quinta-feira, 31 de maio de 2018

Psicose


Mais do que qualquer outro obra de Hitchcock, “Psicose” deixou evidente uma certa empatia nutrida pelo mestre do suspense, enquanto contador de histórias, por tipos notadamente sociopatas.
Hitchcock vinha do que os críticos apressadamente chamaram de “o auge de sua carreira”: O sucesso de público e crítica de “Intriga Internacional”.
O projeto seguinte, por comparação, seria inescapavelmente inferior. Dessa forma, Hitchcock resolveu radicalizar em inúmeros sentidos; inclusive, abraçando a redundância do projeto ao inspirar-se na obscura história do psicopata Ed Gein (que, depois deste, influenciou diversos outros filmes incluindo “O Massacre da Serra Elétrica”), e ao arcar com uma produção menor, preenchida pelos técnicos de sua série televisiva (“Alfred Hitchcock Presentes”) e com isso, dispondo de uma então inédita oportunidade de transgressão –os percalços desse projeto são romantizados no filme “Hitchcock”, com Anthony Hopkins.
Visto hoje, não se percebe essa transgressão em “Psicose” –a sua fotografia em preto & branco (notável, por sinal) e sua técnica enganosamente simples não deixam mentir –mas, o apelo desta obra de Hitchcock vai muito além de sua superficial capacidade de chocar.
Marion Crane (Janet Leight) é uma secretária de um empresário de negócios escusos. Ao lado do amante (John Gavin), ela esboça a possibilidade de passar a perna no patrão dando-lhe um desfalque e, desse golpe, sair com uma bolada em dinheiro.
Ela o faz e a combinação é de encontrar seu companheiro num determinado lugar.
A caminho desse ponto de encontro e disposta a fugir de todos os que desconfiarem dela, Marion se hospeda, de madrugada, em um motel de beira de estrada, gerenciado por um certo Norman Bates (Anthony Perkins, num dos personagens mais antológicos do gênero).
Embora aparente acanhamento, inocência fugidia e timidez fora do comum, Norman esconde um segredo terrível –que responde, por sua vez, a uma das grandes surpresas do filme!
Quando Marion é assassinada (na famosa ‘seqüência do chuveiro’ talvez o momento mais memorável e mais espetacularmente indicativo da maestria de Hitchcock) as intenções do diretor em romper com alguns paradigmas vão se revelando; afinal, o filme está quase em sua metade quando ele mata aquela que parecia até então ser sua personagem principal!
A cena em si não só impressiona por isso, mas também porque nela Hitchcock emprega elementos de puro brilhantismo em conjunto: A montagem persuasiva e inquieta de George Tomasini, a música febril e instigante de Bernhard Hermann e os ângulos inusitados de câmera.
Surge então a irmã de Marion, Lila Crane (Vera Miles) ao lado do amante dela, assim como um detetive (Martin Balsam), todos personagens que, no restante do filme, irão orbitar o motel e a estranhamente macabra casa onde Norman vive com sua mãe.
O suspense de Alfred Hitchcock, então, dispôs suas cartas na mesa e até seu encerramento –que se dá sem delongas nesta obra enxuta e objetiva –o mestre irá explorar cada ambiente e circunstância criada para essa premissa, transformando-a numa sucessão de cenas extraordinárias: Norman Bates tentando se livrar do carro de Marion às voltas com os próprios infortúnios dessa execução; o assassinato do detetive no alto de uma escadaria; e a revelação final, até hoje, mesmo diante do fato de que quase toda a humanidade conhece tal plot, um dos momentos de primeira grandeza do cinema.
Ao dar prosseguimento à “Intriga Internacional” (que ele mesmo estava convencido de ser seu melhor filme), Hitchcock optou por conceber na seqüência um filme menor que, ao menos, fosse saboroso, e eis que dessa intenção terminou moldando uma de suas obras-primas.

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