terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

O Poder da Sedução


 Durante a década de 1990, a repercussão estrondosa de “Instinto Selvagem” redefiniu a noção do cinema comercial hollywoodiano: De repente, um erotismo mais despudorado e irrestrito havia deixado o nicho de produções estilo privê virando tendência entre blockbusters, e atrizes com personagens menos recatadas ganhavam notoriedade. Dentre essa inusitada leva, “O Poder da Sedução”, de John Dahl, ganhou destaque por trazer esses elementos acompanhados de uma improvável sensatez na sua mistura e uma qualidade pulsante em sua realização.

Ele ganhou certa fama, à época, quando vários críticos afirmaram e reafirmaram que ele poderia ter ganhado uma indicação ao Oscar, não tivesse sido, antes do lançamento nos cinemas, exibido na TV a cabo –segundo as regras vigentes do Oscar, um longa-metragem não poderia ter uma exibição televisiva anterior à sua estréia cinematográfica.

Sua estrela era a então não muito conhecida Linda Fiorentino –atriz com a palavra femme fatale escrita na testa! –que depois participou de “Homens de Preto” e buscou seguir os passos de Sharon Stone no irregular thriller erótico “Jade”. Ela é, sem sombra de dúvidas, a grande revelação em “O Poder da Sedução”; assim como a habilidade insuspeita ostentada pelo diretor John Dahl.

Trabalhando como gerente numa pequena empresa de vendas telefônicas, Bridget (Linda) ambiciona uma vida melhor, algo que talvez esteja se aproximando quando seu marido, Clay (Bill Pullman) realiza uma grande venda de anfetaminas e vai para casa com uma bolada. Entretanto, Bridget é vítima de violência doméstica e, vingativa, não pestaneja ao abandonar Clay na primeira oportunidade. Detalhe: Levando consigo toda a grana!

Amparado em elementos que remetem abertamente à “Psicose”, de Hitchcock (o início onde a protagonista foge deliberadamente com o dinheiro), e sobretudo, ao filme noir americano (todas as tramóias e traições que se sucedem a partir daí), o roteiro de Steve Barancik, deste ponto em diante, se torna uma coleção de pequenas sacadas que beiram a genialidade, fazendo a trama avançar com rara inteligência, malícia e personalidade.

Bridget vai se esconder numa cidadezinha chamada Beston, e lá de pronto conhece Mike (Peter Berg) com quem inicia um relacionamento definido acima de tudo pelo sexo. Logo em seguida, aconselhada por seu advogado (J.T. Walsh, de “Os Imorais”), Bridget muda de nome –passa a se chamar Wendy Kroy –e resolve esconder-se em Beston por um tempo: Mesmo de posse do dinheiro, tudo que ela comprar será potencialmente dividido com Clay, a menos que ela obtenha, em cerca de dois anos, o divórcio, para então poder gastar tranquilamente seu dinheiro.

Mas, Clay não pretende deixar barato –até porque, os agiotas que lhe pegam no pé não deixariam –e coloca o detetive Harlan (Bill Nunn), no encalço de sua esposa fugitiva.

Enquanto todas essas peças se movimentam –algumas com guinadas notáveis de esperteza e senso de reviravolta –um plano nebuloso de Bridget segue em gestação; envolvendo o ingênuo Mike, sua intenção de deixar Beston para sempre, sua atração quase obcecada por aquela mulher misteriosa, sensual e intratável que surgiu em sua vida, e alguns segredos que ele se esforça para esconder de todos daquela região.

Hábil como pouquíssimas obras são capazes de ser, “O Poder da Sedução” disfarça suas qualidades extraordinárias por trás de uma realização de aspectos humildes e singelos, enquanto foca numa história primorosamente bem construída e, num conceito, certamente arrojado –mesmo o muito mais influente “Instinto Selvagem’ partia de princípios básicos subjetivos onde o protagonista masculino era os olhos do público; aqui (ainda que John Dahl seja mais econômico do que Paul Verhoeven no que tange à cenas de sexo) nem se discute que o papel principal seja sem dúvidas o de Bridget/Wendy. E mesmo diante desse protagonismo, em momento algum a produção se esforça no sentido de torná-la uma personagem mais palatável, mais agradável ao expectador; do início ao fim, Bridget/ Wendy é dissimulada, ardilosa, traiçoeira e calculista, e em momento algum, perde o interesse do público por isso.

Mérito da atriz que soube interpretar com astúcia e adequação uma personagem concebida com rara solidez, do roteirista Steve Barancik, autor de uma das mais formidáveis revisões do filme noir nos anos 1990 (ombreando com a obra-prima “Los Angeles-Cidade Proibida”), e do diretor John Dahl, extremamente talentoso em identificar esses e vários outros ótimos elementos.

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