sexta-feira, 23 de março de 2018

Arte, Amor e Ilusão

Por mais improvável que possa parecer haviam argumentos que isentavam o diretor Neil Labute das acusações de misoginia em seu primoroso e corrosivo "Na Companhia de Homens"; e eles em geral estavam relacionados na retrato austero, humano e crível da única personagem feminina da trama.
É o próprio Neil Labute quem abre mão dessas ressalvas ao criar neste "Arte, Amor e Ilusão" um dos mais incisivos e subversivos ataques ao sexo oposto já materializado em filme, mostrando as mulheres como seres de uma crueldade atroz.
Valendo-se da mesma objetividade cirúrgica de seu mais audaz trabalho (mas, desprovido da excelência que ostentou nele), Labute estabelece a enxutíssima narrativa num conjunto de atos que se sucedem em cortes rápidos e ilustram a situação que ele deseja expor de maneira sucinta, sem espaço para considerações paralelas, e isso tudo começa no museu onde tímido e acanhado Adam (Paul Rudd, o “Homem-Formiga”) trabalha como vigia. É lá, num dos turnos da noite que ele encontra Evelyn (a linda e metódica Rachel Weisz), uma artista plástica que comportamento (ou, pelo menos, de discurso) notadamente anarquista e idealista tentando pichar um quadro de museu (!).
Contra as probabilidades, Adam começa a namorar com Evelyn (note a conotação bíblica e primitiva no nome dos dois protagonistas), ao passo que ela provoca uma transformação no comportamento dele e na sua relação com um casal de amigos (vividos por Gretchen Mol e Fred Weller).
Embora a narrativa de Labute engane o expectador com uma condução serena, sugerindo normalidade, perto do fim, uma surpresa das mais desagradáveis aguarda o expectador e os personagens.
E, a partir deste ponto, o texto vai revelar as surpresas que o filme reserva em seu terceiro ato, por isso, se não viu o filme e não quiser saber, não leia a partir daqui!
Pois bem, a restar uns vinte minutos para o seu desfecho (o filme é enxutíssimo, tem apenas noventa e seis minutos de duração), pouco depois que Adam pede Evelyn em casamento, a narrativa se ocupa de mostrar uma alardeada apresentação de arte promovida por Evelyn, quando Labute dá então seu derradeiro (e devastador) golpe final: Ela revela que, na verdade, todo o namoro e o relacionamento que tiveram nos últimos meses fez parte de uma espécie de experimento que ela realizou, onde tentou (e conseguiu) ilustrar o modo como uma pessoa é capaz de se metamorfosear sob influência de outra. Não apenas isso, mudar até mesmo as relações que tinha antes.
A revelação em si é chocante quando o filme chega nesse momento, ainda mais porque o diretor e a atriz não economizaram esforços para fazer o próprio expectador gostar da personagem, e porque a partir desse trecho a expressão dela de frieza para com a manipulação sentimental que realizou é de uma crueldade que a iguala ao personagem de Aaron Eckhart em “Na Companhia de Homens”.
Chega a doer no coração quando o personagem de Paul Rudd pede de volta a ela o anel de noivado que foi de sua avó e ela afirma, impassível, que quando a exposição acabar o entregará de volta.
Tão exasperante é o efeito que este filme de Labute suscita no expectador que é difícil dizer o que exatamente ele quis com ele: Um retrato contundente da falta de empatia? Uma triste constatação dos efeitos unilaterais do amor? Ou um misógino exemplo de pesadelo masculino feito para chocar?
As três coisas provavelmente, ainda que, estando ele certo ou não, isso não rendeu uma obra à altura de seus melhores trabalhos.

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