domingo, 23 de novembro de 2025

Emmanuelle


 Visto por toda uma geração como um inconteste clássico erótico –em grande parte graças à inesquecível presença de sua estrela Sylvia Kristel –“Emmanuelle”, de 1974, de Justin Jaeckin, ganhou em 2025 uma refilmagem que filtra seu conceito num prisma de inúmeras pautas da atualidade que consequentemente transfiguram a premissa a ponto de render, no fim das contas, um filme completamente diferente.

Dirigido por uma mulher, a francesa Audrey Diwan, o novo “Emmanuelle” revê conceitos paradigmáticos de erotismo (na maioria das vezes, empregados como fetiche e estímulo para a parcela masculina do público, mas, não aqui), avalia com diferentes posturas a busca por satisfação sexual de sua protagonista e, na atmosfera requintada, elíptica e ansiosamente distanciada do vulgar e do mundano, evoca elementos que fazem lembrar, e muito, “Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola.

Vivida pela francesa Noémie Merlant (coadjuvante em “Lee”, dona de um corpo escultural e de um charme inabalável, como tinha de ser), Emmanuelle –ou, pelo menos, presume-se que esse seja o seu nome, visto que não é mencionado durante do filme todo! –é, aqui, uma funcionária de altíssimo nível de uma rede de hotéis de luxo. A começar o filme, ela é designada para o Rosefield Hotel, em Hong Kong –e a mudança da protagonista para um local de ares asiáticos é um dos poucos tópicos no filme que realmente o aproximam do “Emmanuelle” original (no qual a heroína vai passar as núpcias na Tailândia)–contudo, esta Emmanuelle não está em lua-de-mel, ou atrelada à um homem como a Emmanuelle de Sylvia Kristel. A narrativa de incontornáveis bases feministas (ainda que amenizadas por um tratamento europeu mais sensato) faz dela uma mulher com uma missão: Seu papel é avaliar o desempenho do Hotel como um todo na recepção dos hóspedes (algo que, desde o início, se percebe ser de altíssimo nível) e da gerência de sua adminstradora, Margot Parson, vivida por Naomi Watts. O motivo: O Rosefield Hotel caiu algumas posições num importante ranking de avaliações, e os proprietários querem que Emmanuelle descubra o porquê. Aliás, mais do que isso, eles querem que ela encontre um erro na administração de Margot para poder fazer dela um bode expiatório nessa questão –e caso não encontre tal erro (nas entrelinhas, caso demonstre alguma compaixão por ela), Emmanuelle pode colocar em risco o próprio emprego.

Na sinopse, este novo “Emmanuelle”, portanto, se desvencilha completamente das redundâncias nas quais poderia se apontar a trama como um mero pretexto para a sucessão de cenas de nudez e sexo, convertendo-o num filme erótico convencional –o que, sejamos honestos, o “Emmanuelle” original já era, e ainda mais suas banais continuações. No entanto, há, sim, erotismo de sobra na obra da diretora Diwan: Emmanuelle é uma mulher independente, disponível e plena em sua sexualidade (adjetivos que não necessariamente espelhavam a primeira Emmanuelle), e uma vez instalada no Rosefield Hotel, em Hong Kong, ela não deixa passar despercebido as oportunidades para desempenhar sua libido; na piscina do hotel, ela identifica a atividade constante de uma discreta e clandestina rede de acompanhantes sexuais, entre os quais a jovem Zelda (Chacha Huang), que eventualmente se torna amante da própria Emanuelle; todavia, a presença que, aos poucos, desestabiliza Emmanuelle de fato é Kei Shinohara (Will Sharpe, da série “The White Lotus”), um hóspede misterioso (nunca dorme em seu quarto, ninguém sabe ao certo sua ocupação e vive como um fantasma pelos corredores) cujas atitudes a confundem e a intrigam a ponto de levar Emmanuelle, em determinado momento, a questionar sua postura diante das exigências profissionais.

A verdade é que, nesta produção, sobrou muito pouco da “Emmanuelle” como ela é lembrada pelos seus fãs mais ardorosos –o filme poderia tranquilamente ter qualquer outro nome que, efetivamente, não teria qualquer conexão com o filme estrelado por Sylvia Kristel, lembrando que, apesar disso tudo, ambos são, alegadamente, adaptações de um mesmo livro, “Emmanuelle”, publicado em 1967 pela autora Emmanuelle Arsan –o que a diretora Audrey Diwan, aliada à atriz Noémie Merlant, fez aqui foi repaginar radicalmente os conceitos que norteiam sua personagem. Não há qualquer vestígio de dependência de homens nesta Emmanuelle –eles, quando muito, surgem como uma ferramenta de preenchimento à suas carências eventuais, como o homem sem nome no início dentro do avião (que lhe proporciona sexo casual) ou o próprio Kei Shinohara (quase um guia espiritual para suas crises existenciais, e não interesse romântico de fato) –e o filme que ela protagoniza termina sendo uma realização que vai muito mais de encontro às fantasias femininas do que às fantasias masculinas: A Emmanuelle de Noémie Merlant é uma mulher mergulhada em luxo e beleza inesgotáveis; possui o trabalho dos sonhos e um guarda-roupa de celebridade; é empoderada, objetiva e altiva com pouquíssimos momentos a explorar sua vulnerabilidade; e absolutamente confortável com a própria sexualidade.

Um exemplo do que toda mulher almeja ter –muito mais do que sexo.

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