terça-feira, 14 de janeiro de 2020

As Pontes de Madison

Como diretor, Clint Eastwood revelou sensibilidade e versatilidade que jamais seriam atribuídas a ele como ator, vide o recorrente papel de pistoleiro e\ou homem da lei ao qual sempre foi relacionado.
Na década de 1990, na esteira de sua consagração junto ao Oscar por “Os Imperdoáveis”, ele realizou projetos que o submeteram a sucessivas provas como realizador, um deles, o romance “As Pontes de Madison”, feito com insuspeita delicadeza.
Os irmãos Carolyn (Annie Corley, de “Seabisuit-Alma de Herói”) e Michael (Victor Slezak, de “Noivas Em Guerra”) reúnem-se em Madison, Iowa, após a morte de sua mãe, Francesca, para descobrirem estarrecidos que o último desejo dela não é ser enterrada ao lado do pai deles no jazigo da família, mas ser cremada e suas cinzas jogadas nas margens de uma ponte local.
Eles descobrem que, nessa ponte, também foram jogadas, anos antes, as cinzas de um fotógrafo da National Geographic, Robert Kincaid, com quem Francesca assim desejava se unir na morte.
Inicialmente indignados com a notícia tardia do adultério da mãe, Carolyn e Michael vão descobrindo os detalhes da história que eles viveram juntos –e que durou breves quatro dias –por meio de uma carta e três diários que a mãe lhes deixou.
Assim, somos lentamente conduzidos à trama principal, passada em 1965, quando a dona de casa Francesca Johnson (Meryl Streep, em uma das grandes interpretações de sua carreira) fica sozinha na fazenda da família quando o marido e os dois filhos partem para uma feira agropecuária.
Surge então no horizonte uma caminhonete trazendo Kincaid (Clint Eastwood, numa atuação supina, amigável e generosa) que a aborda com a inocente intenção de pedir informação: Ele se acha lá para fazer uma reportagem fotográfica sobre as pontes da região.
Diante da complexidade provinciana em explicar tais localizações a um forasteiro, Francesca tem a ideia de levá-lo até lá –e nesse percurso, a direção de Eastwood já registra os indícios de atração que surgem na linguagem corporal de Francesca.
Com a chegada do entardecer, ela o convida para jantar. Ele aceita. E, de circunstância em circunstância, de detalhe em detalhe, o filme de Eastwood vai assim, numa progressão completamente despreocupada com sua lentidão em direção metódica e consciente ao cerne de sua questão –uma postura narrativa que já não se encontra nem mesmo entre romances e melodramas construídos hoje em dia. Uma parcimônia para com o tempo de seus personagens e sua motivação, convidando o expectador a se inteirar de suas minúcias intimistas e não negligenciando seu ritmo às possíveis vontades do próprio público.
Em algum momento, sem nos darmos conta, o filme de Eastwood está então nos embriagando com um romantismo gradual, e uma percepção muito especial de envolvimento.
E, nesse sentido, nada nele brilha mais que Meryl Streep: Se ela já havia se consolidado como a grande atriz do cinema americano com uma sucessão de trabalhos que ostentavam uma técnica impecável de uma intérprete plena do conhecimento de seu ofício, Francesca, a protagonista de “As Pontes de Madison” é menos uma chance para manter-se nesse estilo de trabalho, e mais uma oportunidade para entregar ao público uma nova Meryl Streep, instintiva, intuitiva, vulnerável, despojada e despida de qualquer defesa.
Convicto do fulgor contagiante de sua estrela, o Clint Eastwood diretor, evidencia ela, e somente ela, fazendo de Francesca a estrela absoluta do filme, dando a ela a narração em off e o ponto de vista subjetivo de todas as sequências; e com isso, o Clint Eastwood ator surge em cena embevecido de dignidade, reverenciando a mulher maravilhosa e magnífica à sua frente, contribuindo para a química inigualável que estabelece com ela.
“As Pontes de Madison” não é o tipo de filme que merece uma crítica exagerada em termos técnicos: Tão embriagado de suas próprias emoções ele é, e tão perfeitamente capaz de  enternecer seus expectadores, que ao fim, a mensagem de Francesca para seus filhos, de que o amor (todas as formas de amor) suplanta as escolhas que fazemos em vida no objetivo às vezes tortuoso de fazer esse mesmo amor prevalecer, acaba sendo assimilada pelo público também.
Eis aqui uma prova cabal e comovente que Clint Eastwood, o ‘pistoleiro sem nome’, o ‘perseguidor implacável’, tem (e muito) coração, e que Meryl Streep não interpreta –ela sente!

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