Durante boa parte de sua carreira Steven
Spielberg viu-se reduzido à pecha de diretor de filmes de fantasia, ainda que
sua genialidade tenha se mostrado, desde sempre, incontestável. Suas incursões
na área da dramaturgia séria eram, em geral, recebidas com intriga e um certo
ar de desconfiança: Quando ele lançou “A Cor Púrpura” e “Império do Sol”, na
segunda metade dos anos 1980, a excelência reconhecida desses filmes não
impediu que muitos observassem o curioso desconforto de ver o estilo de
Spielberg versar em torno de questões adultas, distantes das aventuras
infanto-juvenis que àquela altura já tinham se tornado a sua marca.
Em 1993, contudo, Spielberg deu um basta nesse
ciclo vicioso que parecia querer confiná-lo num só rotulo –valendo-se, é bem
verdade, de uma campanha de marketing bem planejada e oportuna: Nesse mesmo
ano, ele lançou o arrasa-quarteirão (hoje, também ele, um clássico) “Jurassic
Park”, que retomou para si, durante alguns anos, o posto de maior bilheteria da
história do cinema (que outrora, ele já tinha obtido com “E.T.-O
Extraterrestre”) e, numa dobradinha digna de um dos grandes realizadores de
todos os tempos, entregou também um filme adaptado do romance de Thomas
Kennealy, ainda que dotado de características autorais, sério, sombrio até,
profundamente enraizado no registro histórico da Segunda Guerra Mundial (ainda
que, a rigor, não fosse um filme de guerra), filmado numa fotografia em preto
& branco das mais deslumbrantes de todos os tempos e imbuído de uma emoção
poderosa e irrestrita, que ainda tinha os méritos de evitar o sentimentalismo
fácil, além de ultrapassar as três horas de duração.
Surgia assim “A Lista de Schindler”, um filme
com tantos predicados notáveis que seria impossível que a Academia de Artes
Cinematográficas (leia-se, o Oscar) o deixasse passar batido. E a campanha de
marketing (que salientava o fato hercúleo de Spielberg ter entregado
“Schindler” e “Jurassic” num mesmo ano) não deixava ninguém esquecer isso,
aliada ao fato de que o filme tinha qualidades reais e inquestionáveis.
Durante a ocupação nazista na Europa o magnata
Oskar Schindler (Liam Neeson, sensacional) chega à Krakóvia disposto a fazer
fortuna. Contando com a conivência de oficiais nazistas (cujo favoristismo ele
obtém entre seus membros valendo-se de seu charme de bom-vivant), ele abre uma
fábrica de panelas inicialmente com investidores judeus e mais tarde
patrocinada pela própria Gestapo, sempre valendo-se das circunstâncias da
guerra.
Seu grande aliado na empreitada é o relutante
contador Isaac Stern (Ben Kingsley, num trabalho primoroso), que aos poucos
começa a tímida, e cada vez mais constante, iniciativa de usar a fábrica para
preservar vidas.
Quando toda a Polônia é tomada, e grande parte
da Krakóvia convertida em um campo de concentração, regido pelo perigoso e
irascível Amos Goethe (Ralph Fiennes, magnífico e ameaçador), Schindler passa a
usar como mão-de-obra os judeus vindos do próprio campo. Não demora muito para
que sua fábrica passe a ser chamada de refúgio.
No recorrer dos anos que fizeram a Segunda
Guerra Mundial, Schindler ajudou a salvar a vida de milhares de judeus.
São muitos os momentos que o talento de
Spielberg consegue tornar antológicos (a interminável e brutal seqüência da
evacuação do gueto de Varsóvia; a cena em que um oficial ameaça um senhor judeu
com uma pistola que insiste em não disparar; o momento emocionante em que
Schindler percebe o valor da vida, e reconhece em lágrimas que podia ter salvo
muito mais pessoas), mas poucos se igualam à magnífica seqüência final quando
seu diretor converte o preto & branco à cores, e paralelamente o registro
fictício ao documental, mostrando uma cena na qual todos os verdadeiros
personagens do filme, ao lado dos intérpretes que os viveram, depositam uma
pedra no túmulo de Oskar Schindler (num costume judeu) –uma única rosa é colocada ao fim, pelo próprio
ator Liam Nesson.
Longo, emocionante, técnica e artisticamente
irrepreensível, e não raro espetacular, “A Lista de Schindler” terminou
conseguindo aquilo que todos esperavam, proporcionando a consagração de Steven
Spielberg, e assim conquistando 7 prêmios Oscars em 1993, incluindo as
cobiçadas estatuetas de Melhor Filme e Melhor Diretor. Hoje, ele tem uma
honraria talvez ainda mais inestimável: É um dos melhores filmes da década de
1990.
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