quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Desejos Secretos

Muitos foram os realizadores franceses que souberam, durante a década de 1990, empregar a beleza acachapante da atriz Emmanuelle Beart em favor de sua dramaturgia.
Embora longe de ser o melhor caso, certamente, o trabalho de Regis Wagnier foi um bom exemplo; dirigindo e roteirizando o filme, ele resgatou a tumultuada história de tormento romântico de seus pais e escalou apropriadamente Emmanuelle para o papel de sua mãe.
Assombrosamente bela e eficaz em expressar uma melancolia de natureza peculiar e particular, ela por vezes valoriza o filme nos inúmeros momentos em que ele perde seu prumo ameaçando se tornar pesado ou enfadonho.
Emmanuelle é Jeanne que, na cena que abre o filme, conhece o militar Louis (Daniel Auteuil, então casado com Emmanuelle na vida real), em meio a um contratempo durante o casamento do irmão dele. A atração é instantânea e, em pouco tempo, o matrimônio é consumado. Contudo, é a transição da década de 1930 para 1940 e, como se sabe. A Segunda Guerra Mundial logo eclode na Europa, exigindo a presença de Louis na Alemanha –curiosamente, embora a guerra seja um dado essencial e importante à trama, o diretor Regis Wagnier se abstém de mostrar quaisquer cenas de conflito bélico.
Muitos anos se passam com Louis ausente. E em sua carência, Jeanne não rechaça a aproximação de outros homens, inclusive, a do soldado Henry (vivido por Samuel Le Bihan, de “O Pacto dos Lobos”) que na companhia do próprio Louis nas trincheiras terminou se enamorando por Jeanne –e dela se tornou amante até o retorno dele!
Quando Louis regressa Jeanne engravida e, embora até haja uma elipse de tempo com a intenção de deixar nebulosa a paternidade ao mesmo tempo não restam muitas dúvidas de que não é Louis o pai (!). Corroído de ciúme, ele a aceita.
Interessante notar a utilização mais econômica de Emmanuelle Beart nessa primeira parte: Desdobrando-se em expedientes narrativos para justificar um protagonismo de Louis (que o restante do filme tratará de contradizer), o diretor Wagnier trabalha muitas cenas em que fala-se da personagem dela, sem no entanto, sua presença.
É assim que descobrimos que, após o nascimento de gêmeos, Louis e Jeanne tomam a decisão de voltarem juntos para Berlim, onde ela engravida outra vez. Vem a ser durante o segundo parto que conheceremos aquele que a narrativa torna o amante mais importante na trama: O alemão Matthias (Gabriel Barylli) cuja afeição por Jeannie se inicia na noite em que ela dá à luz –um incidente com soldados retém Louis que acaba não podendo acompanhar Jeanne ao hospital, levando Matthias a fazê-lo.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, e o início da indisposição política da França na Indochina, Louis se vê no dever de deixar Jeanne só mais uma vez.
Durante esse período a relação com Matthias se estreita; e o protagonismo de Jeanne se estabelece e, por fim, se impõe: Ela tenta concretizar uma vida ao lado de Matthias inúmeras vezes, ressentida das ausências constantemente necessárias de Louis, porém, as circunstâncias e a natureza da própria função controladora dele impedem isso.
Em um de seus tantos retornos da Indochina, Jeanne chega a pedir por um posto que o mantenha próximo à família, e ele ganha assim o posto de adido militar em Damasco, na Síria.
Contudo, naquele ponto, a relação entre Jeanne e Matthias já se tornou intensa o bastante para leva-la a querer o divórcio –que Louis nega e leva os três a uma quase tragédia.
Regis Wagnier conduz seu filme embevecido pela história tão pessoal para ele próprio que quer narrar –ele se esquece, muitas vezes, de que essa proximidade sentimental e lúdica com tais eventos é mais uma experiência dele mesmo que do expectador; é difícil compreender por inteiro, a devoção por Jeanne que, não obstante o fascínio legítimo que Emmanuelle Beart empresta, é uma mulher adúltera, imatura e incorrigível –e assim mantem-se, sem jamais mudar.
Há simetria narrativa, lirismo e romantismo de sobra ao estilo francês em “Desejos Secretos”, mas nenhum desses elementos garante qualidade e interesse ao filme tanto quanto a presença inebriante de Emmanuelle Beart –aqui, por sinal, dividindo a cena com Daniel Auteuil depois do maravilhoso “A Vingança de Manon”, entre outros projetos.

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