sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Regras da Vida

Dentre os indicados ao Oscar de Melhor Filme em 1999, não havia muito o que se discutir diante do favoritismo de “Beleza Americana”, contudo, um filme pequeno, singelo e essencialmente emocionante destacou-se, levando o Oscar de Melhor Roteiro Original para John Irving, autor do próprio romance no qual se baseava.
De fato, através das mais diversas perspectivas em que se enxerga a trama, o script de “Regras da Vida” é, por vezes, seu elemento mais admirável.
Porém, há muitos outros mais.
Quando o filme se inicia, somos apresentados à Homer Wells (Tobey Laguire), um jovem que cresceu em um orfanato do Maine, nos anos 1940. Enquanto via as demais crianças crescerem e partirem, ele ficou lá como discípulo do médico-chefe do orfanato (Michael Caine), cirurgião que além de zelar pelos orfãos realizava abortos ilegais aos que precisavam.
Essa ótima e prazerosa primeira parte, onde conhecemos em minúcia o personagem principal, também deixa claro suas posturas morais, ao mesmo tempo em que já revela a ambigüidade brilhante do personagem de Michael Caine: Um médico que pratica abortos e que (tal qual o autor do roteiro) defende sua realização, quando necessário. Todavia, ele é também o homem responsável por dar uma vida mais digna a inúmeras crianças de seu orfanato.
É com essa dualidade, presente ao longo do filme todo, que Irving transforma seu filme quase em um tratado político que discute as necessidades obscuras da prática do aborto.
A sacada verdadeiramente genial do filme é levantar essa discussão sem, no entanto, materializar um filme escandaloso ou polêmico; na verdade, fazendo com que muitos expectadores nem percebam que é sobre o aborto que, em essência, o filme fala.
Dito isso, é até fácil perceber o conteúdo até metafórico que envolve sua trama: Um belo dia chega ao orfanato um jovem casal procurando pelos serviços do doutor (a bela Charlize Theron e Paul Rudd), e Homer aproveita a oportunidade para viajar pelo mundo, ser senhor do próprio destino.
Mas, a vida, como ele irá descobrir tem suas idas e vindas, e é preciso aprender a viver conforme suas regras.
Homer é, portanto, uma pessoa que se coloca contrária ao aborto, mas precisa rever essa postura não só literalmente (quando a vida lhe confronta com algumas surpresas), como também metaforicamente (quando ele queima as “regras da casa da cidreira” –tradução do título original do filme, à propósito –sugerindo um rompimento para com as regras vigentes das convenções).
O profundo entendimento dessa questão responde belo grande brilho deste belíssimo drama de época do diretor sueco Lasse Hallstrom (de "Minha Vida de Cachorro"), provavelmente seu melhor trabalho desde que fora filmar nos EUA. Sensível trabalho do jovem Tobey Maguire (e que lhe valeu, segundo consta, a escalação para ser Peter Parker em “Homem-Aranha”, de Sam Raimi) e estupenda interpretação do veterano Michael Caine, pela qual ele venceu o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1999.

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