Larry Clark despontou, em meados dos anos 1990,
como uma força do cinema independente usando muito da possibilidade de
transgressão dessa liberdade criativa como forma de promover o próprio nome. O grande
título ao qual ele é relacionado –e o mais marcante filme até então já feito
por ele –é “Kids”.
Todas as suas realizações que se seguiram ao
longo dos anos não passaram de reedições, revisões e reaproveitamentos do
material que ele trabalha nesta obra.
Co-roteirizado por Clark em parceria com Harmony Korine, “Kids” já começa deixando bem clara sua intenção
de chocar: A câmera (prerrogativamente na mão) mostra um casal adolescente dentro
de um quarto trocando um beijo que, no registro com que é realizado, consegue
enojar o expectador.
O garoto é Telly (Leo Fitzpatrick, o asqueroso
vilãozinho do filme) e a garota é uma de suas conquistas: Com algumas palavras
ensaiadas –e que ele repetirá a outras garotas –ele a convence a transar com
ele pela primeira vez, ainda que logo fique bem claro que, para ele, ela não significa
coisa alguma.
O que Telly quer não é exatamente fazer sexo
com virgens: Ele quer poder se gabar aos amigos daquilo que conseguiu fazer. Quer
enumerar virgens uma após a outra, e em conversas subsequentes, reafirmar sua
indiferença por elas.
Porque Telly, assim como Casper (Justin Charles
Pierce) seu melhor amigo, não tem absolutamente nada o que fazer a não ser isso;
e ao sair da casa de sua última conquista, já vocifera as bravatas de como irá
atrás da próxima, que vem a ser Ruby (Rosario Dwason, em sua estreia no
cinema).
Mas, Telly tem AIDS –ou ele não sabe, ou não se
importa com isso –e Jennie (Chloe Sevigny, uma jovem atriz bem corajosa), com
quem ele fez sexo dias antes, descobriu que contraiu dele, e por isso, passará
o resto do dia tentando encontrá-lo, para lhe alertar, e impedir que ele
contamine outras garotas.
Não que isso importe: Não há qualquer traço de
julgamento moral no comportamento dele e de seus amigos, como veremos ao longo
do filme, cujo enredo é tão somente o registro da banalidade do dia a dia, a
absoluta falta de perspectiva de uma juventude, acarretada pela pouca exigência
de responsabilidades ou de necessidades, amplificada ainda mais pelo fulgor
natural dessa etapa, pelas descobertas sexuais inconsequentes, e pela ausência
de valores que leva ao mau-caratismo: Os adultos, quase inexistentes da
narrativa, são quando muito flagrados com ares nostálgicos e nada realistas –caso
do motorista de táxi.
Para enfatizar essa postura, Clark filma
momentos desconcertantes onde esses jovens, além da fazer sexo, se embriagam e
consomem drogas.
Há, contudo, uma intenção tão evidente e
forçada em escandalizar que, logo, se percebe o tom pedante de “Kids” –em sua
inexperiência, Clark exagera no pretenso aspecto documental e transforma seu filme
num circo de horrores que se mantém contundente até o final: A busca de Jennie
por tentar remediar o mal propagado por Telly não resulta em nada, e ainda
propicia ainda mais mal; ela desmaia na festa onde tentou procurá-lo. Casper
então a encontra e decide fazer sexo com ela (assim, sem consentimento, sem
preâmbulos ou explicações!) e começa a penetrá-la de fato (a cena explícita se
justifica porque os atores Justin Pierce e Chloe Sevigny eram, na época namorados na vida real!).
Não há qualquer razão para o expectador
adentrar o mundo torpe de “Kids” sem preparar o espírito para um filme incômodo
que caiu como um abalo sísmico nas discussões
sobre valores artísticos e relevância durante os anos 1990; o tempo
mostrou que este nem é tampouco um filme bem dirigido ou bem realizado, o quê
continua fazendo dele uma experiência genuína é seu registro absolutamente sem
pudor da falta de freios morais.
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