Obedecendo a todas as características gerais que regiam o giallo, o filme de Luciano Ercoli agrega como diferencial à sua realização um pretensão mais inclinada a sofisticação, o que se percebe na ausência de cenas de nudez (um elemento muito usado no giallo como apelo de público), na construção de uma protagonista com mais iniciativa e influência dentro da trama do que as moçoilas em perigo de sempre, e na elaboração de um enredo cujas explicações para os assassinatos inevitáveis se dá por motivos mais intrincados, embora nesse aspecto, o filme não consiga escapar do viés mirabolante e irrisório que acomete as obras do filão.
Na efervescência do início da década de 1970, a
modelo Valentina (Nieves Navarro, também conhecida por Susan Scott, de “O Dia
da Desforra”) se arrisca a participar de uma reportagem –capitaneada pelo
oportunista e ardiloso jornalista Gio Baldi (Simón Andreu, de “A Noiva Ensanguentada”) –na qual ela recebe uma dose de LSD, então a última palavra em
alucinógeno, para que um médico especializado registre seus efeitos. Tudo sob a
garantia de que terá sua identidade preservada por trás de uma máscara. Durante
a experiência, porém, a máscara é removida e o rosto de Valentina aparece nas
fotos da matéria, comprometendo muitos de seus trabalhos como modelo devido ao
envolvimento declarado com drogas.
Contudo, o que de fato passa a alarmar
Valentina a partir daí é o fato dela ter vivenciado –de alguma forma jamais
explicada pela narrativa –durante o ‘transe’ de LSD, um assassinato que
realmente ocorreu: O de uma mulher sendo violentamente golpeada por um punho de
ferro pontiagudo.
O diretor Ercoli, assim, evoca em sua premissa,
os elementos que pavimentam a filmografia de Dario Argento (e o próprio giallo
em si), com alguma maleabilidade criativa: A testemunha ocular, em torno da
qual pairam todas as dúvidas nebulosas possíveis, a impedir o esclarecimento do
crime que testemunhou, mas o bastante para ser arremessada no pesadelo onde um
psicopata tem agora motivos para caçá-la. Com efeito, o mesmo assassino
presente em suas visões (a cara do Anselmo Vasconcelos!) passa então a
persegui-la, possivelmente para eliminar a testemunha de sua atrocidade.
O roteiro escrito a oito mãos pelo especialista
em giallo Ernesto Gastaldi (escreveu “Torso”, “No Quarto Escuro de Satã”, “O Estranho Vício da Sra. Wardh”, entre outros), por Guido Leoni, Mahnahén Velasco
e pelo famoso Sergio Corbucci (diretor de “Django”) dispensa, a partir daí,
expedientes usuais do giallo para tatear um suspense mais refinado, embora
falte vigor à direção de Ercoli: Ele sabe o que fazer, mas nem sempre o faz com
brilho necessário. As pistas e informações dispostas à protagonista e ao
expectador fluem com bastante desenvoltura no transcorrer da trama, mas Ercoli
insiste, para além do tolerável, naquela circunstância onde todas as evidências
que se apresentam à personagem principal, no instante seguinte se dissipam
quando vão ser constatadas pelos coadjuvantes.
Ninguém acredita nela. Nem Gio, nem seu
namorado artista Stefano (Pietro Martellanza, também conhecido por Peter
Martell), nem o comissário de polícia, interpretado com ressaltada
irritabilidade por Carlo Gentili. Nesse sentido, se o giallo em si se presta a
uma extensão de Alfred Hitchcock pelo prisma do exploitation, “A Morte Caminha
À Meia-Noite” oferece uma alternativa dessa extensão por meio de opções
artísticas que jamais ocorreriam ao mestre do suspense, como o tratamento
infantilizado que contamina as justificativas dos antagonistas a partir de
certo ponto, a personalidade explosiva, inquieta, briguenta e em última
instância áspera concebida à protagonista e o exagero nas guinadas presentes
nos vinte minutos finais, nos quais há tantas revelações de última hora que uma
tira o impacto da outra.
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