segunda-feira, 26 de setembro de 2016

A Lista de Schindler

Durante boa parte de sua carreira Steven Spielberg viu-se reduzido à pecha de diretor de filmes de fantasia, ainda que sua genialidade tenha se mostrado, desde sempre, incontestável. Suas incursões na área da dramaturgia séria eram, em geral, recebidas com intriga e um certo ar de desconfiança: Quando ele lançou “A Cor Púrpura” e “Império do Sol”, na segunda metade dos anos 1980, a excelência reconhecida desses filmes não impediu que muitos observassem o curioso desconforto de ver o estilo de Spielberg versar em torno de questões adultas, distantes das aventuras infanto-juvenis que àquela altura já tinham se tornado a sua marca.
Em 1993, contudo, Spielberg deu um basta nesse ciclo vicioso que parecia querer confiná-lo num só rotulo –valendo-se, é bem verdade, de uma campanha de marketing bem planejada e oportuna: Nesse mesmo ano, ele lançou o arrasa-quarteirão (hoje, também ele, um clássico) “Jurassic Park”, que retomou para si, durante alguns anos, o posto de maior bilheteria da história do cinema (que outrora, ele já tinha obtido com “E.T.-O Extraterrestre”) e, numa dobradinha digna de um dos grandes realizadores de todos os tempos, entregou também um filme adaptado do romance de Thomas Kennealy, ainda que dotado de características autorais, sério, sombrio até, profundamente enraizado no registro histórico da Segunda Guerra Mundial (ainda que, a rigor, não fosse um filme de guerra), filmado numa fotografia em preto & branco das mais deslumbrantes de todos os tempos e imbuído de uma emoção poderosa e irrestrita, que ainda tinha os méritos de evitar o sentimentalismo fácil, além de ultrapassar as três horas de duração.
Surgia assim “A Lista de Schindler”, um filme com tantos predicados notáveis que seria impossível que a Academia de Artes Cinematográficas (leia-se, o Oscar) o deixasse passar batido. E a campanha de marketing (que salientava o fato hercúleo de Spielberg ter entregado “Schindler” e “Jurassic” num mesmo ano) não deixava ninguém esquecer isso, aliada ao fato de que o filme tinha qualidades reais e inquestionáveis. 
Durante a ocupação nazista na Europa o magnata Oskar Schindler (Liam Neeson, sensacional) chega à Krakóvia disposto a fazer fortuna. Contando com a conivência de oficiais nazistas (cujo favoristismo ele obtém entre seus membros valendo-se de seu charme de bom-vivant), ele abre uma fábrica de panelas inicialmente com investidores judeus e mais tarde patrocinada pela própria Gestapo, sempre valendo-se das circunstâncias da guerra.
Seu grande aliado na empreitada é o relutante contador Isaac Stern (Ben Kingsley, num trabalho primoroso), que aos poucos começa a tímida, e cada vez mais constante, iniciativa de usar a fábrica para preservar vidas.
Quando toda a Polônia é tomada, e grande parte da Krakóvia convertida em um campo de concentração, regido pelo perigoso e irascível Amos Goethe (Ralph Fiennes, magnífico e ameaçador), Schindler passa a usar como mão-de-obra os judeus vindos do próprio campo. Não demora muito para que sua fábrica passe a ser chamada de refúgio.
No recorrer dos anos que fizeram a Segunda Guerra Mundial, Schindler ajudou a salvar a vida de milhares de judeus.
São muitos os momentos que o talento de Spielberg consegue tornar antológicos (a interminável e brutal seqüência da evacuação do gueto de Varsóvia; a cena em que um oficial ameaça um senhor judeu com uma pistola que insiste em não disparar; o momento emocionante em que Schindler percebe o valor da vida, e reconhece em lágrimas que podia ter salvo muito mais pessoas), mas poucos se igualam à magnífica seqüência final quando seu diretor converte o preto & branco à cores, e paralelamente o registro fictício ao documental, mostrando uma cena na qual todos os verdadeiros personagens do filme, ao lado dos intérpretes que os viveram, depositam uma pedra no túmulo de Oskar Schindler (num costume judeu) –uma única rosa é colocada ao fim, pelo próprio ator Liam Nesson.

Longo, emocionante, técnica e artisticamente irrepreensível, e não raro espetacular, “A Lista de Schindler” terminou conseguindo aquilo que todos esperavam, proporcionando a consagração de Steven Spielberg, e assim conquistando 7 prêmios Oscars em 1993, incluindo as cobiçadas estatuetas de Melhor Filme e Melhor Diretor. Hoje, ele tem uma honraria talvez ainda mais inestimável: É um dos melhores filmes da década de 1990.

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