A mente de Terry Gillian sempre foi fonte de
inquietações muito singulares: Desde a época em que ainda colaborava com seus
amigos do “Monty Python”, havia nele um pendor artístico que o distinguia –e
tal fator continuou a se propagar em sua carreira já desligado do grupo.
Em “O Pescador de Ilusões”, Gillian conduz com
sua verve estilosa e poderosa –e, por isso mesmo, de inconteste poder
transfigurador da realidade –a história de Jack (Jeff Bridges, um inusitado
oásis de seriedade em meio a um elenco definido pelo non-sense).
Outrora radialista de sucesso, Jack é um
nova-iorquino afogado numa vida de alcoolismo e comiseração após um episódio
pra lá de trágico: Ele julga-se culpado por incitar inconscientemente um
psicopata, por meio de uma conversa em seu programa de rádio, a chacinar
dezenas de pessoas em um bar.
Com a vida em ruínas –ainda que morando
desleixadamente com a namorada (Mercedes Ruehl, ganhadora do Oscar de Melhor
Atriz Coadjuvante em 1992 e, como Bridges, um caso de seriedade à parte no elenco) cuja
relação se ressente pelo detalhe óbvio dela ser sua companheira mais por
conveniência do que por paixão –Jack conhece Perry, um mendigo morador do
Central Park, com quem inicia uma titubeante e frenética amizade.
Perry (vivido por Robin Williams, cuja técnica
exacerbada ainda era, na época, mais fascinante do que cansativa) não é um
mendigo normal –e nem a interpretação de Williams permite que este adjetivo
flutue sobre o personagem –é especializado em História e Mitologia Medieval, e
ainda lidera um grupo composto por outros mendigos que formam uma insólita
tropa de cruzados nas ruas nova-iorquinas (é assim que salvam Jack das
agressões de uma gangue).
Mais tarde, Jack também vem a descobrir que Perry
antes era um professor universitário, e seu desligamento da realidade se deu
justamente naquela noite fatídica, em que teve a esposa assassinada e Jack a
carreira destruída.
Amparado pela culpa, Jack primeiro resolve ser
seu ‘cupido’ –tenta porque tenta fazê-lo encontrar-se com seu objeto do desejo
(Amanda Plummer, de “Pulp Fiction”) que ele até então jamais atreveu-se a
dirigir palavra –e depois, decide encontrar para Perry a relíquia que ele tanto
almejava: O Santo Graal.
Um aproveitamento muito
particular da parábola do Rei Pescador (um conto da mitologia medieval
mencionado por Perry várias vezes ao longo do filme), “O Pescador de Ilusões” é
uma demonstração da parte de Terry Gillian de sua intransigência artística e
sua bravura cinematográfica –o roteiro pairou por anos em todos os cantos de
Hollywood até que um estúdio o financiasse –e para tanto, é até inevitável que
suas referências mitológicas e religiosas possam escapar aos espectadores
comuns.
Nenhum comentário:
Postar um comentário