A materialização do drama ocorre de maneira
distinta aos autores. Um pode vislumbrar uma encenação de características
convencionais; outro, pode aspirar a recriação meritória da realidade –e fazer
equipe e elenco sofrer na tentativa de concretizar sua visão –e, com efeito,
existem muitos autores com tais características.
Mas, se há um elemento diferencial em um autor
é o modo que ele tem de se mostrar único. Para o diretor Polonês Andrzej
Zulawski não importam quaisquer vínculos às convenções e realidades: Seu cinema
é feito de simbolismos explícitos das facetas mais obscuras do ser humano. Sua
representação, é como um ataque epilético onde as convulsões refletem as
reações extremas que alguns diretores preferem tratar com sutileza e
minimalismos.
“Possessão” é um drama familiar debruçado sobre
uma crise matrimonial.
Entretanto, dentro desse microcosmo
existencial, Zulawski enxerga tudo: Aspirações imaginativas que flertam com o
cinema de gênero expondo os personagens àquilo que desejavam ser e não são; o
cinema como catalisador da própria complexidade humana; metáforas sem fim
acerca da igreja, do amor (e da idealização de amor), do sexo, do vazio
existencial e do vazio emocional.
Tudo isso, colocado num liquidificador, resulta
numa obra difícil, francamente chocante e assombrosa para uns, fascinante e
singular para outros.
Sam Neil é o marido que está voltando de viagem
para uma desiludida realidade matrimonial –e, já neste princípio, Zulawski
justapõe a realidade à ‘idealização’ fazendo com que a viagem do marido soe o
regresso de uma missão aventuresca ao estilo 007, em direção à frsutrante vida
doméstica em uma Berlin tão opressora que suas ruas sequer possuem pessoas a
percorrê-las.
O marido não consegue evitar o abandono da
esposa (Isabele Adjani, magistral), que o deixa com o filho pequeno –e a reação
do marido ao que se segue parece (sob o olhar implacável de Zulawski) uma
reação aguda de abstinência química; suores, convulsões, aspecto psicótico e
doentio: O marido precisa dela e, em sua ausência, seu sofrimento é de um
martírio excruciante.
O pior está por vir: Ao contrário do que ele
supunha, ela não foi morar com o amante, este também deixado de lado.
Ela na verdade, está vivendo em um apartamento
no centro de Berlim, junto de uma criatura grotesca e tentacular com quem mantém
um relacionamento sexual (!). E aí, entram mais algumas manipulações de gênero,
onde Zulawski trás um pouco de cinema para incrementar com cores muitas vezes
alarmantes o seu registro do drama.
Ele dá vazão à maluquices extremas de natureza
profundamente metafórica neste trabalho poderoso, recomendado para públicos
muito específicos, certamente um dos grandes e lendários cult movies dos anos
1980. A beleza de Isabele Adjani é um contraponto curiosamente perturbador ao
clima absurdo e rocambolesco da obra, assim como sua exuberante interpretação
ocasionada por rompantes psicóticos inesperados, tendo como melhor exemplo a
espantosa cena no túnel do metrô.
A criatura monstruosa que ela toma como amante,
concebido pelo mesmo Carlo Rambaldi que imaginou o alienígena de “E.T.-O
Extraterrestre”, é um primor tentacular de repulsa e medo extraído do mais
insano dos pesadelos.
Todas as cenas, porém,
deste trabalho radical são um convite bastante tentador para qualquer cinéfilo,
a penetrar na mente de um diretor autoral e indomado.
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