A dinâmica entre aquilo que somos e o que
esperam que sejamos. A força da identidade a pesar sobre as escolhas
determinantes para um império. As cobranças pessoais, inesperadas e
impronunciáveis da guerra.
Todos esses –e outros mais –são tópicos
colocados em reflexão por este estupendo épico do mestre Akira Kurosawa
viabilizado –tal e qual “Sonhos”, logo depois –pelo cacife de admiradores muito
especiais como George Lucas e Francis Ford Coppola, neste caso.
Último grande épico de Kurosawa –todos os seus
projetos seguintes foram obras inclinadas ao intimismo –“Kagemusha” parte com
seu enredo de uma prática inusitada e real no Japão antigo: Os ‘dublês’ –os
assim chamados ‘kagemusha' –colocados
no lugar de imperadores ou grandes chefes de clãs quando a elevação da moral
das tropas exigia sua presença perante os soldados, mas ela era impedida por
fatores imprevistos.
O protagonista de “Kagemusha” é, ou em
princípio aparenta ser Shingen Takeda (o magnífico Tatsuya Nakadai), um dos
chefes de clãs que, no Japão do século XVI, disputa uma feroz guerra civil na
qual está em jogo a soberania imperial.
O mesmo Tatsuya Nakadai igualmente interpreta um
reles ladrão que se encontra com a corda no pescoço em vista de suas últimas
travessuras. Porém, ele tem algo inesperado a seu favor: Sua idade e fisionomia
o tornam uma duplicata perfeita do líder Shingen, então secretamente fulminado
por um ferimento de batalha.
Os súditos conselheiros de Shingen primeiro
intimidam o pobre sósia (do qual sequer têm interesse em saber o nome) com a
afirmação de que sua vida está nas mãos deles, depois o confrontam com uma
alternativa que eleva suas obrigações: Substituir Shingen, para que seus
inimigos e, sobretudo, suas tropas, não saibam que o verdadeiro faleceu.
Eles compreendem que um líder vivo e saudável é
um símbolo de incentivo e liderança para os soldados e que, em contrapartida, a
notícia da morte de seu governante pode significar um desânimo tal que toda a
chance de vitória pode terminar comprometida.
Repousando a decisão de um
reino no que antes era um ladrão sem valia, Kurosawa observa as vicissitudes
mais radicais dos títulos aos quais presumimos tanta importância e convicção:
Para o mestre, o aristocrata e o camponês são ambos seres humanos, e ele
vislumbra em sua premissa as ironias improváveis de quando uma ordem estabelecida
se inverte (como quando o kagemusha, ao ‘improvisar’ sua atuação no calor da
batalha dá novo rumo a ela) construindo nesse meio tempo uma sucessão de cenas
estupendas em arrebatamento visual.
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