quinta-feira, 31 de maio de 2018

Kids


Larry Clark despontou, em meados dos anos 1990, como uma força do cinema independente usando muito da possibilidade de transgressão dessa liberdade criativa como forma de promover o próprio nome. O grande título ao qual ele é relacionado –e o mais marcante filme até então já feito por ele –é “Kids”.
Todas as suas realizações que se seguiram ao longo dos anos não passaram de reedições, revisões e reaproveitamentos do material que ele trabalha nesta obra.
Co-roteirizado por Clark em parceria com Harmony Korine, “Kids” já começa deixando bem clara sua intenção de chocar: A câmera (prerrogativamente na mão) mostra um casal adolescente dentro de um quarto trocando um beijo que, no registro com que é realizado, consegue enojar o expectador.
O garoto é Telly (Leo Fitzpatrick, o asqueroso vilãozinho do filme) e a garota é uma de suas conquistas: Com algumas palavras ensaiadas –e que ele repetirá a outras garotas –ele a convence a transar com ele pela primeira vez, ainda que logo fique bem claro que, para ele, ela não significa coisa alguma.
O que Telly quer não é exatamente fazer sexo com virgens: Ele quer poder se gabar aos amigos daquilo que conseguiu fazer. Quer enumerar virgens uma após a outra, e em conversas subsequentes, reafirmar sua indiferença por elas.
Porque Telly, assim como Casper (Justin Charles Pierce) seu melhor amigo, não tem absolutamente nada o que fazer a não ser isso; e ao sair da casa de sua última conquista, já vocifera as bravatas de como irá atrás da próxima, que vem a ser Ruby (Rosario Dwason, em sua estreia no cinema).
Mas, Telly tem AIDS –ou ele não sabe, ou não se importa com isso –e Jennie (Chloe Sevigny, uma jovem atriz bem corajosa), com quem ele fez sexo dias antes, descobriu que contraiu dele, e por isso, passará o resto do dia tentando encontrá-lo, para lhe alertar, e impedir que ele contamine outras garotas.
Não que isso importe: Não há qualquer traço de julgamento moral no comportamento dele e de seus amigos, como veremos ao longo do filme, cujo enredo é tão somente o registro da banalidade do dia a dia, a absoluta falta de perspectiva de uma juventude, acarretada pela pouca exigência de responsabilidades ou de necessidades, amplificada ainda mais pelo fulgor natural dessa etapa, pelas descobertas sexuais inconsequentes, e pela ausência de valores que leva ao mau-caratismo: Os adultos, quase inexistentes da narrativa, são quando muito flagrados com ares nostálgicos e nada realistas –caso do motorista de táxi.
Para enfatizar essa postura, Clark filma momentos desconcertantes onde esses jovens, além da fazer sexo, se embriagam e consomem drogas.
Há, contudo, uma intenção tão evidente e forçada em escandalizar que, logo, se percebe o tom pedante de “Kids” –em sua inexperiência, Clark exagera no pretenso aspecto documental e transforma seu filme num circo de horrores que se mantém contundente até o final: A busca de Jennie por tentar remediar o mal propagado por Telly não resulta em nada, e ainda propicia ainda mais mal; ela desmaia na festa onde tentou procurá-lo. Casper então a encontra e decide fazer sexo com ela (assim, sem consentimento, sem preâmbulos ou explicações!) e começa a penetrá-la de fato (a cena explícita se justifica porque os atores Justin Pierce e Chloe Sevigny eram, na época namorados na vida real!).
Não há qualquer razão para o expectador adentrar o mundo torpe de “Kids” sem preparar o espírito para um filme incômodo que caiu como um abalo sísmico nas discussões  sobre valores artísticos e relevância durante os anos 1990; o tempo mostrou que este nem é tampouco um filme bem dirigido ou bem realizado, o quê continua fazendo dele uma experiência genuína é seu registro absolutamente sem pudor da falta de freios morais.

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