segunda-feira, 18 de junho de 2018

Os Imorais


Martin Scorsese (que também atua como produtor) surge como narrador exclusivamente na cena inicial onde são introduzidos os meandros complexos da protagonista Lilly, vivida maravilhosamente por Anjelica Huston. O expectador mal tem tempo de se adaptar ao ambiente intrincado que a cerca –no qual ela usa apostas em corridas de cavalo para lavar dinheiro sujo da máfia –e a tela se divide em três revelando, além de Lilly, os outros personagens em torno dos quais a narrativa irá circular: O filho dela, Roy (John Cusack) e a namorada dele, Myra (Annette Bening, um vulcão de sensualidade).
Todos eles, vivem e sobrevivem num mundo de negócios ilícitos.
Se Lilly age como bookmaker, equlibrando-se muito mal entre as possibilidades constantes de um belo golpe ou de um fim amargo pelas mãos de seus contratantes mafiosos, Roy tem lá sua rotina como trapaceiro prestidigitador –suas mãos rápidas são relativamente capazes de enganar um ou outro desavisado –nunca ganhando o suficiente, mas sempre conseguindo manter as aparências.
Já, Myra é menos bem sucedida nesse aspecto do que eles: Em geral, sua atividade é seduzir homens em troca de dinheiro (ou para sanar alguma dívida). Mas, Myra se recorda de uma época em que vivia como princesa, e deseja o retorno desses dias, desde que os golpes que ela sabe como aplicar sejam realizados ao lado de um parceiro. Ela deseja que Roy seja esse parceiro. O único problema é, para Roy, isso vai de encontro à primeira regra que ele aprendeu nesse, digamos, ofício: A de que não deve cultivar um parceiro; pois, tudo o que ganhar será dividido em dois.
É esse conflito entre Roy e Myra que movimenta as intrigas que o diretor Stephen Frears tratará de orquestrar tão bem em ritmo fervoroso: O desespero de Myra a leva a tramar um roubo ardiloso contra Lilly na medida em que toma consciência da estranha (e quase incestuosa) relação entre ela e Roy.
São as dinâmicas que o diretor Frears consegue enxergar, enfatizar e impulsionar como ninguém: Myra e Lilly são tão opostas quanto complementares (e a narrativa tanto as coloca como antagonistas, como também sublinha –para propósitos que se revelarão mais tarde –a enorme semelhança entre as duas); Roy e Myra se atraem pela similaridade intuitiva  que um tem do outro, mas paradoxalmente se repelem exatamente pela mesma razão; já, Roy e Lilly possuem uma vibração densa que custam a verbalizar –e que os leva a exasperos tensos –até chegar a brilhante (e à um só tempo trágica e conciliatória) cena final.
Pegando emprestado todos os códigos e a fina ironia do gênero noir, o diretor Frears (que dirigiu John Cusack num filme completamente diferente anos depois, “Alta Fidelidade”) realiza um filme sempre dentro de suas louváveis e notáveis características como contador de histórias: Absolutamente condizente com o universo de suspensa moral que ele cria e em torno do qual faz gravitar os ótimos personagens deste brilhante conto de humor negro.

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