quinta-feira, 31 de maio de 2018

A Verdade Nua


Inspirado no que alguns dizem tratar-se de eventos que remetem à dupla Jerry Lewis e Dean Martin (cuja caracterização de Kevin Bacon e Colin Firth, ambos excelentes, guarda aspetos tantos deliberadamente estudados como propositadamente diferenciados), o diretor canadense Atom Egoyan compõe uma charmosa narrativa a partir de cenas entrecruzadas cronologicamente e múltiplas narrações, bem ao seu gosto fragmentado e elusivo.
“Where The Truth Lies” –a ironia contraditória do título original também já dá sinais da natureza reflexiva do filme –começa com Karen O’ Connor (Alison Lohman), uma jovem jornalista especulando sobre a possibilidade de escrever uma espécie de biografia sobre a celebradíssima dupla de humoristas Lanny Morris (Kevin Bacon) e Vince Collins (Colin Firth). Juntos, eles fizeram grande sucesso no showbizz, inclusive apresentando por muitos anos o indefectível Teleton –campanha televisiva profundamente relacionada aos valores familiares e à caridade.
Ao colher uma série de depoimentos, ela esbarra num nebuloso caso, ocorrido a quinze anos, no auge da carreira dos dois, que, por razões nunca antes esclarecidas, resultou no irreversível rompimento deles, em um punhado de suspeitas e acusações sórdidas, e sobretudo, na morte sem solução (homicídio ou suicídio?) de uma jovem camareira.
Quando chega no ponto em que a verdade do que se passou se descortina para ela, Karen (que num dado momento envolve-se numa sensacional cena erótica!), contudo, já singrou um certo ponto de não retorno referente às posturas morais que parecem separar as pessoas comuns (entre os quais ela antes se incluía) e os indivíduos de postura, índole e caráter volúvel que habitam aquele pernicioso mundo de fama.
Se a história –carregada de facetas de film noir onde os meandros dos acontecimentos servem, em sua riqueza de detalhes, à elucidação da trama (ou à complicação caudalosa dela) –já não fosse suficientemente complexa e elaborada, o diretor Egoyan exercita também uma veia mais pop sem deixar de lado seu fascínio pelas impressões metafísicas de uma narrativa intrincada, com elementos que vão se somando extraídos de diferentes pontos ao longo de uma cronologia que se embaralha e de eventos narrados numa montagem simultânea que se revela desafiadora.
Sua experiência com esse tipo de enredo jamais deixa que o filme se torne confuso ou pedante –naquela que é sua mais salutar característica –e ainda permite abrir espaço para reflexões que só um grande realizador pode suscitar: Até que ponto a busca pela verdade é um objetivo de fato válido? Qual é a dicotomia (explorada a fundo pelo cinema noir mais nunca realmente esclarecida) entre a fama, a promiscuidade e a mentira? Qual a diferença entre os comportamentos dúbios que nos tornam excluídos e aqueles que nos tornam especiais?
Um ótimo filme visto com certa obscuridade já que aquilo que o faz charmoso (sua narrativa entrecortada, fragmentada e auto-consciente) é justamente o que, para algumas platéias, o torna melindroso de se compreender.

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