Dentre os indicados ao Oscar de Melhor Filme em
1999, não havia muito o que se discutir diante do favoritismo de “Beleza
Americana”, contudo, um filme pequeno, singelo e essencialmente emocionante
destacou-se, levando o Oscar de Melhor Roteiro Original para John Irving, autor
do próprio romance no qual se baseava.
De fato, através das mais diversas perspectivas
em que se enxerga a trama, o script de “Regras da Vida” é, por vezes, seu
elemento mais admirável.
Porém, há muitos outros mais.
Quando o filme se inicia, somos apresentados à Homer
Wells (Tobey Laguire), um jovem que cresceu em um orfanato do Maine, nos anos 1940.
Enquanto via as demais crianças crescerem e partirem, ele ficou lá como
discípulo do médico-chefe do orfanato (Michael Caine), cirurgião que além de
zelar pelos orfãos realizava abortos ilegais aos que precisavam.
Essa ótima e prazerosa primeira parte, onde
conhecemos em minúcia o personagem principal, também deixa claro suas posturas
morais, ao mesmo tempo em que já revela a ambigüidade brilhante do personagem
de Michael Caine: Um médico que pratica abortos e que (tal qual o autor do
roteiro) defende sua realização, quando necessário. Todavia, ele é também o
homem responsável por dar uma vida mais digna a inúmeras crianças de seu
orfanato.
É com essa dualidade, presente ao longo do
filme todo, que Irving transforma seu filme quase em um tratado político que
discute as necessidades obscuras da prática do aborto.
A sacada verdadeiramente genial do filme é
levantar essa discussão sem, no entanto, materializar um filme escandaloso ou
polêmico; na verdade, fazendo com que muitos expectadores nem percebam que é
sobre o aborto que, em essência, o filme fala.
Dito isso, é até fácil perceber o conteúdo até
metafórico que envolve sua trama: Um belo dia chega ao orfanato um jovem casal
procurando pelos serviços do doutor (a bela Charlize Theron e Paul Rudd), e
Homer aproveita a oportunidade para viajar pelo mundo, ser senhor do próprio
destino.
Mas, a vida, como ele irá descobrir tem suas
idas e vindas, e é preciso aprender a viver conforme suas regras.
Homer é, portanto, uma pessoa que se coloca
contrária ao aborto, mas precisa rever essa postura não só literalmente (quando
a vida lhe confronta com algumas surpresas), como também metaforicamente
(quando ele queima as “regras da casa da cidreira” –tradução do título original
do filme, à propósito –sugerindo um rompimento para com as regras vigentes das
convenções).
O profundo entendimento
dessa questão responde belo grande brilho deste belíssimo drama de época do
diretor sueco Lasse Hallstrom (de "Minha Vida de Cachorro"),
provavelmente seu melhor trabalho desde que fora filmar nos EUA. Sensível
trabalho do jovem Tobey Maguire (e que lhe valeu, segundo consta, a escalação
para ser Peter Parker em “Homem-Aranha”, de Sam Raimi) e estupenda interpretação
do veterano Michael Caine, pela qual ele venceu o Oscar de Melhor Ator
Coadjuvante em 1999.
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