O argumento um tanto elitista de alguns
críticos de que o gênero de ação comporta uma qualidade inferior de cinema
encontra uma fortíssima discordância nos filmes da série “John Wick”: Neles, há
um senso apurado de narrativa e, por que não, uma carpintaria dramática que
evidencia com simplicidade poderosa (mas, nem por isso superficial) os dilemas
morais de seu protagonista, ao mesmo tempo que oferece um relevo fascinante
onde personagens coadjuvantes e suas esboçadas tramas individuais se apresentam
com a necessária informação administrada; isso tudo a serviço daquilo no qual o
diretor Chad Starelski mostrou-se ser um mestre –as cenas de ação, de embate e de
tiroteio mais bem coreografadas e surpreendentes dos últimos tempos!
Sim, pois nesse quesito, filme nenhum, por mais
brilhante que seja, parece ser capaz de igualar “John Wick”.
Suas influências, caso não tenha ficado claro
em uma infinidade de referências plantadas nas cenas, é a essência do
cinema-mudo –embora imbuído de trilha sonora pulsante e apropriada, “John Wick”
é construído sobre cenas que não precisam de diálogos para se expressar, nas
quais o movimento dos corpos corresponde a um entendimento do fetiche e da
sinergia inerente ao gênero de ação.
Exibindo aquela contundência e aquela objetividade
que já o tornaram memorável, o filme começa exatamente no ponto em que o
segundo, “Um Novo Dia Para Matar”, se encerrou: Com o lendário matador John
Wick declarado ex-comungado pela Alta Cúpula de Assassinos, por ter quebrado as
regras e assassinado um desafeto dentro das dependências do Hotel Continental,
local considerado neutro onde ninguém deveria morrer.
Já nesse prólogo, o diretor Stahelski apresenta
suas cartas na mesa, sendo a mais valiosa delas o seu astro, Keanu Reeves, cuja
destreza corporal já havia ajudado a tornar os dois filmes anteriores
antológicos.
Aqui, o personagem John Wick já é, para Reeves,
um invólucro confortável, ao qual ele se adapta com tamanha rapidez que mal
precisamos de preâmbulos, de explicações ou de pretextos para que sua
via-crusis já se intensifique; com essas certezas, Stahelski já arremessa o
protagonista e o expectador na tortuosa montanha russa que é seu filme, onde um
inimigo espreita a cada esquina e uma luta mortal pode se desenvolver nos mais
improváveis ambientes, seja uma silenciosa biblioteca (que cena!), seja um
estábulo ou até mesmo uma perseguição subsequente envolvendo um dos cavalos e
várias motocicletas (!).
O plano algo improvisado de John Wick para
escapar com vida é pedir auxílio no Cinema Tarkovsky (uma referência constante
nos filmes de Stahelski e de seu colaborador David Lelitch), onde ele poderá
requisitar uma ajuda da diretora de um grupo de balé (Anjelica Huston), por
meio da qual veremos um pouco de luz ser jogada sobre as origens bielo-russas
do protagonista.
Em seguida, Wick consegue ir em direção à
Casablanca –onde, para variar, outra cena magnífica se desenrola –e procura
pela outrora aliada Sofia (Halle Berry), de quem pretende cobrar uma espécie de
favor: Ajudá-lo a seguir deserto adentro e encontrar o lendário chefe da Alta
Cúpula, Berrada (Saïd Taghmaoui, de “Mulher Maravilha”) a fim de negociar
diretamente com a autoridade maior.
Entretanto, nesse interím, a Alta Cúpula
despacha uma personagem tão fria quando desconcertante, a Juíza (Asia Kate
Dillon), para mover uma represália a todos que ajudaram de alguma forma John
Wick, como Winston (Ian McShane, de “Piratas do Caribe-Navegando Em Águas Misteriosas”), gerente do Continental que deu a ele uma hora de vantagem antes
da validação da recompensa por sua cabeça; ou o rei de Bowery (Laurence
Fishburne), cujo gesto de emprestar uma arma à John Wick deflagrou todo o caos
que ganha corpo neste filme.
Consciente da musculatura mitológica que
atribui à sua criação, o diretor Stahelski confronta seu herói com uma sucessão
de guinadas de ordem tão filosófica quanto irônica –a maior delas, sendo a ideia
de encerrar onde tudo começou, ou seja, no Hotel Continental, palco de uma das
mais insanas sequências de ação do cinema moderno, trazendo como formidável antagonista,
o hábil, leal e letal espadachim interpretado por Mark Dacascos.
São muitos os elementos memoráveis
que “Parabellum” entrega em profusão (a eletrizante participação dos atores de
“Operação Invasão” merece ser aplaudida de pé!), mas talvez, seu detalhe mais
notável seja o equilíbrio com que todos eles estão amarrados do início ao fim
–nada sobra e nada falta neste primor de realização, resultando num espetáculo
de inuspeito refinamento entre ritmo, história e ação.
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