quarta-feira, 30 de maio de 2018

Vagas Estrelas da Ursa


A filmografia de Luchino Visconti sempre foi plena de subtexto, mas poucos de seus filmes almejaram um alcance tão profundo e difícil quanto “Vagas Estrelas da Ursa”.
O filme –cujo título parte dos primeiros versos de um poema de Leonardi recitado por um dos personagens –gira em torno de Sandra, que logo conhecemos numa festa ao lado do marido Andrew (Michael Craig), renomado músico.
É Luchino Visconti não deixando escapar a chance de retratar a classe burguesa com suas angústias e segredos ocultos perceptíveis em meio às frestas da ostentação.
Percebemos de imediato o quanto Sandra é desejável –fato potencializado na escolha de Claudia Cardinale para interpretá-la –e com isso, ao fazer de Claudia o corpo em torno do qual respiram todas as reflexões da narrativa, Visconti vislumbra também a intrigante tensão sexual entre ela e seu irmão Gianni (Jean Sorel) que se torna óbvia quando Sandra e Andrew viajam para a cidade de Volterra, local em que ela e Gianni viveram a infância e adolescência.
Separados ainda jovens por razões nunca completamente claras na condução implícita do diretor (mas, tornadas paulatinamente sugestivas e contundentes), Sandra e Gianni se reencontram para uma solene cerimônia que homenageará seu pai, morto durante a Segunda Guerra Mundial nos campos de Auschwitz.
Com o regresso e reunião dos dois, outros personagens –como o padrasto e a própria mãe –expressam uma inesperada (e em princípio injustificada) hostilidade que Andrew custará a compreender.
É o segredo que ambos guardam e que enche de silêncios sombrios muitas das passagens na encenação sempre precisa do diretor.
Mais do que um painel de considerações sociais, o quê Visconti elabora aqui são arranjos narrativos de uma tragédia universal e atemporal –enfática na sua referência ao conto de Electra –que abarca as pulsões obscuras do ser humano: O desejo, a ganância e o poder corrosivo desses dois elementos sobre a memória e os laços familiares.
Na elegância absoluta de seu trabalho, Visconti não cria um filme agressivo ou incômodo, apesar do espinhoso tema do incesto, pelo contrário, “Vagas Estrelas da Ursa” cintila o requinte e o primor de um mestre.

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