Martin Scorsese (que também atua como produtor)
surge como narrador exclusivamente na cena inicial onde são introduzidos os
meandros complexos da protagonista Lilly, vivida maravilhosamente por Anjelica
Huston. O expectador mal tem tempo de se adaptar ao ambiente intrincado que a
cerca –no qual ela usa apostas em corridas de cavalo para lavar dinheiro sujo
da máfia –e a tela se divide em três revelando, além de Lilly, os outros
personagens em torno dos quais a narrativa irá circular: O filho dela, Roy
(John Cusack) e a namorada dele, Myra (Annette Bening, um vulcão de
sensualidade).
Todos eles, vivem e sobrevivem num mundo de
negócios ilícitos.
Se Lilly age como bookmaker, equlibrando-se
muito mal entre as possibilidades constantes de um belo golpe ou de um fim
amargo pelas mãos de seus contratantes mafiosos, Roy tem lá sua rotina como
trapaceiro prestidigitador –suas mãos rápidas são relativamente capazes de
enganar um ou outro desavisado –nunca ganhando o suficiente, mas sempre conseguindo
manter as aparências.
Já, Myra é menos bem sucedida nesse aspecto do
que eles: Em geral, sua atividade é seduzir homens em troca de dinheiro (ou
para sanar alguma dívida). Mas, Myra se recorda de uma época em que vivia como
princesa, e deseja o retorno desses dias, desde que os golpes que ela sabe como
aplicar sejam realizados ao lado de um parceiro. Ela deseja que Roy seja esse
parceiro. O único problema é, para Roy, isso vai de encontro à primeira regra
que ele aprendeu nesse, digamos, ofício: A de que não deve cultivar um
parceiro; pois, tudo o que ganhar será dividido em dois.
É esse conflito entre Roy e Myra que movimenta
as intrigas que o diretor Stephen Frears tratará de orquestrar tão bem em ritmo
fervoroso: O desespero de Myra a leva a tramar um roubo ardiloso contra Lilly
na medida em que toma consciência da estranha (e quase incestuosa) relação
entre ela e Roy.
São as dinâmicas que o diretor Frears consegue
enxergar, enfatizar e impulsionar como ninguém: Myra e Lilly são tão opostas
quanto complementares (e a narrativa tanto as coloca como antagonistas, como
também sublinha –para propósitos que se revelarão mais tarde –a enorme
semelhança entre as duas); Roy e Myra se atraem pela similaridade
intuitiva que um tem do outro, mas
paradoxalmente se repelem exatamente pela mesma razão; já, Roy e Lilly possuem
uma vibração densa que custam a verbalizar –e que os leva a exasperos tensos
–até chegar a brilhante (e à um só tempo trágica e conciliatória) cena final.
Pegando emprestado todos os códigos e a fina
ironia do gênero noir, o diretor Frears (que dirigiu John Cusack num filme
completamente diferente anos depois, “Alta Fidelidade”) realiza um filme sempre
dentro de suas louváveis e notáveis características como contador de histórias:
Absolutamente condizente com o universo de suspensa moral que ele cria e em
torno do qual faz gravitar os ótimos personagens deste brilhante conto de humor
negro.
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