Inspirado no que alguns dizem tratar-se de
eventos que remetem à dupla Jerry Lewis e Dean Martin (cuja caracterização de
Kevin Bacon e Colin Firth, ambos excelentes, guarda aspetos tantos
deliberadamente estudados como propositadamente diferenciados), o diretor
canadense Atom Egoyan compõe uma charmosa narrativa a partir de cenas
entrecruzadas cronologicamente e múltiplas narrações, bem ao seu gosto
fragmentado e elusivo.
“Where The Truth Lies” –a ironia contraditória
do título original também já dá sinais da natureza reflexiva do filme –começa
com Karen O’ Connor (Alison Lohman), uma jovem jornalista especulando sobre a
possibilidade de escrever uma espécie de biografia sobre a celebradíssima dupla
de humoristas Lanny Morris (Kevin Bacon) e Vince Collins (Colin Firth). Juntos,
eles fizeram grande sucesso no showbizz, inclusive apresentando por muitos anos
o indefectível Teleton –campanha televisiva profundamente relacionada aos
valores familiares e à caridade.
Ao colher uma série de depoimentos, ela esbarra
num nebuloso caso, ocorrido a quinze anos, no auge da carreira dos dois, que,
por razões nunca antes esclarecidas, resultou no irreversível rompimento deles,
em um punhado de suspeitas e acusações sórdidas, e sobretudo, na morte sem
solução (homicídio ou suicídio?) de uma jovem camareira.
Quando chega no ponto em que a verdade do que
se passou se descortina para ela, Karen (que num dado momento envolve-se numa
sensacional cena erótica!), contudo, já singrou um certo ponto de não retorno
referente às posturas morais que parecem separar as pessoas comuns (entre os
quais ela antes se incluía) e os indivíduos de postura, índole e caráter volúvel
que habitam aquele pernicioso mundo de fama.
Se a história –carregada de facetas de film
noir onde os meandros dos acontecimentos servem, em sua riqueza de detalhes, à
elucidação da trama (ou à complicação caudalosa dela) –já não fosse
suficientemente complexa e elaborada, o diretor Egoyan exercita também uma veia
mais pop sem deixar de lado seu fascínio pelas impressões metafísicas de uma
narrativa intrincada, com elementos que vão se somando extraídos de diferentes
pontos ao longo de uma cronologia que se embaralha e de eventos narrados numa
montagem simultânea que se revela desafiadora.
Sua experiência com esse tipo de enredo jamais
deixa que o filme se torne confuso ou pedante –naquela que é sua mais salutar
característica –e ainda permite abrir espaço para reflexões que só um grande
realizador pode suscitar: Até que ponto a busca pela verdade é um objetivo de
fato válido? Qual é a dicotomia (explorada a fundo pelo cinema noir mais nunca
realmente esclarecida) entre a fama, a promiscuidade e a mentira? Qual a
diferença entre os comportamentos dúbios que nos tornam excluídos e aqueles que
nos tornam especiais?
Um ótimo filme visto com certa obscuridade já
que aquilo que o faz charmoso (sua narrativa entrecortada, fragmentada e
auto-consciente) é justamente o que, para algumas platéias, o torna melindroso
de se compreender.
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