domingo, 18 de outubro de 2015

Possessão (1981)

A materialização do drama ocorre de maneira distinta aos autores. Um pode vislumbrar uma encenação de características convencionais; outro, pode aspirar a recriação meritória da realidade –e fazer equipe e elenco sofrer na tentativa de concretizar sua visão –e, com efeito, existem muitos autores com tais características.
Mas, se há um elemento diferencial em um autor é o modo que ele tem de se mostrar único. Para o diretor Polonês Andrzej Zulawski não importam quaisquer vínculos às convenções e realidades: Seu cinema é feito de simbolismos explícitos das facetas mais obscuras do ser humano. Sua representação, é como um ataque epilético onde as convulsões refletem as reações extremas que alguns diretores preferem tratar com sutileza e minimalismos.
“Possessão” é um drama familiar debruçado sobre uma crise matrimonial.
Entretanto, dentro desse microcosmo existencial, Zulawski enxerga tudo: Aspirações imaginativas que flertam com o cinema de gênero expondo os personagens àquilo que desejavam ser e não são; o cinema como catalisador da própria complexidade humana; metáforas sem fim acerca da igreja, do amor (e da idealização de amor), do sexo, do vazio existencial e do vazio emocional.
Tudo isso, colocado num liquidificador, resulta numa obra difícil, francamente chocante e assombrosa para uns, fascinante e singular para outros.
Sam Neil é o marido que está voltando de viagem para uma desiludida realidade matrimonial –e, já neste princípio, Zulawski justapõe a realidade à ‘idealização’ fazendo com que a viagem do marido soe o regresso de uma missão aventuresca ao estilo 007, em direção à frsutrante vida doméstica em uma Berlin tão opressora que suas ruas sequer possuem pessoas a percorrê-las.
O marido não consegue evitar o abandono da esposa (Isabele Adjani, magistral), que o deixa com o filho pequeno –e a reação do marido ao que se segue parece (sob o olhar implacável de Zulawski) uma reação aguda de abstinência química; suores, convulsões, aspecto psicótico e doentio: O marido precisa dela e, em sua ausência, seu sofrimento é de um martírio excruciante.
O pior está por vir: Ao contrário do que ele supunha, ela não foi morar com o amante, este também deixado de lado. 
Ela na verdade, está vivendo em um apartamento no centro de Berlim, junto de uma criatura grotesca e tentacular com quem mantém um relacionamento sexual (!). E aí, entram mais algumas manipulações de gênero, onde Zulawski trás um pouco de cinema para incrementar com cores muitas vezes alarmantes o seu registro do drama. 
Ele dá vazão à maluquices extremas de natureza profundamente metafórica neste trabalho poderoso, recomendado para públicos muito específicos, certamente um dos grandes e lendários cult movies dos anos 1980. A beleza de Isabele Adjani é um contraponto curiosamente perturbador ao clima absurdo e rocambolesco da obra, assim como sua exuberante interpretação ocasionada por rompantes psicóticos inesperados, tendo como melhor exemplo a espantosa cena no túnel do metrô.
A criatura monstruosa que ela toma como amante, concebido pelo mesmo Carlo Rambaldi que imaginou o alienígena de “E.T.-O Extraterrestre”, é um primor tentacular de repulsa e medo extraído do mais insano dos pesadelos. 
Todas as cenas, porém, deste trabalho radical são um convite bastante tentador para qualquer cinéfilo, a penetrar na mente de um diretor autoral e indomado.

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