quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Gandhi


À título de curiosidade, no ano de 1993, Steven Spielberg realizou o sucesso de público “Jurassic Park” contando no elenco com Richard Attenborough, diretor de “Gandhi”, e logo em seguida, fez o sucesso, desta vez de crítica, “A Lista de Schindler” contando, por sua vez, com Ben Kingsley, ator principal de “Gandhi”, no elenco.

Embora tenha ganhado mais fama como ator –e ele próprio insistia que nunca teve maiores pretensões em ser diretor –Richard Attenborough assumiu a direção do projeto que almejava levar a vida de Mohatma Gandhi para as telas; um objetivo pessoal que Attenborough, como produtor, acalentava desde a década de 1960. Nos letreiros iniciais, o filme já esclarece que a vida de uma pessoa dificilmente pode ser resumida com exatidão e fidelidade num único filme, embora hajam intenções salutares de que nele seja preservado seu espírito. Se isso soa como uma prova da humildade genuína com que Attenborough abraçou a produção, pro outro lado, o escopo épico empregado –e manejado com muito brilho –sugere o oposto.

Após o prólogo que já mostra a morte de Gandhi, em 1948, por meio de um atentado contra sua vida, regressamos até 1893, quando, ainda um jovem advogado indiano em viagem pela África do Sul, Mohandas K. Gandhi (Kingsley, estupendo no papel) se depara com a segregação imposta ao seu povo no convívio degradante com os colonizadores ingleses.

Gandhi se rebela, sobretudo, contra a prática de distribuírem passes aos indivíduos indianos e, a predisposição revolucionária descoberta ali passa então a definir o homem que ele se torna, seja em esfera íntima ou política –Gandhi descobre uma nova forma de protesto, aquela na qual a violência como resposta à própria violência não é considerada.

Munido dessas ideias, ele cria uma comunidade ao regressar para a Índia, e inicia um longo e árdua caminho para obter a independência de seu país do jugo da Inglaterra, que inclui a paralisação ante as leis opressores inglesas e a abnegação perante a retaliação violenta por seus protestos.

Ele encoraja a povo a fabricar suas próprias roupas (ele próprio dá o exemplo vestindo-se como um mendigo com vestimentas de algodão confeccionadas por ele mesmo!) e a preparar seu próprio sal, interferindo no ciclo vicioso que levava o próprio povo indiano a reabastecer a economia dos colonizadores ingleses.

Num cinema que remete à David Lean (por sinal, um dos diretores cogitados para o trabalho antes do próprio Attenborough assumir), somos testemunhas da trajetória de vida de Gandhi –então já nomeado ‘Mohatma’, cujo significado é Grande Espírito –em conjugação com sua abrangente influência sobre o povo indiano, e o irônico e doloroso detalhe de que, ao pregar a não-violência, acabam sendo exatamente o inverso, muitos dos efeitos suscitados por suas escolhas.

Gandhi é mostrado fazendo jejum até os extremos da desnutrição para convencer seu povo dos reais objetivos pelos quais estão lutando –e não por uma mera revanche contra seus dominadores.

Quando finalmente obtém a tão sonhada independência da Índia, Gandhi se depara com outra celeuma: Os muçulmanos (majoritários no país) não aceitam os hindus, o que coloca a Índia à beira de uma guerra civil para que seja oficializado o território do Paquistão –e para convencer todos a cessar hostilidades, lá vai Gandhi fazer mais uma greve de fome (esta, quase fatal, uma vez que já estava em avançada idade) até que a paz se instaura-se completamente.

“Gandhi” levou oito Oscar na cerimônia de 1983, incluindo Melhor Diretor para Attenborough e Melhor Ator para Ben Kingsley (cuja carreira apesar do incomensurável talento, demorou até desvencilhar-se da sombra esmagadora deste grande trabalho). São três horas e dez minutos onde presenciamos as contundentes renúncias e escolhas de vida de um personagem singular na História da Humanidade, sobre quem Albert Einstein disse: “As gerações futuras custarão a acreditar que alguém como ele, em carne e osso, realmente existiu neste mundo.” 

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