameaçador Klaus Löwitsch, de “A Cruz de Ferro”) não deixam de tentar capturá-lo, mesmo já em solo americano. Ao que tudo indica, Sasha plantou algum item muito importante entre suas coisas, algo que talvez seja o enigmático rolo de filme que ele encontrou em sua mochila. Tomado por paranóia, ainda que não de todo injustificada –agentes aparecem revirando seu apartamento! –Jonathan procura ajuda da CIA só para descobrir que Sasha, na verdade, trabalha lá (!). Ao que tudo indica, ela (que é, na verdade, uma agente americana!) aproveitou-se dele para conseguir levar o rolo de filme até os EUA, livre do jugo inclemente dos homens da KGB, entretanto, esses homens surgem então no campus a fim de caçar ela e Jonathan. Contudo, agora eles estão no território dele, onde ele pode dispor inclusive da mesma pistola de jogar Gotcha –agora munida dos dardos tranquilizantes mostrados no início –para neutralizar seus adversários.

Apesar do esforço presente em sua narrativa, o diretor Kanew não consegue desvencilhar-se do fato de que “Gotcha!” é essencialmente uma aventura adolescente –ele pode empregar comédia em doses quase microscópicas, pode valer-se da ambientação predominantemente européia para criar uma atmosfera completamente distinta e, na maior parte do tempo, exercitar uma tentativa de fazer suspense (sem maiores profundidades, ou mesmo, conhecimento de causa) e cinema sério, ainda assim, é impossível para o público pensante esquecer que seu protagonista é um garoto que mal atingiu os dezoito anos –e que é, portanto, todo um filme de aventura ginasiana aquele que o cerca. Essa estranha intenção de não corresponder ao próprio gênero a que pertence que parece levar “Gotcha!” a desperdiçar as inúmeras oportunidades de se fazer um passatempo mais divertido incorporando, em lugar disso, uma pouco apropriada seriedade que o faz mais sisudo, mais modorrento e mais apático que seus pares da mesma época.