sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

A Canção de Bernadette


 Em sua estréia no cinema, a jovem Jennifer Jones conseguiu conquistar o Oscar de Melhor Atriz em 1944 numa disputa que envolvia Ingrid Bergman (por “Por Quem Os Sinos Dobram”), Joan Fontaine (por “De Amor Também Se Morre”), Jean Arthur (por “Original Pecado”) e Greer Garson (por “Madame Curie”), além de fazê-lo interpretando uma figura santa, verdadeira armadilha para intérpretes profissionais veteranos que nem sempre conseguem se equilibrar entre o enaltecimento ao personagem e a predisposição para humanizá-lo.

Neste filme habilmente dirigido por Henry King (de “A Epopéia do Jazz” e “Suplício de Uma Saudade”), Jennifer Jones se desvencilha de cada um desses contratempos ostentando uma serenidade contagiante do início ao fim, absolutamente apropriada à pureza da personagem que vivencia.

Ela é Bernadette Soubirous, filha de uma família de pobres camponeses na cidadezinha de Lourdes, no interior da França do Século XIX.

Assolada pela tuberculose, Bernadette não consegue comparecer às aulas religiosas da paróquia local, e sua desinformação quanto aos mais simples preceitos religiosos lhe acarreta a fama de idiota entre os moradores do vilarejo.

Numa bucólica quinta-feira, Bernadette, junto da irmã e de uma amiga, vai à beira de um rio, situado na área desolada de Massabielle, nos arredores do vilarejo, a fim de catar lenha. Lá, Bernadette tem uma visão: Uma mulher de beleza celestial, e vestes que, em sua descrição, correspondem às da Virgem Maria, todavia, Bernadette se refere a ela tão somente como a ‘Senhora’.

Embora ninguém mais seja capaz de enxergar a aparição –o que abre espaço para todo o tipo de questionamento, e para maldosas especulações de que a garota estaria louca –muitos são os que se mobilizam para ver Bernadette  rezar naquele mesmo lugar após a ‘Senhora’ tê-la orientado para encontrá-la ali diariamente ao longo de 15 dias; inclusive sua mãe, uma das muitas pessoas inicialmente relutantes em relação às alegações da filha.

Contudo, é a convicção irredutível de Bernadette que convence a todos –uma garota tão simples e tão destituída de segundas intenções, não seria capaz de inventar e manter uma história como essa se fosse mentira.

Quando os mais céticos começam a cobrar uma prova de tais visões, diante do clamor popular que o caso de Bernadette vai tomando, surge uma fonte de água pura no mesmo lugar indicado por ela. A fonte tem propriedades curativas; pessoas enfermas, ou até moribundas veem-se curadas ao beber de sua água.

A história se espalha, mobilizando cada vez mais fiéis que buscam a inexplicável água milagrosa providenciada por aquela que, mais tarde, por meio da própria Bernadette se autointitulada Imaculada Conceição.

Na faltam, na trajetória de Bernadette, os desprezíveis indivíduos (comumente relacionados à autoridade) procurando detê-la e desacreditá-la a qualquer custo: O mais significativo deles é o promotor Vital Dutour, vivido por Vincent Price com a extrema generosidade em abraçar papéis vilanescos que o fez notório.

Ele faz o possível para desacreditar Bernadette –até contrata um psiquiatra com planos de interná-la em um hospício –e, mais tarde, tenta valer-se da Lei para impedir o acesso do povo às águas da fonte, isso quando a questão envolvendo Bernadette já havia chegado ao conhecimento do Vaticano que, hesitante, iniciou um árduo processo para confirmar cada um dos milagres relacionados.

Longo, solene e com frequência emocionante, o filme de Henry King esbanja a primazia do diretor e sua capacidade em capturar com objetividade, os elementos cruciais à trama numa narrativa sem firulas, tal e qual os seus pares, grandes realizadores do mesmo período. Não à toa, essa demonstração de invejável fôlego cinematográfico foi contemplada com quatro pontuais prêmios Oscar, além de Melhor Atriz, Melhor Fotografia em Preto & Branco (numa ano que contava com a excelência de “Casablanca”), Melhor Decoração de Interiores em Preto & Branco (o que seria hoje chamado de Direção de Arte) e Melhor Trilha Sonora para Drama.

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