quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

A Morte Caminha À Meia-Noite


 Obedecendo a todas as características gerais que regiam o giallo, o filme de Luciano Ercoli agrega como diferencial à sua realização um pretensão mais inclinada a sofisticação, o que se percebe na ausência de cenas de nudez (um elemento muito usado no giallo como apelo de público), na construção de uma protagonista com mais iniciativa e influência dentro da trama do que as moçoilas em perigo de sempre, e na elaboração de um enredo cujas explicações para os assassinatos inevitáveis se dá por motivos mais intrincados, embora nesse aspecto, o filme não consiga escapar do viés mirabolante e irrisório que acomete as obras do filão.

Na efervescência do início da década de 1970, a modelo Valentina (Nieves Navarro, também conhecida por Susan Scott, de “O Dia da Desforra”) se arrisca a participar de uma reportagem –capitaneada pelo oportunista e ardiloso jornalista Gio Baldi (Simón Andreu, de “A Noiva Ensanguentada”) –na qual ela recebe uma dose de LSD, então a última palavra em alucinógeno, para que um médico especializado registre seus efeitos. Tudo sob a garantia de que terá sua identidade preservada por trás de uma máscara. Durante a experiência, porém, a máscara é removida e o rosto de Valentina aparece nas fotos da matéria, comprometendo muitos de seus trabalhos como modelo devido ao envolvimento declarado com drogas.

Contudo, o que de fato passa a alarmar Valentina a partir daí é o fato dela ter vivenciado –de alguma forma jamais explicada pela narrativa –durante o ‘transe’ de LSD, um assassinato que realmente ocorreu: O de uma mulher sendo violentamente golpeada por um punho de ferro pontiagudo.

O diretor Ercoli, assim, evoca em sua premissa, os elementos que pavimentam a filmografia de Dario Argento (e o próprio giallo em si), com alguma maleabilidade criativa: A testemunha ocular, em torno da qual pairam todas as dúvidas nebulosas possíveis, a impedir o esclarecimento do crime que testemunhou, mas o bastante para ser arremessada no pesadelo onde um psicopata tem agora motivos para caçá-la. Com efeito, o mesmo assassino presente em suas visões (a cara do Anselmo Vasconcelos!) passa então a persegui-la, possivelmente para eliminar a testemunha de sua atrocidade.

O roteiro escrito a oito mãos pelo especialista em giallo Ernesto Gastaldi (escreveu “Torso”, “No Quarto Escuro de Satã”, “O Estranho Vício da Sra. Wardh”, entre outros), por Guido Leoni, Mahnahén Velasco e pelo famoso Sergio Corbucci (diretor de “Django”) dispensa, a partir daí, expedientes usuais do giallo para tatear um suspense mais refinado, embora falte vigor à direção de Ercoli: Ele sabe o que fazer, mas nem sempre o faz com brilho necessário. As pistas e informações dispostas à protagonista e ao expectador fluem com bastante desenvoltura no transcorrer da trama, mas Ercoli insiste, para além do tolerável, naquela circunstância onde todas as evidências que se apresentam à personagem principal, no instante seguinte se dissipam quando vão ser constatadas pelos coadjuvantes.

Ninguém acredita nela. Nem Gio, nem seu namorado artista Stefano (Pietro Martellanza, também conhecido por Peter Martell), nem o comissário de polícia, interpretado com ressaltada irritabilidade por Carlo Gentili. Nesse sentido, se o giallo em si se presta a uma extensão de Alfred Hitchcock pelo prisma do exploitation, “A Morte Caminha À Meia-Noite” oferece uma alternativa dessa extensão por meio de opções artísticas que jamais ocorreriam ao mestre do suspense, como o tratamento infantilizado que contamina as justificativas dos antagonistas a partir de certo ponto, a personalidade explosiva, inquieta, briguenta e em última instância áspera concebida à protagonista e o exagero nas guinadas presentes nos vinte minutos finais, nos quais há tantas revelações de última hora que uma tira o impacto da outra.

Tendo sido realizado no ano de 1972, antes de alguns dos mais influentes títulos do giallo, é de se compreender que hajam várias manobras ao estilo ‘erro e acerto’ na construção do enredo de “A Morte Caminha À Meia-Noite”, e seu maior mérito é fazer com que os eventuais lapsos que surgem dessa experimentação fiquem, apesar de tudo, à sombra de sua diversão.

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