A força alegórica do texto de Arthur Miller já
era o grande trunfo na versão teatral de “The Curcible” e assim continua sendo
em sua transposição cinematográfica.
Com efeito, um texto necessita de grandes
atores para evidenciarem, aos olhos nem sempre atentos do público, sua
relevância, e se em princípio, o diretor Nicholas Hytner (de “O Outro Lado da
Nobreza”) construiu sua narrativa a partir do pressuposto de que esses grandes
atores seriam Daniel Day-Lewis e Winona Ryder, a realidade prática tratou de
modificar essa equação: Day-Lewis é, de fato, grande, mas aqui não brilhou como
de costume; quem injeta vigor, autenticidade e sangue fresco à narrativa são
seus primorosos coadjuvantes, Joan Allen (maravilhosa como a esposa dedicada do
protagonista) e Paul Scofield (espetacular como o juiz veterano chamado para
pôr as coisas em seus devidos lugares).
Quando o dramaturgo Arthur Miller concebeu sua
peça teatral nos anos 1950, os EUA –sobretudo, sua classe artística –viviam o
medo de uma perseguição ideológica aos comunistas movida pelo Senador Joseph
McCarthy, apropriadamente apelidada de “caça às bruxas”.
A peça de Miller se apropriava dessa alcunha
para construir uma alegoria explícita sobre a paranóia e o uso manipulador do
medo.
Em meados do século XV, nas regiões fronteiriças
entre o Canadá e os EUA, a adolescente Abigail (Winona) é flagrada ao lado de
outras jovens naquilo que parece ser um ritual de bruxaria. Apaixonada pelo
camponês casado John Proctor (Day-Lewis), Abigail, em sua inconseqüência,
desejava um meio de livrar-se da esposa dele, Elizabeth (Joan).
Todavia, isso leva ela e outras meninas a serem
acusadas de bruxaria.
Durante o próprio processo, contudo, Abigail
percebe como usar as superstições e a histeria das pessoas do vilarejo em seu
proveito: A localidade é assolada pelas revelações perplexas e balbuciantes
dela, que diz ter visões e premonições acerca dos verdadeiros satanistas
escondidos no povoado.
Se antes estava prestes a ser julgada como
bruxa, e a ser queimada na fogueira por isso, agora, Abigail passa a acusar e
apontar supostas pessoas também envolvidas em bruxaria, entre as quais,
Elizabeth, a resignada esposa do agricultor de quem era amante, para o
desespero do próprio John Proctor.
Uma situação caótica se instala.
Ao relatar fatos similares aos transcorridos na
Idade Média, Arthur Miller fez assim uma parábola ao cerco ideológico aos
comunistas do Senador McCarthy, sublinhando através dessas situações a
insidiosa polarização do medo, o ranço hipócrita quando as intenções
particulares inevitavelmente interferem com a imparcialidade, a facilidade
aterradora com que os dogmas sobrepujam a lógica, e acima de tudo, os pretextos
banais (e depois de algum tempo, nebulosos) com que os homens infligem
sofrimento e opressão aos seus semelhantes.
Como algumas das grandes
obras já realizadas, um lembrete pertinente e necessário de nosso próprio
potencial para o mal.
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