terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Sangue Jovem

Empenhado, o diretor e roteirista Julius Avery capricha no conto de traição e criminalidade do qual seu filme se ocupa: As caracterizações de seus atores, com suas feições de periculosidade e cara fechada, são esmeradas –mais do que suas atuações propriamente ditas, e seu trabalho tem aquele despojado refinamento do qual muitas vezes os filmes norte-americanos se beneficiam, mesmo aqueles de qualidade mais discutível.
Com uma apropriada câmera na mão a registrar o realismo de um cárcere sujo e brutal, acompanhamos a chegada do jovem J.R. (Brenton Thwaites, de “Piratas do Caribe-A Vingança de Salazar”) na prisão e suas tentativas em adaptar-se à perigosa rotina.
Entre perigos que espreitam a todo momento na forma de prisioneiros abusadores, ele conquista pouco a pouco a afeição do criminoso australiano Brendan Lynch (Ewan McGregor, sempre muito bom) que o protege até que sua pena de três meses se conclua –Brendan pegou uma pena de vinte anos!
Ao sair, portanto, J.R. tem uma dívida a pagar. E o processo por meio do qual irá quitá-la não tarda a se iniciar: J.R. participa da audaciosa fuga que consegue tirar Brendan de dentro da prisão e já se encontra incluso nos planos que ele tem, de assaltar com tremendo profissionalismo uma reserva de ouro em Melbourne.
No percurso desses acontecimentos, é possível flagrar a habilidade do diretor Julius Avery quanto ele consegue tornar palatável até mesmo uma sequência de ares inverossímeis como a fuga da prisão de segurança máxima –cheia de lances improváveis, mas encenada com austeridade o suficiente para convencer o expectador de sua viabilidade.
Avery lança mão da referência cinematográfica suprema para esse tipo de filme: O cinema suburbano, atento aos códigos de condutas criminais engendrado por Michael Mann. Seguindo essa cartilha, o diretor Avery estabelece as regras desse submundo ao qual J.R. aterriza meio inadvertidamente conduzido por Brendan, uma figura paterna na mesma proporção em que é também um agente corruptor e um rival –e nessa dinâmica há algo que remete à disputa entre pupilo e mentor observada no clássico “Rio Vermelho”.
E dentre todas as regras há uma que fica mais claro ao expectador que J.R. haverá de quebrar: A de que não se deve desejar a bela e desejável Tasha (a maravilhosa Alicia Vikander), garota imigrante que é uma espécie de bibelo-fetiche do contratante para o tal assalto, o ardiloso Sam (Jacek Koman).
Embora ostente Tasha como sendo sua amante, Sam não obteve nada com ela –e diante dessa descoberta, J.R. não resiste a sua atração correspondida, e estão assim estabelecidos os elementos que configuram o conflito.
Esses vínculos de frágil confiabilidade que conectam os personagens vão junto com eles na execução do tão elaborado assalto e é claro que contratempos, traições e reviravoltas irão se suceder, algumas não muito bem construídas pelo roteiro, soando desnecessárias e exageradas, e outras urgidas com a precisão de um apaixonado pelo gênero, com destaque para a esperta manobra final que justifica a ênfase na predisposição para jogos de xadrez observada no protagonista e dá um desenlace satisfatório à complexa e fascinante relação de ambiguidade entre J.R. e Brendan (valorizada também graças aos bons atores que os interpretam) permitindo ao filme um desfecho sólido e razoável.

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