quarta-feira, 1 de janeiro de 2020

O Estranho Vício da Sra. Wardh

A primeira experiência dentro do sub-gênero do giallo perpetrada pelo diretor Sergio Martino trazia também, como protagonista, sua colaboradora constante em suas bem-sucedidas comédias de cunho erótico, a estrela Edwige Fenech.
Nem parece que aqui ele pisa em terreno desconhecido: Martino ostenta um conhecimento de técnica admirável e maneja os elementos que constituíram o giallo com mais convicção que em muitos títulos assinados por aqueles considerados mestres na categoria, Mario Bava e Dario Argento.
Edwige Fenech, sempre um misto irresistível de beleza e carisma, interpreta Julie Wardh, casada com o diplomata Neil Wardh (Alberto de Mendoza) que chega na cidade de Viena após um período nos EUA.
Sua chegada coincide com o primeiro crime de um serial-killer –intercalado, na cena inicial, com um pretensioso letreiro onde lemos um comentário de Sigmund Freud sobre a violência latente do ser humano.
Apesar dessas intenções altivas da produção, “O Estranho Vício da Sra. Wardh” tem todos os cacoetes reprováveis do giallo, a começar por sua psicologia de botequim, por um excesso de reviravoltas que torna tudo, de um ponto em diante, totalmente mirabolante, e por uma habitual compulsão pela nudez gratuita –mas, como estamos falando da deliciosa Edwige Fenech, esse detalhe acaba sendo um de seus chamarizes!
A Sra. Wardh, ao seu jeito, se vê dividida entre três homens: O primeiro sendo, obviamente, Neil, seu marido; o segundo, seu amante George (George Hilton, de “A Cauda do Escorpião”); e o terceiro, seu ex-amante Jean (Ivan Rassimov), de quem ela tenta se esquivar uma vez que a relação que tiveram despertou áreas sadomasoquistas da personalidade de Julie.
Enquanto lida com esses três homens e com as relações distintas que estabelece entre eles –a atração por George, a comodidade para com Neil e a paranóia para com Jean –Julie acompanha a progressão de assassinatos: O segundo, num decalque evidente de “Psicose”, se dá num chuveiro com uma moça que frequentara a mesma festa que Julie. No terceiro, por sua vez, quem termina sendo a vítima é Carol (Conchita Airoldi), a prima de George –e daí se iniciam as desconfianças de Julie de que o assassino está bem próximo dela; e seu primeiro suspeito é certamente Jean.
Sabiamente aproveitando muitas das orientações deixadas pelo bom e velho Hitchcock, o diretor Martino (que tornou a usar o trio formado por Edwige Fenech, George Hilton e Ivan Rassimov no ótimo “Todas As Cores da Escuridão”) constrói um suspense popularesco que se traveste também de tormento romântico, na ênfase prestada à angústia intimista da personagem principal (a quem Edwige Fenech dá um louvável respaldo) e em especial no emprego um pouco demasiado da uivante trilha sonora de Nora Orlandi.
É preciso compactuar com um certo absurdo que a narrativa impõe no trecho final do filme em sua ânsia de surpreender (criando um novelo de lã de motivações que não se explica com muita facilidade), no entanto, “O Estranho Vício da Sra. Wardh” é a primeira obra de um diretor que, nos anos seguintes, entregou diversos títulos absolutamente memoráveis desse filão, e nele já se reconhece toda perícia, a desenvoltura e a compreensão cinematográfica que fizeram dele um especialista.

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