Visto por toda uma geração como um inconteste clássico erótico –em grande parte graças à inesquecível presença de sua estrela Sylvia Kristel –“Emmanuelle”, de 1974, de Justin Jaeckin, ganhou em 2025 uma refilmagem que filtra seu conceito num prisma de inúmeras pautas da atualidade que consequentemente transfiguram a premissa a ponto de render, no fim das contas, um filme completamente diferente.
Dirigido por uma mulher, a francesa Audrey
Diwan, o novo “Emmanuelle” revê conceitos paradigmáticos de erotismo (na maioria
das vezes, empregados como fetiche e estímulo para a parcela masculina do
público, mas, não aqui), avalia com diferentes posturas a busca por satisfação
sexual de sua protagonista e, na atmosfera requintada, elíptica e ansiosamente
distanciada do vulgar e do mundano, evoca elementos que fazem lembrar, e muito,
“Encontros e Desencontros”, de Sofia Coppola.
Vivida pela francesa Noémie Merlant (coadjuvante
em “Lee”, dona de um corpo escultural e de um charme inabalável, como tinha de
ser), Emmanuelle –ou, pelo menos, presume-se que esse seja o seu nome, visto
que não é mencionado durante do filme todo! –é, aqui, uma funcionária de
altíssimo nível de uma rede de hotéis de luxo. A começar o filme, ela é
designada para o Rosefield Hotel, em Hong Kong –e a mudança da protagonista
para um local de ares asiáticos é um dos poucos tópicos no filme que realmente
o aproximam do “Emmanuelle” original (no qual a heroína vai passar as núpcias
na Tailândia)–contudo, esta Emmanuelle não está em lua-de-mel, ou atrelada à um
homem como a Emmanuelle de Sylvia Kristel. A narrativa de incontornáveis bases
feministas (ainda que amenizadas por um tratamento europeu mais sensato) faz
dela uma mulher com uma missão: Seu papel é avaliar o desempenho do Hotel como
um todo na recepção dos hóspedes (algo que, desde o início, se percebe ser de
altíssimo nível) e da gerência de sua adminstradora, Margot Parson, vivida por
Naomi Watts. O motivo: O Rosefield Hotel caiu algumas posições num importante ranking de avaliações, e os
proprietários querem que Emmanuelle descubra o porquê. Aliás, mais do que isso,
eles querem que ela encontre um erro na administração de Margot para poder
fazer dela um bode expiatório nessa questão –e caso não encontre tal erro (nas
entrelinhas, caso demonstre alguma compaixão por ela), Emmanuelle pode colocar
em risco o próprio emprego.
Na sinopse, este novo “Emmanuelle”, portanto,
se desvencilha completamente das redundâncias nas quais poderia se apontar a
trama como um mero pretexto para a sucessão de cenas de nudez e sexo,
convertendo-o num filme erótico convencional –o que, sejamos honestos, o “Emmanuelle”
original já era, e ainda mais suas banais continuações. No entanto, há, sim,
erotismo de sobra na obra da diretora Diwan: Emmanuelle é uma mulher
independente, disponível e plena em sua sexualidade (adjetivos que não
necessariamente espelhavam a primeira Emmanuelle), e uma vez instalada no
Rosefield Hotel, em Hong Kong, ela não deixa passar despercebido as
oportunidades para desempenhar sua libido; na piscina do hotel, ela identifica
a atividade constante de uma discreta e clandestina rede de acompanhantes
sexuais, entre os quais a jovem Zelda (Chacha Huang), que eventualmente se
torna amante da própria Emanuelle; todavia, a presença que, aos poucos,
desestabiliza Emmanuelle de fato é Kei Shinohara (Will Sharpe, da série “The White Lotus”), um hóspede misterioso (nunca dorme em seu quarto, ninguém sabe
ao certo sua ocupação e vive como um fantasma pelos corredores) cujas atitudes
a confundem e a intrigam a ponto de levar Emmanuelle, em determinado momento, a
questionar sua postura diante das exigências profissionais.
A verdade é que, nesta produção, sobrou muito
pouco da “Emmanuelle” como ela é lembrada pelos seus fãs mais ardorosos –o
filme poderia tranquilamente ter qualquer outro nome que, efetivamente, não
teria qualquer conexão com o filme estrelado por Sylvia Kristel, lembrando que,
apesar disso tudo, ambos são, alegadamente, adaptações de um mesmo livro, “Emmanuelle”,
publicado em 1967 pela autora Emmanuelle Arsan –o que a diretora Audrey Diwan,
aliada à atriz Noémie Merlant, fez aqui foi repaginar radicalmente os conceitos
que norteiam sua personagem. Não há qualquer vestígio de dependência de homens
nesta Emmanuelle –eles, quando muito, surgem como uma ferramenta de
preenchimento à suas carências eventuais, como o homem sem nome no início dentro
do avião (que lhe proporciona sexo casual) ou o próprio Kei Shinohara (quase um
guia espiritual para suas crises existenciais, e não interesse romântico de
fato) –e o filme que ela protagoniza termina sendo uma realização que vai muito
mais de encontro às fantasias femininas do que às fantasias masculinas: A Emmanuelle
de Noémie Merlant é uma mulher mergulhada em luxo e beleza inesgotáveis; possui
o trabalho dos sonhos e um guarda-roupa de celebridade; é empoderada, objetiva
e altiva com pouquíssimos momentos a explorar sua vulnerabilidade; e
absolutamente confortável com a própria sexualidade.

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