Lançado em 2021 (não confundir com outro, de mesmo título nacional, lançado em 2024), “The Voyeurs”, é dirigido por Michael Mohan (que depois tornou a dirigir Sydney Sweeney no bem-sucedido “Imaculada”) com um emprego de rimas visuais que poucos diretores jovens exibem hoje em dia. “The Voyeurs” é, do começo ao fim, em toda sua totalidade, um exercício de voyeurismo, é sobre o ato de olhar. Um tipo de olhar capaz de interferir nas vidas alheias pelo simples ato da observação. Em torno dessa questão giram os elementos do roteiro, os arcos esboçados para os personagens –a protagonista e seus coadjuvantes –e a própria identidade visual da narrativa. De pronto, essas escolha conscientes e engajadas transformam “The voyeurs” num corpo distinto e válido entre obras mais desprezíveis, ainda que ele esteja, apesar de tudo, bem longe da perfeição.
Acompanhamos o casal formado pelos jovens Pippa
(a bela Sydney Sweeney) e Thomas (Justice Smith, de “Jurassic World-Reino Ameaçado”) a tentar a vida numa fotogênica Londres. Eles alugam um belo
apartamento e, em sua primeira noite, descobrem o exibicionismo dos vizinhos do
outro lado da rua: Eles pouco se importam em fechar as cortinas e se deixam
observar (ou simplesmente não se importam) mesmo enquanto estão fazendo sexo! A
curiosidade masculina de Thomas o leva a se satisfazer com essa descoberta
(inclusive, usando de tecnologia para, mais tarde, obter até mesmo o som dos
interlúdios sexuais flagrados!), mas, é Pippa quem, de inicialmente acanhada
com a circunstância vai ficando cada vez mais obcecada pelo ato compulsivo de
espionar os aspectos sexuais do casamento alheio.
O filme de Michael Mohan mal engata as
primeiras e inevitáveis referências à obra-prima “Janela Indiscreta”, de Alfred
Hitchcock, e seu roteiro, de narrativa ágil, já avança para novos estágios do
suspense, atropelando com essa ansiedade, um pouco da lógica: Acometida de
certa compaixão pela garota (vivida por Natasha Liu Bordizzo, de “Atentado Ao
Hotel Taj Mahal”), Pippa almeja aproximar-se dela a fim de lhe relatar as
sucessivas infidelidades que ela e Thomas observaram nos dias seguintes –o
rapaz (vivido por Ben Hardy, o Arcanjo de “X-Men Apocalypse”) é fotógrafo, e
sua ocupação o deixa sempre muito próximo de modelos que ele fotografa sem
qualquer roupa para, na sequência, seduzir.
O filme de Michael Mohan no registro dos
acontecimentos subsequentes não esconde suas intenções melindrosas: Há certa
tensão sexual entre Pippa e a jovem vizinha (chamada Julia) que ela tenta
ajudar, uma apelo ao erotismo subliminar evidenciado em inúmeros momentos
aclimatados e fetichizados –quando Julia faz um exame ocular (!) com Pippa que,
à propósito, é oftalmologista (tudo neste filme, de um jeito ou de outro, se
relaciona com a questão do olhar); ou quando ambas, já amigas, visitam uma sauna
e vão despindo suas roupas.
Ao longo deste enxuto conto de suspense, pelo
menos, três reviravoltas aguardam pelo expectador, a medida que esse enredo se
desenrola: A primeira surge na metade de sua duração e confere ao andamento uma
atmosfera de tragédia que se reforça com os desdobramentos seguintes; a
segunda, se dá já na aproximação de seu desfecho e exige um pouco da
cumplicidade do público, tamanho é o seu nível de radicalismo, perversidade e –vá
lá! –inverossimilhança; e a terceira é o fim propriamente dito, onde a manobra
final (e um tanto brutal!) da heroína torna a centralizar na trama a questão do
olhar e suas inúmeras e variadas aplicações.
O voyeurismo exercido por Michael Mohan,
portanto, está por todo o lugar: Na proposta de sua narrativa insidiosa, seja
ela na trajetória que pavimenta para seus personagens ou nas cenas convidativas
que oferece ao público, na postura da protagonista e em sua incapacidade de se
desvencilhar de encrencas que já acenam à distância, e na própria sugestão
implícita de sua narrativa.
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