Cerca de oito anos antes do anti-herói de
“Rastros de Ódio”, John Wayne interpretou (e muito bem) outro personagem de
características obscuras, quase um vilão, neste admirável trabalho do diretor
Howard Hawks.
Se não chegava a ser um gênio com o brilho e o
primor de John Ford, ao menos, Hawks tinha também ele uma visão bastante
intrínseca das bifurcações morais surgidas nas circunstâncias áridas do Velho
Oeste, e tal visão é colocada com intenso escrutínio nesta envolvente fábula
sobre a resistência ética em contraponto à truculência da ordem. Embora a trama
preserve nítidos elementos romantizados, Hawks a ambienta num episódio muito
real: A maior e mais longa travessia de boiada registrada na história
americana.
Seu enredo, no entanto, tem início bem antes
disso, quando o vaqueiro Tom Dunson (John Wayne) decide abandonar uma caravana
em direção à Costa Leste para arriscar-se como criador de gado tendo ao seu
lado o fiel e velho companheiro Groot (Walter Brennan). O temperamento difícil
e irredutível de Dunson já fica aí evidente: A jovem que ele ama (Coleen Gray)
praticamente implora para que ele a leve. Ele insiste que ela fique,
argumentando que mais tarde mandará buscá-la.
É uma escolha insistente da qual ele se
arrependerá amargamente: Poucas horas depois, a caravana é atacada por índios
comanches e, entre outros, ela é assassinada.
O único sobrevivente é uma criança, o jovem
Matt Garth, de cuja criação Dunson e Groot passam a se incumbir.
Ao chegar nas pradarias do Texas, Dunson inicia
sua criação de gado que prospera ao longo dos quinze anos seguintes, vindo
então a enfrentar a queda do preço da carne de boi acarretada pela Guerra Civil
Norte-Americana. Diante dessa nova adversidade, Dunson, junto de Groot e Garth
(agora interpretado pelo ótimo Montgomery Clift, em sua estréia no cinema),
toma a decisão de levar suas milhares de cabeças de boi (algumas tiradas com
arrogância de outros incautos criadores) para a cidade de Abilene, no Kansas,
onde poderão ser negociadas por um valor razoável. Entretanto, a longa viagem
por meio da penosa Trilha Chisholm é extremamente árdua, tão mais pelo fato de
Dunson não se mostrar um chefe de fácil convivência: Ele submete seus
subordinados a jornadas de trabalho intoleráveis, e os desertores acabam sendo
julgados de maneira implacável, não raro, com a morte.
A medida que a exaustão e a tensão acirram os
já acirrados ânimos de Dunson, Garth se vê no ingrato papel de único indivíduo
capaz de proteger os perplexos empregados de sua severidade intolerante.
E tudo parece caminhar para um embate entre o
veterano e o rapaz.
Como costumava ser habitual em seus argumentos,
aqui o gênero faroeste se mostra um terreno fértil para a reflexão da perene
premissa na qual a conciliatória mentalidade dos novos tempos precisa sobrepor
os hábitos intransigentes do conservadorismo –e o astro John Wayne incorpora
essa segunda linha de pensamento como ninguém.
Por meio dessa rara compreensão das motivações
humanas, o diretor Hawks exercita sua perspicácia narrativa (com a introdução
enriquecedora de diálogos sobrepostos, uma inovação que acrescenta suspense e
autenticidade a muitas cenas) emoldurando o duelo mais psicológico e moral do que
literal e conotativo entre os dois grandes personagens (Dunson e Garth) que ele
se incumbe de construir com a ajuda de seus dois astros espetaculares.
Ao final, é a presença feminina de Milley
(Joanne Dru) –embora as mulheres tenham se mantido bastante ausentes no
desenvolvimento da narrativa até então –que introduz um elemento de necessária
sensatez à rixa desmedida que vinha progredindo ao longo do filme.
Um pensamento avançado para
mentes que se supunha de raciocínios bastante antiquados.
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