É natural que uma obra de gênero oriunda de uma
cultura tão pouco conhecida traga uma distinção inerente ao que temos por
convencional. Realizado na Finlândia, em 1952, este “A Rena Branca” é um filme
de terror onde os códigos habituais do gênero por vezes desconcertam o
expectador por seu emprego incomum e em alguns momentos, até por sua
inexistência.
Seu prólogo já estabelece esse caráter desigual
ao relatar a origem relacionada à bruxaria da personagem principal numa
sequência quase musical, no entanto, transbordante de melancolia e certo
fatalismo.
Vivida pela bela, porém igualmente
amedrontadora Mirjami Kuosmanem (também ela roteirista ao lado do diretor),
essa personagem, Pirita, cresce tornando-se uma moça cortejada pelo pastor de
renas Aslak (Kalervo Nissila) que logo se torna seu marido.
O casamento é feliz, mas Pirita não tolera as
ausências prolongadas que o pastoreio de animais exige do marido –e que o levam
a passar semanas em companhia de outros pastores, amizades estas que ela desaprova.
Ela procura por Tsalkku-Nilla (Arvo Lehesmaa),
um xamã beberrão que pouco antes de descobrir, estarrecido, que Pirita é uma
bruxa, dá-lhe a instrução: “Mate em sacrifício o primeiro animal que encontrar
em sua volta para casa, e será mais forte que todos os pastores de renas!”
O animal em questão que Pirita encontra acaba
sendo uma pequena rena branca que ela mata à facadas perante o Grande Espírito
da Pedra.
A partir daí, um clima macabro e soturno passa
a envolver a protagonista que, dotada da capacidade de converter-se no animal,
ataca ocasionalmente os amigos que se revelam próximos demais de seu marido,
lhe instigando os ciúmes.
É quase uma variação em torno do mito do
vampiro a proposta deste filme dirigido por Erik Blomberg: Pirita se transforma
numa rena branca, e não em um morcego, mas, durante o momento de transição,
caninos pontudos chegam a aparecer em seus dentes.
O diretor vale-se da fotografia em preto &
branco para ressaltar a vastidão tomada por neve do cenário onde tudo se
desenlaça, num trabalho que, embora não pareça, deve ter sido complicadíssimo:
Devem ter havido infindáveis deliberações de Blomberg (que também acumulou aqui
a função de diretor de fotografia) para obter takes distintos, fluentes e
continuamente envolventes de um ambiente imutável e monocromático.
Ainda assim, Blomberg revela pouca confiança em
sua realização: A trilha sonora, numa característica vista até em obras
comerciais da Hollywood daquele período, é onipresente e intermitente,
comentando e direcionando todas as impressões cena a cena. É um recurso que não
abre espaço para interpretações mais diferenciadas e que chega a drenar do
filme um pouco do elemento de terror psicológico que um pouco de silêncio
poderia ter fornecido.
No modo poético, ainda que
sinistro, com o qual consegue se desvencilhar dessa aridez, o diretor Blomberg
tece um conto sobre a manifestação do mal por meio de métodos obscuros que
visam atender anseios egoístas realizando um formidável trabalho.
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