A segunda temporada de “Twin Peaks” é praticamente simultânea em relação à primeira –os eventos estão intimamente ligados, a ponto de serem indivisíveis. Quando reencontramos os personagens, todos eles estão ainda no turbilhão dos acontecimentos do episódio final da primeira temporada, em especial, o Ag. Dale Cooper (Kyle MacLachlan) alvejado misteriosamente por um tiro! A diferença é que, se nos episódios finais do primeiro ano, “Twin Peaks” incorporou tintas mais convencionais de um suspense investigativo, aqui, no episódio de uma hora e meia que inicia a segunda temporada, a estranheza retorna com força total –sem sombra de dúvidas porque David Lynch (um tanto ausente ao longo de alguns episódios da temporada anterior) retorna aqui como diretor –e o estilo de Lynch logo se impõe sobre a narrativa, deixando em evidência o quanto as características de sua direção se diferenciam, e muito, dos demais realizadores que se revezaram na série (que incluem, entre outros, Leslie Linka Glatter, Uli Edel, James Foley e até mesmo a atriz Diane Keaton). O primeiro episódio da segunda temporada é surreal, intrigante, excêntrico, bizarro e desafiador.
Nessa sucessão de momentos desconcertantes
temos, portanto, a situação do Ag. Cooper, baleado e sangrando no chão de seu
quarto de hotel, enquanto um velhinho, mordomo do lugar, lhe serve leite,
parecendo incapaz de perceber a gravidade do ocorrido. Ao mesmo tempo, Audrey
Horne (Sherilyn Fenn) se vê quase como uma refém dentro do prostíbulo
financiado pelo próprio pai (Richard Beymer), indefesa e perdida, fruto de suas
tentativas em investigar por conta própria os suspeitos do assassinato de Laura
Palmer –o mistério que impulsiona, afinal, boa parte da série.
Outros acontecimentos que marcam a segunda
temporada são os trágicos desdobramentos da investigação pessoal de Donna (Lara
Flynn Boyle), James (James Marshall) e Maddie (Sheryl Lee, que interpreta
também a própria Laura Palmer), e a descoberta de Donna de um diário secreto de
Laura, em posse do estranho e alienado Harold (Lenny von Dohlen, de “Amores Eletrônicos”); e a nova dinâmica que surge entre os amantes Bobby (Dana
Ashbrook) e Shelly (Madchen Amick) depois que o marido dela, Leo (Eric Da Re),
é baleado e volta para casa em estado completamente vegetativo.
Contudo, as coisas não são somente flores na
segunda temporada de “Twin Peaks”: Bem mais extensa que a primeira (que possuía
apenas oito episódios contra os quase intermináveis vinte e dois desta aqui),
esta sessão teve de lidar o momentâneo abandono de David Lynch, certamente, a
grande força criativa e fonte da singular originalidade que diferenciava a
série. Ausente da série por conta de outros projetos e desentendimentos com os
produtores, Lynch, que dirigiu três dos (excelentes) episódios na primeira leva
desta segunda temporada, praticamente abandonou “Twin Peaks” por volta do
oitavo episódio –e essa ausência é tremendamente sentida! –deixando um vácuo
criativo que diminui a qualidade da série, torna seu enredo mais disperso e
convencional, e resguarda muito do mistério à um suspense mais genérico e sem
personalidade. É irônico que seja, mais ou menos nesse ponto, que o grande
enigma da série (“Quem matou Laura Palmer?”) comece a ser respondido –de uma
forma, por sinal, que vai na contramão à revelação bombástica que poderia estar
se esperando.
A nítida impressão é a de que este segundo ano
é mais do que uma única temporada: Essa ruptura diferencia completamente a
primeira dezena de episódios dos demais; a morte de Laura Palmer deixa de ser o
mote central do enredo, substituída por um jogo nebuloso de gato e rato entre o
Ag. Cooper e um vingativo ex-parceiro do FBI, Windom Earl (Kenneth Welsh),
cujas ameaças e crimes cometidos vão alterando as dinâmicas entre muitos dos
personagens a ponto de alguns deles perderem sua relevância dentro da premissa.
Donna e James, por exemplo, mergulham numa oscilação banal entre o suspense de
uma intriga paralela e os resquícios de um romance pouco válido; Audrey, após
idas e vindas desinteressantes entre situações nada pertinentes ganha um novo
interesse amoroso (vivido por Billy Zane); Bobby e Shelly veem sua trama se
dispersar (tentam viver juntos até que Leo, de quem cuidavam, foge) até virarem
quase figurantes em tramas de outrem; e o Ag. Cooper, destituído do posto de
agente do FBI, após alguns estranhos contratempos, acaba auxiliando o delegado
(Michael Ontkean) em seus casos usuais –quando uma série não sabe o que fazer
com seu próprio protagonista, isso é o indício de que algo está errado! –é aqui
também que o Ag. Cooper ganha um novo (e insosso) interesse amoroso nas formas
da atriz Heather Graham, onde aparece o personagem vivido por David Duchovny
(que anos depois faria história protagonizando a série “Arquivo X”), um agente
do DEA travesti chamado Denis/Denise, e o grande enigma de “Twin Peaks” –bem
mais até do que a morte de Laura –passa a ser a origem da maligna entidade Bob
(interpretado pelo assustador Frank Silva) e os segredos em torno do misterioso
black lodge.
Ainda assim, a partir de um certo ponto, é o
carisma desses personagens que sustenta “Twin Peaks”, na falta do mistério que
até então atraia a curiosidade dos expectadores, mas, por sorte, Lynch retorna,
em algum ponto dos últimos quatro episódios para, com seu talento desigual,
devolver à “Twin Peaks” sua singularidade: Embora muitos dos episódios
continuem maçantes (ele volta à interpretar o chefe de departamento do FBI,
Gordon Cole, surdo como uma porta!), Lynch se encarrega da direção do episódio
final, trazendo nele toda sua habilidade em manejar o surreal, o onírico e o
intrigante.
Apesar de demasiada longa, e certamente
testando a paciência do expectador em muitos dos capítulos que se seguem, a
segunda (e à epoca considerada a última) temporada de “Twin Peaks” se encerra
resgatando a atmosfera desafiadora com a qual se iniciou, e termina sem
terminar coisa alguma –muitos (senão todos) os personagens são abandonados numa
espécie de encruzilhada onde são deixados (e ao expectador) num vácuo
indiferente de destinos nebulosos e inconclusos.

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