sexta-feira, 23 de março de 2018

Kagemusha - A Sombra do Samurai

A dinâmica entre aquilo que somos e o que esperam que sejamos. A força da identidade a pesar sobre as escolhas determinantes para um império. As cobranças pessoais, inesperadas e impronunciáveis da guerra.
Todos esses –e outros mais –são tópicos colocados em reflexão por este estupendo épico do mestre Akira Kurosawa viabilizado –tal e qual “Sonhos”, logo depois –pelo cacife de admiradores muito especiais como George Lucas e Francis Ford Coppola, neste caso.
Último grande épico de Kurosawa –todos os seus projetos seguintes foram obras inclinadas ao intimismo –“Kagemusha” parte com seu enredo de uma prática inusitada e real no Japão antigo: Os ‘dublês’ –os assim chamados ‘kagemusha' –colocados no lugar de imperadores ou grandes chefes de clãs quando a elevação da moral das tropas exigia sua presença perante os soldados, mas ela era impedida por fatores imprevistos.
O protagonista de “Kagemusha” é, ou em princípio aparenta ser Shingen Takeda (o magnífico Tatsuya Nakadai), um dos chefes de clãs que, no Japão do século XVI, disputa uma feroz guerra civil na qual está em jogo a soberania imperial.
O mesmo Tatsuya Nakadai igualmente interpreta um reles ladrão que se encontra com a corda no pescoço em vista de suas últimas travessuras. Porém, ele tem algo inesperado a seu favor: Sua idade e fisionomia o tornam uma duplicata perfeita do líder Shingen, então secretamente fulminado por um ferimento de batalha.
Os súditos conselheiros de Shingen primeiro intimidam o pobre sósia (do qual sequer têm interesse em saber o nome) com a afirmação de que sua vida está nas mãos deles, depois o confrontam com uma alternativa que eleva suas obrigações: Substituir Shingen, para que seus inimigos e, sobretudo, suas tropas, não saibam que o verdadeiro faleceu.
Eles compreendem que um líder vivo e saudável é um símbolo de incentivo e liderança para os soldados e que, em contrapartida, a notícia da morte de seu governante pode significar um desânimo tal que toda a chance de vitória pode terminar comprometida.
Repousando a decisão de um reino no que antes era um ladrão sem valia, Kurosawa observa as vicissitudes mais radicais dos títulos aos quais presumimos tanta importância e convicção: Para o mestre, o aristocrata e o camponês são ambos seres humanos, e ele vislumbra em sua premissa as ironias improváveis de quando uma ordem estabelecida se inverte (como quando o kagemusha, ao ‘improvisar’ sua atuação no calor da batalha dá novo rumo a ela) construindo nesse meio tempo uma sucessão de cenas estupendas em arrebatamento visual.

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