Como diretor, Clint Eastwood revelou
sensibilidade e versatilidade que jamais seriam atribuídas a ele como ator,
vide o recorrente papel de pistoleiro e\ou homem da lei ao qual sempre foi
relacionado.
Na década de 1990, na esteira de sua
consagração junto ao Oscar por “Os Imperdoáveis”, ele realizou projetos que o
submeteram a sucessivas provas como realizador, um deles, o romance “As Pontes
de Madison”, feito com insuspeita delicadeza.
Os irmãos Carolyn (Annie Corley, de
“Seabisuit-Alma de Herói”) e Michael (Victor Slezak, de “Noivas Em Guerra”)
reúnem-se em Madison, Iowa, após a morte de sua mãe, Francesca, para
descobrirem estarrecidos que o último desejo dela não é ser enterrada ao lado
do pai deles no jazigo da família, mas ser cremada e suas cinzas jogadas nas
margens de uma ponte local.
Eles descobrem que, nessa ponte, também foram
jogadas, anos antes, as cinzas de um fotógrafo da National Geographic, Robert
Kincaid, com quem Francesca assim desejava se unir na morte.
Inicialmente indignados com a notícia tardia do
adultério da mãe, Carolyn e Michael vão descobrindo os detalhes da história que
eles viveram juntos –e que durou breves quatro dias –por meio de uma carta e
três diários que a mãe lhes deixou.
Assim, somos lentamente conduzidos à trama
principal, passada em 1965, quando a dona de casa Francesca Johnson (Meryl
Streep, em uma das grandes interpretações de sua carreira) fica sozinha na
fazenda da família quando o marido e os dois filhos partem para uma feira
agropecuária.
Surge então no horizonte uma caminhonete
trazendo Kincaid (Clint Eastwood, numa atuação supina, amigável e generosa) que
a aborda com a inocente intenção de pedir informação: Ele se acha lá para fazer
uma reportagem fotográfica sobre as pontes da região.
Diante da complexidade provinciana em explicar
tais localizações a um forasteiro, Francesca tem a ideia de levá-lo até lá –e
nesse percurso, a direção de Eastwood já registra os indícios de atração que
surgem na linguagem corporal de Francesca.
Com a chegada do entardecer, ela o convida para
jantar. Ele aceita. E, de circunstância em circunstância, de detalhe em
detalhe, o filme de Eastwood vai assim, numa progressão completamente
despreocupada com sua lentidão em direção metódica e consciente ao cerne de sua
questão –uma postura narrativa que já não se encontra nem mesmo entre romances
e melodramas construídos hoje em dia. Uma parcimônia para com o tempo de seus
personagens e sua motivação, convidando o expectador a se inteirar de suas
minúcias intimistas e não negligenciando seu ritmo às possíveis vontades do
próprio público.
Em algum momento, sem nos darmos conta, o filme
de Eastwood está então nos embriagando com um romantismo gradual, e uma
percepção muito especial de envolvimento.
E, nesse sentido, nada nele brilha mais que
Meryl Streep: Se ela já havia se consolidado como a grande atriz do cinema
americano com uma sucessão de trabalhos que ostentavam uma técnica impecável de
uma intérprete plena do conhecimento de seu ofício, Francesca, a protagonista
de “As Pontes de Madison” é menos uma chance para manter-se nesse estilo de
trabalho, e mais uma oportunidade para entregar ao público uma nova Meryl
Streep, instintiva, intuitiva, vulnerável, despojada e despida de qualquer
defesa.
Convicto do fulgor contagiante de sua estrela,
o Clint Eastwood diretor, evidencia ela, e somente ela, fazendo de Francesca a
estrela absoluta do filme, dando a ela a narração em off e o ponto de vista
subjetivo de todas as sequências; e com isso, o Clint Eastwood ator surge em
cena embevecido de dignidade, reverenciando a mulher maravilhosa e magnífica à
sua frente, contribuindo para a química inigualável que estabelece com ela.
“As Pontes de Madison” não é o tipo de filme
que merece uma crítica exagerada em termos técnicos: Tão embriagado de suas
próprias emoções ele é, e tão perfeitamente capaz de enternecer seus expectadores, que ao fim, a
mensagem de Francesca para seus filhos, de que o amor (todas as formas de amor)
suplanta as escolhas que fazemos em vida no objetivo às vezes tortuoso de fazer
esse mesmo amor prevalecer, acaba sendo assimilada pelo público também.
Eis aqui uma prova cabal e
comovente que Clint Eastwood, o ‘pistoleiro sem nome’, o ‘perseguidor
implacável’, tem (e muito) coração, e que Meryl Streep não interpreta –ela
sente!
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