quinta-feira, 22 de março de 2018

Beijos e Tiros

Para o diretor Shane Black, o projeto de “Beijos e Tiros” representou um regresso às fileiras mais reverenciadas dos realizadores de Hollywood, décadas depois que ele renovou os paradigmas do gênero policial de ação com os roteiros para os dois primeiros “Máquina Mortífera”.
Para o ator Robert Downey Jr., o protagonista, o filme representou algo ainda mais crucial e divisor de águas, um recado para a indústria: Os escândalos, bebedeiras e toda sorte de problemas acarretados por seu vício em drogas que mancharam sua reputação nas décadas de 1980 e 90, tinham ficado para trás e somente seu grande talento havia restado.
Com efeito, Downey Jr. (cujo trabalho anterior havia sido o estranho “Crimes de Um Detetive”) não faz muito esforço para surpreender o expectador já na primeira cena: Seu personagem, um reles ladrão em fuga, ao tentar escapar de ser preso, finge-se de ator em uma audição, e tão genuinamente assustado e angustiado é seu teste que ele acaba conseguindo um contrato (!) onde terá de interpretar um detetive particular numa produção a ser filmada em Los Angeles.
Ele é orientado pelo próprio estúdio a fazer um "laboratório", ou seja, acompanhar um detetive de verdade para captar seus maneirismos e compor o personagem. O detetive em questão é estressado, mau-humorado, durão e homossexual (e o ator Val Kilmer se esbalda na caracterização rabugenta e melindrosa de tão notável personagem) que o envolve numa investigação de homicídio que inclui segredos sórdidos de pessoas poderosas.
E com isso, Shane Black já adentra não em um, mas em dois conceitos que ele domina com maestria: Um, o dos filmes de parceiros, tal e qual “Máquina Mortífera”, onde as diferenças essenciais da dupla protagonista moldará a dinâmica através da qual o filme entreterá o expectador; e o outro, o film noir pós-moderno, onde os arquétipos detetivescos que sempre definiram o gênero recebem uma pertinente transfiguração da realidade, da modernidade, da própria especificação cultural do lugar (o retrato do submundo de Los Angeles é pontuado por minúcia, lascívia e conhecimento de causa) e do estilo particular de seu realizador (o roteiro de Shane Black mescla elementos de comédia e de trama rocambolesca de forma tão excessiva e proporcional que é difícil levá-lo a sério).
Tão frutífero e habilidoso foi o desempenho de Shane Black ao lidar com esta produção que ele voltou a realizar um filme em moldes parecidíssimos com o deste daqui, o divertidíssimo “Dois Caras Legais”, com Ryan Gosling e Russel Crowe.
E Robert Downey Jr.? Ele soube muito bem lidar com as portas que se abriram depois de provar sua eficiência, sua capacidade e seu valor neste ótimo filme (cujo bom resultado de muitos momentos dependiam exclusivamente de seu talento), fechando um contrato com a Marvel Studios onde interpretou o personagem de sua vida, Tony Stark, o “Homem de Ferro”, papel que fez dele o ator mais bem pago de Hollywood na década seguinte.
Já gozando desse cacife, Downey Jr. reuniu-se com o diretor e roteirista Shane Black justamente em “Homem de Ferro 3”, um dos mais desiguais trabalhos do estúdio.

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