quarta-feira, 25 de maio de 2016

Os Demônios

Ken Russell desafia o expectador a esboçar um gesto de compreensão para com seu filme (talvez, o mais impactante e perturbador dentre todas as obras tão infames que ele concebeu), para com a história obscura e aflitivamente real que ele conta, e as implicações à que ela se presta.
Sim, pois “Os Demônios” não é um trabalho que busca o choque por sua simples razão de ser, não é sensacionalista, nem gratuito (embora, por vezes, pareça!).
O diretor inglês nos transporta para a França de 1604, mais precisamente a cidade de Loudun, onde a ideologia do padre Urbain Grandier (Oliver Reed, excelente) bate de frente com as intenções da coroa: Loudun foi praticamente a última grande cidade francesa a preservar suas fortificações –muros imensos e sólidos que os protegiam das hostilidades exteriores –o quê a tornava uma fortaleza que a protegia, inclusive, de uma eventual intervenção feita pelo regime católico adotado pela própria monarquia. A situação de Loudun era incomum; seu governador havia falecido, e o padre Grandier, respeitado e proeminente na região, tomou provisoriamente seu lugar até que um novo governador fosse indicado pelo povo. Até lá, Grandier não pretendia ceder às exigências da coroa que, sob pressão dos inquisidores, ordenava a destruição das fortificações de Loudun.
Um impasse político se formava. A saída para essa questão foi encontrada da maneira mais sórdida e covarde: A partir do pouquíssimo confiável depoimento da madre-superiora do convento local (Vanessa Redgrave, num papel tão perturbador quanto magistral), suspeita de sofrer possessões demoníacas incitadas pelo próprio padre Grandier, os inquisidores encontram pretexto para mover um julgamento. Na verdade, tais possessões eram surtos ligeiramente psicóticos provocados por seu desejo sexual por ele, e amplificados por uma profunda mescla de superstição e ignorância, o quê, inclusive, acaba influenciando também as outras freiras do convento, dando progressão a um surto generalizado de loucura –e o diretor Ken Russell joga por terra a idéia, difundida em outros filmes, de que membros do clérigo (madre, sacerdotes e freiras em geral) sejam pessoas altruítas, imaculadas e angelicais. Na verdade, como bem explora esta brilhante e exasperante observação acerca da Inquisição, os indivíduos enviados para os conventos eram normalmente os párias das famílias, aqueles e aquelas dos quais os pais muitas vezes queriam se livrar. O quê tornava sua crença, assim, um terreno fértil para a histeria coletiva.
Esse mote serve para Russell elaborar algumas das mais atrozes cenas que o cinema já permitiu, surgindo materializadas em tom quase inacreditável na segunda metade da obra, dando vazão a imagens francamente profanas que dificilmente abandonarão a memória do expectador. “Os Demônios” para se ter uma idéia, é uma das inspirações de Willian Friedkin para realizar “O Exorcista”.
Dentro da convicção de seu estilo e de sua muito bem embasada crítica aos dogmas religiosos que engessam a reflexão, Russell leva a mordacidade a níveis inexplorados.

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