Diferente de “As Bruxas de Salem” que promove
uma discussão mais austera e lúcida sobre a paranoia inerente àquele período da
Idade Média, o filme de Paul Naschy –nome artístico de Jacinto Molina, o
principal nome do terror espanhol –se entrega aparentemente de forma inexorável
ao viés mirabolante de uma premissa fantástica.
E o resultado arrisca ser tão reflexivo quanto
a peça de Arthur Miller.
Chegando com toda uma comitiva de magistrados a
Perignac, uma província interiorana, Bernard de Fossey (o próprio Paul Naschy)
é um inquisidor francês dando continuidade ao seu trabalho de varrer satanistas
das aldeias de seu país –e durante essa primeira parte, Naschy é hábil em usar
das próprias expectativas do público para passar a impressão de que serão esses
os vilões da história. Não será exatamente esse o caso. Bernard se hospeda na
casa no prefeito na qual é recebido por uma de suas filhas, Catherine (Daniela
Giordano, de “Pequenas Chamas”), cuja formosura mexe com seus instintos.
No entanto, Catherine já prometeu seu coração a
outro homem.
Na sequência, uma série de acusações e calunias
inicia o sangrento trabalho dos inquisidores: Eles torturam mulheres inocentes
para que sejam mortas na fogueira, sob a alegação nada confiável do aleijado do
lugar, Renover (Antonio Iranzo), que as coloca em apuros como forma de
compensar seu ressentimento por nunca ter recebido delas qualquer atenção.
Quando fica clara a chacina desgovernada que os
inquisidores promoverão na província, e mais especificamente, quando seu
pretendente é morto numa emboscada na estrada –e ela enfia na cabeça que isso é
obra de Bernard –Catherine toma a decisão de unir-se às bruxas locais para
adquirir poder o suficiente para destruí-lo; e, no pacto elusivo com o demônio
que se segue, vemos (certamente pelo ponto de vista de Catherine) as feições do
Diabo com o rosto também de Paul Naschy, ou seja, do próprio Bernard.
Uma fábula sobre impressões subjetivas de
vingança, desejo, crime e castigo, “Inquisição” se vale de sua atmosfera
envolvente, popularesca e peculiar de filme de terror para subverter aquilo que
o público dele espera –nada é, efetivamente aquilo que aparenta ser. As intervenções
sobrenaturais, até certo ponto bastante fundamentais à trama, podem, ao fim,
terem sido meros produtos alucinatórios, como ratifica um médico –talvez, o
único personagem sensato em todo o filme –já no desfecho. Assim como na morte
do noivo de Catherine nunca fica claro que foi realmente um assassinato
encomendado.
Usando com propriedade e convicção uma série de
elipses (talvez, para disfarçar algum limite orçamentário), muita nudez e
referências cinematográficas pertinentes para si e para o público –há um
momento em que Bernard tem até uma visão da Morte, personificada com as mesmas
características icônicas idealizadas por Ingmar Bergman no clássico “O Sétimo Selo” –o diretor Paul Naschy fez uma obra que flagra o expectador com uma
imprevista observação sensata das insanidades muito pitorescas daquele período.
E de quebra, ainda fez um
filme muito bom.
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