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terça-feira, 2 de setembro de 2025

Uma Equipe Muito Especial


 É até inconcebível hoje ver Tom Hanks como coadjuvante das não tão estelares Geena Davis e Lori Petty (de “Caçadores de Emoção”), menos ainda quando percebemos que ele é pouco mais que o alívio cômico do filme, mas esse é só um dos indicativos que mostram que “Uma Equipe Muito Especial” –ou "A League of Their Own", seu título original –pertence a outros tempos, afinal, Geena Davis havia acabado de fazer “Thelma & Louise” (e de ser indicada ao Oscar por isso!) enquanto que Madonna (também presente no elenco) estava recém-saída de “Dick Tracy”.

Dirigido pela saudosa Penny Marshall (que havia dirigido Hanks em “Quero Ser Grande”), o filme é consequência direta da indicação ao Oscar de Melhor Filme para “Tempo de Despertar”, em 1990, o que deu à Penny a capacidade para viabilizar o projeto que quisesse.

E o projeto que ela quis diz muito de suas inclinações morais e pessoais como contadora de histórias: A trajetória dos membros da Liga Americana de Beisebol Profissional Feminino, a AAGPBL, fundada por Philip K. Wrigley em 1943 (numa forma de não interromper os campeonatos de beisebol, tão amados pelo público norte-americano, e suprir a ausência de jogadores masculinos que estavam todos lutando na Segunda Guerra Mundial) e mantida até 1954. No filme, o fundador da Liga Feminina chama-se Walter Harvey (e é interpretado por Garry Marshall, diretor de “Uma Linda Mulher” e irmão da diretora Penny), personagem fictício criado a partir do próprio Philip K. Wrigley –é ele quem escala Ira Lowenstein (David Strathairn) para o trabalho de Relações Públicas, e chama o olheiro Ernie Capadino (Jon Lovitz) para percorrer os EUA atrás de habilidosas jogadoras.

Os testes logo revelam talentos promissores no beisebol comos as irmãs Dottie Hinson (Geena) e Kit Keller (Lori), a batedora bidestra Maria Hooch (Megan Cavanagh), a meia-campista e ex-dançarina Mae Mordabito (Madonna), a terceira defensora Doris Murphy (Rosie O’Donell), e outras. Todas seguem, de suas moradas (Dottie e Kit eram do Oregon; enquanto Mae e Doris eram de Nova York) para Chicago e, de lá, para as turnês de jogos que compõem a temporada 1943.

O personagem de Hanks é o técnico rabugento, decadente e alcóolatra Jimmy Dugan, que encara com inicial relutância a tarefa de dirigir o recém-formado time Rockford Peaches, onde todas as protagonista jogam. Pouco a pouco, o esmero e o talento das jogadoras vai não apenas conquistando a aprovação do técnico Dugan como também obtendo inesperado sucesso junto ao público que passa a acompanhar de modo cada vez mais numeroso as disputas nos gramados.

É curiosa a questão que o filme levanta em seu clímax: Na partida final, quando o Rockford Peaches encara o seu rival Racine Belles (time para o qual, de um ponto em diante da trama a descontente e desiludida Kit vai jogar, deixando a irmã Dottie no time adversário), a jogada decisiva do jogo envolve justamente as duas irmãs, Dottie e Kit, e sua constante rivalidade –um mote que atravessa todo o filme, justaposto também com o grande amor que as une. Dottie era sempre a melhor, a mais talentosa, a mais hábil e, como mulher, não tinha dificuldades em sobressair-se como a mais bela e a mais elegante, características que só ressaltavam a insegurança e a vulnerabilidade de Kit. Nesse acerto de contas final entre as duas é apenas sugerido na narrativa que, talvez, tenha sido Dottie quem terminou deixando que sua irmã (e, por consequência, o time dela) vencesse aquela partida.

Amparado em diversos expedientes básicos dos filmes esportivos –desde o técnico implicante até a gradual aceitação do time pelo público, passando pelos conflitos ora engraçados, ora dramáticos, e culminando no emocionante clímax da partida final –"A League of Their Own" traz esses elementos tão bem dispostos e conduzidos pela diretora Marshall que se torna impossível não se emocionar ou não torcer pelas personagens, em sua busca por aceitação e reconhecimento.

domingo, 20 de julho de 2025

Patrulha Sem Nome


 O estilo intimista do diretor Keith Gordon (mesmo do romance “Amor Maior Que A Vida”, com Jennifer Connelly) é um tanto quanto avesso à simplismos e redundâncias. Daí ser notável a mudança brusca de tom que ele não tarda a promover neste curioso drama da Segunda Guerra Mundial, colocando-o como uma presença inesperadamente fascinante em meio à tantas produções explosivas do filão.

“A Patrulha Sem Nome” –ou “A Midnight Clear”, no original –inicia-se em 1944, nas trincheiras gélidas entre as fronteiras da Noruega e da Bélgica. O soldado Mother Wilkins (Gary Sinise, antes da aclamação por “Forrest Gump”) tem um surto –descobriu, dois dias antes que se tornou pai e, diante do perigo da guerra, pode não voltar para conhecer o filho –o que leva-o a ser visto com certa cautela por todo o resto do esquadrão. Tal esquadrão, contudo, não é dos mais numerosos: Devido a uma série de circunstâncias militares peculiares e de outros contratempos, eles se resumem em seis –além de Mother, o comandante, Sargento Will Knott (Ethan Hawke), que pela aparência jovial pouca impressão passa de líder; o austero e virtuoso Father Mundy (Fran Whaley, de “Career Opportunities”); o exemplo de soldado em combate, Cabo Avakian (Kevin Dillon, de “Platoon”); o bem-apessoado e cabeça-oca Bud Miller (Peter Berg); e o irrequieto e astuto Stan Shutzer (Arye Gross, de “Minority Report-A Nova Lei”). O grupo –que, à essas alturas do conflito, se tornaram grandes amigos –é designado para uma missão aparentemente banal: Seguir até um entreposto longínquo nas montanhas gélidas e abarrotadas de neve, uma casa abandonada, e lá montar guarda, vigiando toda e qualquer atividade nazista que, por ventura, perceberem na região.

Todavia, o que se sucederá é inusitado. Atividade nazista existe, sim, no entanto, os soldados alemães (ao que tudo indica de um esquadrão diminuto e largado ao léu pelos superiores, como o deles) não parecem nem um pouco interessados em dar continuidade ao conflito ou a seguir ordens superiores, quaisquer que sejam, eles estabelecem contato que, ao longo dos dias que se seguem (e das situações um tanto curiosas que se sucedem), tudo indica ser amistoso!

Aqueles alemães sabem que o desfecho da guerra será amargo, e querem se render aos americanos o quanto antes. Todos, porém, vão descobrir que, mesmo diante de uma predisposição pacífica de ambos os lados, todos vivenciam, com a guerra, uma circunstância delicada que os deixa à beira da barbárie.

Sem adentrar trechos mais complexos que essa improvável premissa desenvolve –até para não revelar algumas surpresas –este notável trabalho de Keith Gordon, adaptado do livro de William Wharton, tece um delicado conto sobre empatia e sobre as lamentáveis engrenagens da hierarquia, concebendo uma trama que não parece enfatizar a guerra em si –embora muitos dos expedientes característicos dos filmes de guerra estejam todos lá –mas, sim exprimir, não sem uma certa ironia, uma mensagem de paz.

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Queima de Arquivo


 A carreira do astro Arnold Schwarzenegger havia chegado num ponto de estagnação na segunda metade da década de 1990. Astro absoluto do cinema de ação nas bilheterias –como atestavam produções como “Exterminador do Futuro 2” e “True Lies” –ao lado, talvez, de Sylvester Stallone, ele havia atingido uma espécie de ‘topo do Olimpo cinematográfico’. A necessidade de reinventar-se (e de, portanto, parar de repetir-se) levou-o a flertar com a política já na década de 2000, como é mostrado no formidável documentário “Arnold”.

Contudo, ainda naquele período, meados de 1995, Schwarzenegger ainda fazia filmes. E após mais sucessos do que fracassos (basicamente o grande exemplar, nesse caso, é “O Último Grande Herói”), havia uma espécie de ‘fórmula’ que Arnold involuntariamente havia criado para si, e que ninguém mais era capaz de imitar: Filmes de ação pancadaria, mas com insuspeito requinte cinematográfico (à cargo normalmente de bons diretores que entendiam do riscado como James Cameron e John McTiernam), tramas simplificadas sempre voltadas à criação do personagem que Arnold interpretaria e do contexto quase sempre mirabolante que o envolve, e bordões, muitos bordões –que, quando funcionavam, tornavam-se memoráveis na exótica voz do astro, tais como “I’ll be back!” e “Hasta la vista, baby!”, ambos da Saga “Exterminador do Futuro”.

Lançado em 1996, “Queima de Arquivo” preenchia cada um desses pré-requisitos: Era dirigido por Chuck Russell (que, pouco tempo antes, surpreendeu o público com o ótimo “O Máskara”), e trazia um personagem John Krugger que combinava feito uma luva com o perfil de Schwarzenegger; Agente especial da agência governamental conhecida como WitSec (uma silga para Witness Security Program), Krugger é um perito na sua especialidade –devidamente esboçada na cena inicial; Sempre que uma testemunha crucial de um julgamento movido contra poderosos influentes se vê ameaçada, Krugger é acionado a fim de proporcionar à pessoa a proteção que autoridades normais não seriam capazes. Uma espécie de Programa de Proteção à Testemunha aprimorado.

Na WitSec, Krugger é, de longe, o agente mais bem-sucedido, o mais eficaz e o mais incorruptível –características que dão uma bela massagem de ego no astro Schwarzenegger –no entanto, sua mais desafiadora missão ainda virá, quando a executiva Lee Cullen (a belíssima cantora, modelo e atriz Vanessa Williams), com o auxílio algo claudicante do FBI, tentará incriminar seus empregadores, fabricantes de armas que estão fornecendo armamento high-tech para inimigos dos EUA. Protegida com extremo desleixo pelo FBI, e ameaçada de morte por seus antigos patrões, Lee se torna ainda mais importante para o caso quando as provas levantadas contra a empresa armamentista são destruídas, restando somente as cópias de tais documentos feitas pela própria Lee, capazes de incriminar a todos. Ela então é imediatamente encaminhada para John Krugger que, nesta missão, terá de não só valer-se de toda sua perícia para fazer Lee escapar de seus algozes com vida –algozes estes que terão, à sua disposição, inclusive, toda a parafernália futurista de armamento que a empresa para a qual trabalham produz! –como também precisará enfrentar a corrupção dentro da própria WitSec, uma vez que agora o outrora mentor de Krugger, Robert Deguerin (o veterano James Caan), se encontra também na folha de pagamento dos poderosos em julgamento.

A direção inventiva de Chuck Russell e o carisma inabalável de Arnold Schwarzenegger –aliado à presença sensual de Vanessa Williams que, curiosamente, não engata com ele qualquer vínculo amoroso –até que disfarçam o fato de que “Queima de Arquivo”, a toda hora, luta contra sua própria tendência recorrente de ser uma produção genérica –eles criaram um personagem, John Krugger, cujo background até sinaliza com toda uma mitologia a ser expandida e explorada em possíveis continuações (que nunca vieram), conceberam cenas de ação projetadas para constar na galeria das mais memoráveis do cinema-pipoca do período (as duas mais notáveis certamente são o audacioso salto quase sem para-quedas de um jato 727 em pleno voo e o tiroteio de armas futuristas no zoológico do Central Park, com crocodilos à solta), e ainda bolaram até um bordão um pouco bobinho (“Sorria, você foi apagado!”) dito por Arnold nos trailers, mas no filme falado apenas por um figurante... –nada disso, entretanto, conseguiu fazer com que “Queima de Arquivo” se destacasse em meio à filmografia de Schwarzenegger, pontuada de produções de ação relevantes de verdade, nem tampouco fazê-lo sobressair-se nas bilheterias daquela temporada.

Em tempo: No ano de 2022, ainda sob as circunstâncias nefastas da pandemia, foi produzido e lançado uma espécie de remake, “Queima de Arquivo-Regenerado”, estrelado por Dominic Sherwood, cuja única utilidade foi provar que este filme de 1996 era, de fato, um bom e satisfatório entretenimento diante da catástrofe que foi sua refilmagem.

sábado, 12 de abril de 2025

O Imperador e O Assassino


 Inspirado na mesma lenda folclórica chinesa que já havia originado o posterior “Herói”, de Zhang Ymou, este “O Imperador e O Assassino” é um reencontro do diretor Chen Kaige e da estrela Gong Li após o aclamado “Adeus, Minha Concubina”, anos antes. Um épico de tintas intimistas cuja abertura, curiosamente, faz uma alusão à “Conan-O Bárbaro”, do diretor John Milius –lá estão as mesmas sequências de batalha a transcorrer durante os créditos iniciais; lá está também a cena da espada sendo forjada, com o aço derretido sendo derramado em sua forma, e uma trilha sonora que remete à de Basil Poledouris. Não tarda, entretanto, à Chen Kaige logo impor seu próprio estilo dilacerante, carregado de tintas dramáticas, puxando muito das dinâmicas esboçadas para o que parece ser uma traição, embasada porém por posturas de lealdade que se transfiguram radicalmente ao sabor das mudanças que a guerra promove na índole dos seres humanos.

250 A.C. O reino de Quin acaba de sobrepujar o reino de Han e, com isso, o poder de Ying Zheng, soberano de Quin, se consolida cada vez mais. O sonho, inicialmente puro e altruísta, de Ying Zheng (o ótimo Xuejian Li, de “Operação Xangai”) é unificar toda a China num único império, promulgando através disso uma paz em todos os reinos divididos. Em seu caminho, ele tem ainda vários reinos opositores à sua soberania, mas, com seu poder bélico aumentando a cada conquista, este é um desfecho que ele já consegue vislumbrar no horizonte.

Ele tem como aliada um amiga dos tempos de infância, a belíssima Lady Zhao (Gong Li, magnífica e maravilhosa), junto de quem já elaborou um estratagema. Ela fingirá unir-se ao seu arquinimigo, o rei de Yan (Zhou Sun), para, junto dele, tramar seu assassinato e escolher à dedo seu assassino –de posse dessas informações, Lady Zhao poderá impedir o assassinato de Ying Zheng ao menos tempo em que essa tentativa fornecerá  à ele o pretexto que queria junto aos súditos para finalmente invadir e tomar o reino de Yan.

O plano leva tempo para se consolidar. Uma vez em Yan, Lady Zhao descobre o candidato ideal para a tarefa: Jing Ke (o excelente Fengyi Zhang, também de “Adeus, Minha Concubina”), um ex-assassino de passado traumático, desejoso de deixar para trás sua macabra especialidade e passar o resto dos seus dias vivendo em harmonia. Mas, Jing Ke é habilidoso demais para ser deixado de lado. O rei de Yan concede à Lady Zhao três meses para que ela convença o relutante Jing Ke a perpetrar o assassinato e, durante esse tempo, ela e Jing Ke constroem um relação de afeto muito mais profunda que ambos esperavam.

Enquanto isso, em Quin, uma série de conspirações palacianas se sucedem –Ying Zheng sofre uma tentativa de ser usurpado pela própria rainha-mãe (Yongfei Gu) e o amante (Zhiwen Wang), e precisa, depois, lidar com a descoberta da verdadeira identidade de seu pai, o Primeiro Ministro deposto (o próprio diretor Chen Kaige), bem como seu suicídio subsequente. Todos esses revezes promovem uma transformação na natureza de Ying Zheng e de seu objetivo maior: Ele passa a massacrar seus adversários sem piedade, levando um genocídio implacável a todos os reinos que se opõem à ele, inclusive Zhao, o reino-natal de... Lady Zhao.

O diretor Chen Kaige não se furta de esmiuçar aspectos cruéis das engrenagens da guerra, não poupando nem mesmo crianças das barbáries assim retratadas, embora o tom de seu trabalho nunca abandone as características de fábula –mas, um fábula de severa e irredutível moral, típica do cinema chinês.

Não há muitos segredos na narrativa: São os personagens de Jin Ke e de Ying Zheng os pólos extremos entre os quais os empuxos da trama transitam, tudo levando ao seu fatídico encontro, no clímax do filme –com a personagem de Gong Li estabelecendo um intrigante ponto de equilíbrio entre os dois, evidenciado pelo incontornável status de estrela da atriz.

É preciso compreender as orientações do cinema de Chen Kaige (no qual, sempre estão em pautas as fatídicas consequências da traição, mesmo quando essa traição vem adornada pelos mais nobres motivos) e do próprio cinema chinês em geral (onde a majestade é vista como uma espécie de instituição contra a qual os meros seres humanos não são capazes de se opor de fato, por mais que tentem) para aceitar os rumos trágicos, pessimistas e lúgubres que acabam tornando seu desfecho, apesar de tudo, um pouco amargo.

terça-feira, 21 de janeiro de 2025

A Letra Escarlate


 Em tempos em que Demi Moore é sondada para a ganhar o Oscar de Melhor Atriz pelo surpreendente “A Substância”, vamos voltar numa época em que muitos acreditam que isso era algo impossível de se acontecer, mais precisamente no ano de 1995, quando do lançamento do drama “A Letra Escarlate” que veio acompanhado junto de uma campanha para levá-la ao Oscar. O que terminou resultando em ainda mais chacota em relação aos dotes dramáticos de Demi como atriz –por aqueles anos, ela viu, paralelo ao crescimento de seu status como estrela de cinema, as indicações a si mesma como Pior Atriz do Ano no Framboesa de Ouro se multiplicarem.

É verdade que o filme também não ajuda muito: A cena inicial (uma reunião de índios para uma espécie de cortejo fúnebre) já deixa bem claro as propensões do diretor Roland Joffé (que dirigiu “A Missão”, um hábil retrato do conflito indígena) para inserir mais aventura no texto todo drama e folhetim extraído do romance literário de Nathaniel Hawthorne (já adaptado para cinema, inclusive, por Win Wenders, e muito homenageado na comédia “A Mentira”). Na Nova Inglaterra, um vilarejo na América ocupado por uma comunidade de imigrantes ingleses recebe entre seus recém-chegados Esther Prynne (Demi Moore), enviada por seu marido, Roger Prynne, para que, antes de sua chegada, comece os preparativos para arrumar a casa em que irão viver.

Logo de cara, Esther demonstra iniciativa e independência que alarmam os mandatários locais, homens religiosos de rígido código moral para os quais o papel da mulher, em sociedade, deve vir cercado por regras de opressão. Com o tempo, Esther –que casou-se ainda bem nova, com um homem mais velho –torna-se amiga do pastor Arthur Dimmesdale (Gary Oldman), por quem acaba, mais tarde, se apaixonando.

Ator tão talentoso quanto generoso, Oldman já era calejado em papéis de vilão naquele período (havia feito, além de “Drácula de Bram Stoker”, também “O Profissional” e “O Quinto Elemento”), o que faz de sua escolha para o papel de galã romântico uma alternativa bastante curiosa –e um dos poucos lampejos inspirados do filme.

Enamorados um pelo outro, Arthur e Esther têm uma fortuita noite de amor quando acreditam que o marido de Esther, Roger (interpretado, à propósito, por Robert Duvall), foi morto num ataque de índios à sua embarcação. Na verdade, Roger terminou prisioneiro dos selvagens que o mantêm cativo por um tempo; quando ele, entre um e outro surto de loucura, começa a absorver alguns de seus costumes.

Quanto à Esther, ela engravida e, quando esse fato se torna óbvio para a comunidade (evidenciando também o adultério que ela cometeu), os senhores locais exigem que ela revele a identidade de seu amante, a fim de enforcá-lo. Esther guarda segredo para poupar a vida de Arthur, mas acaba vítima das consequências: Nos meses que se seguem, ela é aprisionada (acaba sendo solta apenas quando, por fim, dá à luz a uma menina, de nome Pearl), e quando ganha a autorização para voltar para casa e cuidar da filha, ela tem uma letra ‘A’ escarlate costurada às suas roupas –a indicação e a constante lembrança de que ela foi adúltera e, por isso, deve sofrer retaliação moral da comunidade, para onde quer que vá.

Ao melodrama clássico, esboçado com pompa e circunstância no livro original –e que foi relativamente assim mantido em outras adaptações mais ou menos bem sucedidas do material –o diretor Roland Joffé acrescenta doses de paranóia e suspense (quando Roger, mais vilanesco do que nunca, regressa dos mortos e, munido de outra identidade, promove uma ‘caça às bruxas’ na aldeia a fim de descobrir  quem foi o homem misterioso com quem Esther envolveu-se), além de, ao fim, até um pouco de ação (quando os índios, mostrados naquele início, decidem invadir a aldeia dando um golpe de misericórdia nas sandices generalizadas dos homens brancos)! Nada disso, porém consegue extrair seu filme de uma certa apatia –na verdade, até piora um pouco as coisas: Tantas são as desventuras a abater-se sobre sua sofrida protagonista, e tão esmerado é o esforço dos realizadores para torná-los uma penitência sem fim, que o papel de amante misterioso resguardado ao omisso Arthur termina fazendo-o parecer um tremendo idiota na maior parte do tempo –o que, claro, depõe terrivelmente contra o romance que, em inúmeras momentos (sobretudo, na inserção quase onipresente da melosa trilha sonora de John Barry), este filme parece querer ser.

domingo, 5 de janeiro de 2025

Ligadas Pelo Desejo


 Primeiro filme realizado pelas Irmãs Wachowski –algo como um experimento do estúdio, a fim de avaliar se eram capazes de fazer um filme antes de viabilizar o orçamento para seu mais ambicioso projeto, um certo épico de ficção científica chamado “Matrix”... –“Bound” possui obviamente uma economia de recursos que define este tipo de realização, no entanto, cumpre seu papel ao exibir uma dupla de diretores (ou melhor, diretoras) em pleno domínio de ritmo e clima de sua narrativa numa obra esperta, original e equilibrada que une elementos noir com um inconformismo pós-moderno que muito remete ao cinema dos Irmãos Coen: Em suma, uma produção indicativa de talentos promissores.

Numa proposta bastante arrojada para a época (anos 1990), mas que hoje tornou-se um bocado lugar comum em muitas produções de cinema e TV, a trama de “Bound”, embora flerte com expedientes de gênero prontamente reconhecíveis como o já mencionado suspense noir e o filme de gangster, tem a audácia de centralizar esses elementos ao redor de um casal de lésbicas (!). Assim como no brilhante “A Criada”, realizado décadas depois, a trama que se desenvolve a partir de alianças, mentiras e traições características de um filme dos anos 1950 e 60 (que parece fascinar seus realizadores) traz não um homem e uma mulher (inescapavelmente uma femme fatale) às voltas com intrigas das quais precisam se safar para escapar juntos e com vida, mas, na verdade, duas mulheres!

Os pivôs dessa inusitada intriga (de novo, inusitada para a época) são Corky (vivida por Gina Gershon, de “Showgirls”) e Violet (vivida por Jennifer Tilly, de “A Fuga” que, dois anos antes, havia sido indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “Tiros Na Broadway”, de Woody Allen). Recém-saída da penitenciária, Corky, sempre marrenta e arredia, arruma emprego como encanadora de um prédio do subúrbio caindo aos pedaços –palco para o desenrolar de toda a trama. Tal prédio, serve de moradia provisória para o casal Caesar (Joe Pantoliano) e Violet (a autêntica femme fatale do filme), e para os eventuais encontros que ele, um capanga contratado da máfia, tem com os gangsteres que pagam seus serviços.

Desprezadas pelos obtusos personagens masculinos, atentas e cientes a todos os desdobramentos pela força das circunstâncias (Corky, é encanadora e, por isso, está sempre ouvindo as negociações que se sucedem nos apartamentos ao lado; enquanto, Violet, no subestimado papel de esposa-troféu, fica por dentro de todas as conversas, alianças e traições das quais participa o marido), as duas pouco a pouco criam um laço afetivo –que descamba, pelo menos em uma cena, para um tórrido interlúdio sexual! –e descobrem que Caesar tem planos de trair seus chefões empregadores, incriminá-los e fugir com seu dinheiro debaixo do braço. Uma vez formando um casal, Corky e Violet têm agora um plano, digamos, paralelo: Ludibriar Caesar em sua traição contra os chefões, e enganar a todos, deixando os homens para trás e fugindo com o dinheiro.

No entanto, é com assassinos sem escrúpulos que as duas estão lidando, e escapar de sua retaliação, caso sejam desmascaradas, será algo que nem toda a esperteza do mundo poderá fazer por elas.

Inovador pelo protagonismo LGBT tão a frente de seu tempo (uma proposta que não deixa de pegar carona nas tendências eróticas adotadas pelo cinema hollywoodiano dos anos 1990), “Bound” certamente terminou à sombra da bombástica realização que as Irmãs Wachowski entregaram poucos anos depois, o que não o impede de ser um trabalho notoriamente interessante e válido, hoje pouquíssimo lembrado.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Navalha Na Carne


 A peça de Plínio Marcos, escrita em 1966, bem como seu comentário sobre a desigualdade social e a exploração humana nos subúrbios cariocas (na infância, Plínio Marcos conviveu com o submundo do porto de Santos), era de fato muito mais eficaz e funcional no teatro, ambiente para a qual foi originalmente criada. Pode-se apontar o dedo com facilidade para o diretor Neville D’Almeida que –como lhe é de praxe –preferiu extrair do texto muito do seu caráter de denúncia, para focar em questões mais filosóficas, bem pouco óbvias, e outras mais mundanas –tanto que algumas passagens se convertem em desvarios nada palatáveis que só fortalecem o teor grotesco do filme –enfatizando com isso seu estilo irrequieto e inconsistente para retratar o mundo cão, no qual o grande ponto de destaque é a presença (e a magnífica nudez sucessivamente explorada) da atriz Vera Fischer, então no auge da beleza e da gostosura daqueles anos 1990 de então.

Na trama, o cafetão Vado (Jorge Perugorría, do sucesso cubano “Morango & Chocolate”, tenebroso com seu sotaque!) invade numa madrugada o quarto da prostituta sob seus cuidados, Neusa Suely (Vera Fischer, boa atriz, ainda que dona de um glamour próprio que não condiz com a marginalidade da personagem). Vado quer que Neusa lhe entregue o ‘lucro da noite’, no entanto, o dinheiro desapareceu. A fim de livrar-se das acusações de Vado, Neusa acusa o vizinho homossexual Veludo (Carlos Loffler, de “Feliz Ano Velho”) do roubo. E está estabelecida assim uma ciranda de tragédia que conduzirá esses três personagens madrugada adentro em direção à uma desforra que consumirá a todos eles.

Adaptado para o contexto cinematográfico experimentado pelo Brasil na década de 1990 –período que marcou o movimento da Retomada, quando a produção cinematográfica brasileira foi interrompida no início da década com a extinção da Embrafilme e as realizações de cinema começaram, gradual e timidamente, a ressurgir amparadas em técnicas mambembes, improvisadas e nas chamadas ‘filmagens de guerrilha’ –este “Navalha Na Carne” incorpora uma certa vulgaridade oriunda do cinema nacional da década anterior (da qual seus pares buscaram se afastar) e se mostra apolítico em sua alienação estética e artística, fruto das pretensões underground modernosas do diretor que dificilmente escapam de um viés bizarro em muitos de seus filmes –o ápice dessa encenação absurdista (e da admirável capacidade do diretor em convencer bons atores a personificar as ideias vexatórias que brotam em sua mente) é a sequência em que a própria Neusa Suely se transfigura numa versão feminina de Jesus Cristo, com direito à cena de crucificação e tudo! Ainda assim, a maior referência de algum engajamento político aqui se identifica numa camiseta estampada com o rosto de Che Guevara da personagem de Vera Fischer (!).

terça-feira, 8 de outubro de 2024

Ajuste Final


 Em seus primeiros projetos cinematográficos, os Irmãos Coen, Joel e Ethan, procuraram visitar distintos gêneros de cinema, a fim de testar suas aptidões e encontrar sua própria voz autoral dentro de expedientes já estabelecidos. É por isso que, em sua primeira fase, fomos brindados com obras como “Gosto de Sangue” (um neo-noir), “Arizona Nunca Mais” (comédia screwball) e “Barton Fink-Delírios de Hollywood” (drama de metalinguagem). À eles, soma-se este “Miller’s Crossing” com o qual os Coen levam um viés inusitado ao filme de gangster.

Ambientado numa cidade norte-americana indefinida (ainda que tenha sido filmado em Nova Orleans), e situado no ano de 1929 (o auge da Lei Seca), “Miller’s Crossing” possui um prólogo que parece um piscadela à “O Poderoso Chefão”, a referência-mor do gênero: Diante da câmera, um descendente de italianos (tal e qual no filme de Coppola) faz um monólogo quase que para a plateia –e para o poderoso ‘chefão’ deste filme, o irlandês Leo O’Bannon, vivido com ar supino por Albert Finney. O descendente de italianos, contudo, é outro gangster, Johnny Casper (Jon Polito, de “A Conquista da Honra”), e ele esboça seu descontentamento com um certo Bernie Bernbaum, um bookmaker clandestino que, apesar de sua insignificância, está incomodando a harmonia de seu negócio de apostas ilegais.

Casper quer Bernie morto. Leo recusa seu pedido. E está, assim, declarada a guerra.

Ouvindo tudo, está Tom Reagan (Gabriel Byrne), braço-direito de Leo e seu melhor amigo, o único aparentemente capaz de expor opiniões discordantes ao irascível Leo. Tom sabe que, ao negar um pedido relativamente sensato à Casper, Leo está pondo a paz de seu império mafioso à perder, mas, Leo se mantém irredutível e a resposta para isso não tarda à vir: Leo está enamorado  da charmosa vigarista Verna Bernbaum (Marcia Gay Harden, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “Pollock”) que vem a ser irmã de Bernie Bernbaum (John Turturro). A pedido de Verna, portanto, Bernie goza da proteção indireta de Leo, e seus deslizes constantes, fonte de irritação de Casper, recebem vista-grossa do chefão. Tom, entretanto, sabe que essa paixonite de Leo pode levar à sua derrocada –e, para complicar ainda mais as coisas, Tom e Verna são amantes às escondidas de Leo (!),

Não obstante o requinte cinematográfica que pontua este filme –enfatizado na brilhante fotografia de Barry Sonnenfeld e na música climática, operística e lírica de Carter Burwell –a trama extremamente complexada e intrincada, abarrotada de informações ambíguas, traições, reviravoltas e alianças forjadas de última hora, é contada mesmo através de diálogos carregados de melindres entre os personagens. Nessa circunstância adornada de perfídia, não chega a ser inesperado quando, ao descobrir a traição do melhor amigo, Leo rompe com Tom e este passar para o lado de Casper –a fim de provar sua lealdade ao novo chefe, contudo, Tom é obrigado por seus capangas à levar o incauto Bernie para a floresta de Miller’s Crossing, local onde, pelo jeito, os mafiosos têm o hábito de levar para sacrificar suas incontáveis vítimas.

Amparados em seus valores cinematográficos à toda prova, os Coen dão uma grande contribuição ao conceito narrativo –difundido pela obra-prima de Francis Ford Coppola –no qual as intrigas e tramóias mafiosas, desenroladas num novelo elaborado de mortes e conchavos, ganham uma carregada aura de tragédia e ópera; exemplo disso, entre outras passagens tornadas memoráveis, é o ataque à mansão de Leo, cujo tratamento bastante estilizado e poético deixa um tanto quanto de lado as pretensões de realismo para ressaltar o ambiente em suas minúcias pictórias, como se todos os locais (a mansão, o escritório de Leo, o quarto de Tom, o Clube Shenandoah –olha a referência! –e a própria Miller’s Crossing) fossem palco dos desdobramentos irônicos de uma mitologia muito particular.

Essas considerações, envoltas numa rigidez acadêmica tanto técnica quanto artística, somadas ao inerente humor negro dos Coen, tornam pouco convincentes (ainda que sempre intrigantes) muitos dos desenlaces da trama –um pequenino lapso que, na maioria de seus excelentes trabalhos, os Coen souberam habilmente contornar.

sexta-feira, 19 de julho de 2024

História Real


 Quando surgem os primeiros créditos na tela, emoldurados num céu estrelado, as informações ali contidas, pode-se presumir, eram inesperadas: Uma produção dos Estúdios Disney; Um filme de David Lynch (!). Os cinéfilos do mundo todo, até então, jamais conceberiam uma união entre o mago dos sonhos (e pesadelos), David Lynch, com a empresa família do camundongo Mickey –no entanto, aí está.

Como era de supor, entretanto, “História Real” é, de fato, uma presença ligeiramente destoante na filmografia de David Lynch, abraçando uma trama simples, linear e identificável de ponta a ponta. A sua direção, sempre habilmente climática, e sempre atenta às nuances nada óbvias da narrativa, nos leva para uma idílica cidadezinha interiorana de Iowa –uma ambientação até comum nas obras de Lynch –onde seu inesperado protagonista nos é apresentado. Alvin Straight (o expressivo Richard Farnsworth) é um idoso de 73 anos e, já de cara, somos tornados cientes de sua fragilidade. Seus quadris não estão bem (ele cai na cozinha e sem ajuda é incapaz de levantar), sua visão, obviamente, já não é a mesma, afetada pela diabetes e sua filha Rose (Sissy Spacek), apesar das limitações intelectuais, precisa monitorá-lo todo o tempo. Contudo, Alvin sabe que tem uma última incumbência a cumprir: Seu irmão Lyle (Harry Dean Stanton, aparecendo somente na emocionante cena final), com quem não fala há dez anos, sofreu um derrame. E a possibilidade de perdê-lo leva Alvin a rever a rusga que os afastou durante uma década, decidindo por ir ao encontro dele.

Só há um pequeno problema: Lyle mora em Wisconsin, a 390 km de distância, e tudo que Alvin dispõe como meio de transporte para chegar lá é o único maquinário que pode operar, um pequeno cortador de grama. Ainda assim, ele decide empreender essa jornada, sem contar com outros recursos, ou auxílios (que até aparecem num ou noutro momento, e sempre são recusados) mais ou menos como uma forma de fazer desse trajeto uma espécie de penitência ao fim da qual Alvin talvez possa perdoar o irmão e a si mesmo.

A história de Alvin Straight realmente ocorreu –como aponta, aliás, o título nacional –em meados de 1994, virando um artigo publicado no The New York Times naquele mesmo ano e, mais tarde, despertando profundo interesse na produtora Mary Sweeney que se encarregou de escrever o roteiro (junto de John Roach) e apresentá-lo à David Lynch. Por sua composição comovente, o veterano Richard Fransworth foi indicado ao Oscar 2000 de Melhor Ator, perdendo a estatueta para Kevin Spacey, por “Beleza Americana”,

Na filmografia de David Lynch, não resta qualquer dúvida, que “História Real” é um corpo atípico, longe de seus delírios fragmentados e surreais. Contudo, ele dialoga em alguns momentos com pelo menos outras duas obras do mestre Lynch: Com “Coração Selvagem” na cena (carregada de algum simbolismo) em que Alvin testemunha o atropelamento de um cervo (o comportamento esquizofrênico da motorista remete aos personagens mais usuais de Lynch); e com “Veludo Azul”, na primeira parte, que precede a viagem de Alvin, onde são capturados breves instantes da vida numa comunidade normal (banal até) norte-americana –é David Lynch ressaltando, em pequenos aspectos minimalistas, as desconfianças, suspeitas e intrigas a brotar na índole de gente comum.

domingo, 30 de junho de 2024

Poção do Amor Nº 9


 Entre uma obscuridade quase cult e o esquecimento completo, a comédia romântica “Poção do Amor Nº 9”, de 1992, foi um dos primeiros filmes a contar com a presença de Sandra Bullock, bem antes dela se tornar famosa. Como toca neste tipo de situação, ela é, aqui, mais coadjuvante do que protagonista ainda que, como acontece em muitos casos, sua presença não demore à gradativamente começar a se destacar.

O protagonista de fato deste filme, escrito e dirigido por Dale Launer (ele escreveu e produziu a comédia “Meu Primo Vinny”), é Paul Matthews, interpretado por Tate Donovan (que, em algum momento antes, durante ou depois das filmagens, namorou Sandra). Paul é o típico romântico dos anos 1980, é sensível e consciente até demais da própria insignificância –essa baixa auto-estima não lhe deixa ter sucesso com as mulheres; na verdade, as rejeições que Paul coleciona, nas suas frustrantes saídas noturnas, são vexaminosas! No desespero absoluto para com essa falta de sorte com o sexo oposto, Paul busca um auxílio místico: A exótica cigana Madame Ruth (a veterana Anne Bancroft) que lhe entrega um produto com a promessa de mudar tudo: Uma poção do amor!

Contudo, Paul é um bioquímico competente e suas pesquisas, ao lado da amiga e colega Diane Farrow (Sandra, numa personagem inicialmente desengonçada e feia, mas que vai se tornando absurdamente linda com o avanço da trama), também ela sofrendo de baixa auto-estima e desejosa de encontrar a alma gêmea, visam descobrir de onde provem o verdadeiro efeito milagroso da poção e, se possível, analisá-lo! Assim, os dois descobrem que a fórmula funciona a partir de feromônios poderosos que interagem na natureza –como os hormônios naturalmente exalados pelas fêmeas dos chimpanzés, que deixam os machos da espécie simplesmente loucos por elas! –que o tal efeito (que se dá curiosamente por meio do som da voz) dura cerca de quatro horas, restando assim o teste em... humanos!

Após muita persistência da parte dos dois, eles desenvolvem uma versão spray da poção do amor (que, segundo a cigana, vem a ser o composto de nº 8), bastando borrifá-lo na própria boca para que sua voz, quando ouvida, tenha o efeito desejado nas pessoas que almejam seduzir. E, de fato, Paul se torna um conquistador implacável –não há mulher que consiga lhe dizer não! –e Diane não tarda a fisgar um belo partido, primeiro, um milionário italiano (interpretado por Adrian Paul que, poucos anos depois, faria a série televisiva inspirada em “Highlander-O Guerreiro Imortal”), e logo depois, ninguém mais ninguém menos do que o próprio príncipe da Inglaterra (!) vivido pelo ator Dylan Baker (de “Treze Dias Que Abalaram O Mundo”).

Apesar disso, ambos (Paul e Diane) acabam se apaixonando pelas únicas pessoas nas quais não testaram realmente a poção: Um pelo outro –é particularmente encantadora a cena em que a personagem de Sandra vai buscar Paul que está preso em uma delegacia e, ainda com a poção fazendo efeito, evita de falar com ele usando a voz e tenta se comunicar por meio de pantomina (ali já estão todos os elementos que viriam a fazer dela, inevitavelmente, uma estrela).

Contudo, Diane acaba, ainda assim, marcando casamento com outro cara, o metido a playboy Gary (Dale Midkiff, de “Cemitério Maldito”). Para Paul não há outra explicação: Somente o uso inescrupuloso da poção do amor por parte de Gary haveria de fazer Diane comportar-se de tal maneira e, ao pedir auxílio à cigana, ela lhe concede o único exilir capaz de colocar toda essa confusão em ordem novamente: A poção do amor nº 9.

Baseado numa canção dos anos 1960 (que já toca durante os créditos iniciais, cantada pela banda “The Searchers”) e acometido de diversos maneirismos narrativos característicos da então recém-terminada década de 1980 (isso sem contar as roupas, as músicas, os penteados, a ambientação...), “Poção do Amor Nº 9” é tão datado que passa até mesmo uma sensação agridoce que por vezes soterra seu humor –também ele estranho na mescla, hoje não muito usual, entre uma comédia mirabolante e pretensamente ferina e um romantismo de viés masculino, para não dizer machista (as personagens femininas, mesmo a de Sandra, são construídas com rasura e indiferença propositais) –entretanto, não obstante todo esse anacronismo, é possível acompanhá-lo do início ao fim sem perder o interesse.

quarta-feira, 26 de junho de 2024

Scarlett/E O Vento Levou 2


 Nada é sagrado em Hollywood. A regra geral, que perdura já tem muitas décadas, é que, se fez sucesso, deve ganhar uma sequência –em certos casos, nem necessita tanto sucesso assim... Improvável, portanto, que uma das realizações mais aclamadas, bem-sucedidas e portentosas de todos os tempos acabasse escapando dessa engrenagem. Quando foi lançado, seja no meio literário, seja no meio cinematográfico, uns anos depois, “E O Vento Levou”, escrito por Margareth Mitchell, foi um sucesso imediato; o filme em si, arrastou multidões para as salas de cinemas –com valores atualizados da inflação, ele continua sendo, até hoje, a maior arrecadação financeira da história do cinema, mesmo a frente de sucessos como “Avatar” e “Vingadores-Ultimato” –e saiu laureado com o maior número de prêmios na histórica cerimônia do Oscar 1940, tida como a mais disputada de todas.

Não apenas o público, mas, sobretudo, os gananciosos estúdios e produtores, sempre imploraram para a autora que uma continuação fosse escrita –até por conta do instigante final em aberto que a obra tem. Entretanto, Margareth Mitchell nunca arredou o pé; a escritora sempre se manteve firme na convicção de que a história não deveria ser continuada, permanecendo da maneira como estava. No entanto, os direitos autorais de Margareth Mitchell (que faleceu em agosto de 1949) iriam expirar nos anos 1970, foi quando se iniciaram os procedimentos para, enfim, dar continuidade à “E O Vento Levou”. Com os direitos autorais disponibilizados por seu herdeiro (no caso, o irmão de Margareth Mitchell), a trama da sequência, após muitas idas e vindas, acabou nas mãos da escritora Alexandra Ripley que publicou a continuação das aventuras e desventuras de Scarlett O’Hara em 1991 –o livro tinha tão somente o título de “Scarlett”.

Três anos depois, em 1994, já estavam em gestação os planos para que a adaptação ganhasse a luz do dia. Para espanto de muitos cultuadores do épico original –que consideravam tudo isso uma heresia! –a sequência foi uma minissérie para TV e não uma obra para cinema; aqui no Brasil “Scarlett”, ou “E O Vento Levou 2”, foi lançado, com seus quatro capítulos compactados num único filme, diretamente em homevideo.

Para o lendário papel de Scarlett O’Hara (cuja procura pela intérprete ideal, que culminou na magnífica Vivien Leigh, foi enredo do sensacional telefilme “Moviola”) foi escolhida a atriz britânica Joanne Whalley (então, casada com Val Kilmer, ela havia chamado alguma atenção no thriller “Escândalo”, de 1989) para o papel de Rhett Butler (imortalizado por Clark Gable) foi chamado o ex-James Bond Timothy Dalton (ele tinha acabado de ser substituído por Pierce Brosnan) e para o papel de Ashley Wilkes (vivido no original por Leslie Howard) foi escolhido o ator Stephen Collins (da série “O Sétimo Céu”).

Na trama, que se inicia na manhã seguinte, em relação ao desfecho do filme original, encontramos Scarlett em Atlanta, no dia do funeral de Melanie Wilkes. Após a partida de Rhett, depois da morte trágica da filha do casal, ela permanece determinada em reconquistá-lo. Contudo, Rhett deseja esquecer o passado e voltar a ser o velho soldado da fortuna desapegado de antes, e com isso, ele atrai a companhia da cortesã Belle Watling (Ann-Margret).

Numa manobra que afasta a personagem de sua essência original, é Scarlett quem se esforça para reconquistar o amor de Rhett, tornando a primeira parte da trama uma série de situações aleatórias e pouco envolventes: Retornando à Tara, a fazenda de propriedade de sua família, Scarlett descobre as dificuldades nas quais está vivendo sua irmã, Sue Ellen (Melissa Leo, vencedora do Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por “O Vencedor”), ocupante de lá.

Em seguida, termina indo para Charleston, visitar a Família Butler e tem atritos com a mãe de Rhett (Julie Harris) na tentativa de ganhar a ajuda dela para uma reconciliação. Entre uma escapadela com sua antiga paixão, Ashley, e uma ida à propriedade de sua mãe em Savannah, enquanto é recebida por seu avô Robelard (John Gielgud), Scarlett procura reaproximar-se de seus parentes, como o primo Colum (Colm Meaney, de “Os Vivos e Os Mortos”), ordenado padre.

A partir de certo ponto, frustrada pelos infortúnios, Scarlett decide viajar para a Irlanda,

onde conhece o Lord Richard Fenton (Sean Bean), dono da propriedade Ballyhara, a casa ancestral dos O'Hara. Ela compra-lhe a propriedade e torna-se assim, a chefe da família O'Hara, contudo, Scarlett termina se envolvendo na guerra civil de outro conflito armado, um pano de fundo histórico que substitui, de forma um tanto quanto ineficaz, a Guerra de Secessão do primeiro filme. Na Irlanda, Scarlett é perseguida, violentada e presa –num enredo cuja sucessão de revezes lembra involuntariamente uma novelona mexicana! –e, acusada no tribunal, é socorrida na última hora por Rhett.

Mesmo sua fonte, o livro de Alexandra Ripley, já era incapaz de igualar a excelência da fonte original, que o diga esta adaptação limitada, básica e negligenciada –sequer teve um bom orçamento da parte de sua produtora, a emissora de TV CBS –o resultado é uma obra sôfrega, balbuciante na tentativa de acompanhar os desdobramentos do livro, incapaz de igualar qualquer lampejo de intensidade da magnânima produção que almeja dar continuidade.

Joanne Whaley podia até ser uma atriz bela, talentosa e atrativa, mas ela não consegue (como qualquer uma jamais conseguiria) se equiparar a Vivien Leigh e sua presença incandescente na personagem ímpar que ela desempenhou, o mesmo vale para Timothy Dalton que, em seus melhores momentos, se revela adequado no papel de Rhett Butler, mas nunca chega a atingir a voltagem palpitante no misto de galã e cafajeste que Clark Gable tão magnificamente foi capaz de incorporar.

sexta-feira, 14 de junho de 2024

A Última Tempestade


 Unir Peter Greenaway e William Shakespeare numa mesma obra é, em si, uma ideia curiosa e promissora; e “A Última Tempestade” prova, em sua originalidade e em sua vasta audácia audio-visual, que podem existir limites ainda não testados na linguagem cinematográfica. Concebido a partir da peça “A Tempestade”, de Shakespeare, o roteiro em cima do qual Greenaway dedica seu inconformismo técnico e artístico, conta a história de Próspero (o grande John Gielgud), o Duque de Milão, então deposto de seu título e banido para uma ilha remota na qual tem tão somente a companhia da filha Miranda (Isabelle Basco) e de sua vasta e rara biblioteca. Lá, Próspero começa a narrar –não sem uma forte intervenção pessoal e particular nos eventos como eles são recordados –os percalços que o levaram àquele lugar.

Lançado em 1991 –no auge do movimento conhecido como Novo Cinema Britânico, prolífico em obras desafiadoras como “Orlando-A Mulher Imortal” –“A Última Tempestade” não apenas é uma das obras mais radicais daquela vertente, como foi também a mais radical e pessoal até então perpetrada pelo diretor Peter Greenaway; isso numa filmografia que até então abarcava títulos como “Afogando Em Números” e “O Cozinheiro, O Ladrão, Sua Mulher e OAmante”!

O que testemunhamos se concretizar na tela é algo por vezes desafiador a uma tentativa de categorização: Uma peça de teatro, desenvolvida, como tal, em um grande a abrangente palco, porém, convertida em um formato palpitante, pulsante e cinematográfico por desconcertantes recursos de video e de computação gráfica que distorcem e corrompem a imagem –a exemplo do próprio Próspero que, em sua vaidade ferida, distorce e corrompe a própria narrativa. Dentro dessa verdadeiro orgia visual, os atores dispostos em cena parecem se mover numa coreografia ensaiada e cronometrada, como numa dança onde todos obedecem o ritmo da música, contudo aqui, eles obedecem as vontades do protagonista/narrador: Em sua compreensão instintiva e certeira da obra do bardo, o diretor Greenaway entendeu o quão Shakespeare depositou muito de si mesmo em Próspero ao escrever “A Tempestade” –se Shakespeare é Próspero, então ele concebe a seu protagonista o poder que nenhum outro personagem tem: O de interferir, para o bem e para o mal, no destino de todos. É por isso que, em sua narração altamente erudita e literária, Próspero (cujo ator, John Gielgud, diga-se, faz a voz de todos os outros personagens também!) todos em cena se submetem aos seus planos e às suas vontades.

Indício poderoso dessa contundente transfiguração, é título original –“Próspero’s Books” –nos quais o autor reafirmar serem estas as impressões únicas e exclusivamente de seu personagem principal sobre tudo; e nessa onipotência metafísica assim concedida ao seu protagonista, Greenaway de moldar cenas assombrosas em seu desvario pictório, seu erotismo iconoclasta e sua transmutação plástica.

Uma mescla de pretensões indissociáveis entre a influência artística renascentista (uma obsessão de Greenaway) e a mais moderna tecnologia audio-visual da época, “A Última Tempestade” honra com propriedade estonteante a orientação primal do cinema de Peter Greenaway onde as imagens se transformam, se sobrepõem ou se completam diante do olhar atônito do público.

Desnecessário dizer que se trata de uma obra para públicos muito específicos –aqueles poucos predispostos a absorver uma experiência sensorial tão rica em detalhes e referências que certas cenas exigem atenção redobrada, acumulando mais detalhes, pistas e informações que um vislumbre meramente casual é capaz de exercer.

domingo, 19 de maio de 2024

Frankenhooker - Que Pedaço de Mulher!


 O primeiro filme assistido por um ainda bem jovem Frank Henenlotter (com sete anos de idade!) foi o terror “Vale dos Zumbis” (de 1946, dirigido por Philip Ford), a ele seguiu-se, anos depois, “Força Diabólica” (1958, de William Castle), “Psicose” (este dispensa apresentações!) e “Circo de Horrores” (1960, de Sydney Hayers, o seu preferido) experiências que moldaram o caráter e a personalidade de Henenlotter enquanto realizador –e o fizeram apaixonado por alguns dos expedientes mais extremos do gênero terror. Só para se ter uma ideia, o seu primeiro trabalho em curta-metragem, “Slash Of The Knife”, foi considerado demasiado ofensivo para obter uma exibição junto de “Pink Flamingos”, de John Waters (!).

Entretanto, foi na ocasião desse projeto pessoal e quase experimental (como foram pessoais e quase experimentais praticamente todos os trabalhos da carreira de Henenlotter) que ele conheceu o produtor Edgar Levins, que assinou a produção de seus longa-metragens, incluindo este “Frankenhooker”, lançado em 1990.

Como o próprio título original já sugere, “Frankenhooker” é uma variação plena de deboche do clássico “Frankenstein”, de Mary Shelley, tantas vezes adaptado para cinema. Interpretado pelo ator James Lorinz (de “O Rei de Nova York”) o protagonista, Jeffrey Franken (nome que, a um só tempo, faz referência ao personagem principal do clássico “Frankenstein” como também do cult “Re-Animator”), é um eletricista que acalenta a ideia de tornar-se um inventor ou cientista (um ‘bio-eletricista’ diz ele) mesmo que alienado da realidade. Uma de suas inúmeras criações vem a ser um cortador de grama avançado que, em descontrole, estraçalha sua noiva, Elizabeth (vivida por Patty Mullen, ex-modelo erótica da revista Penthouse). Inconformado com a bizarra tragédia, Franken põe em prática uma plano ainda mais bizarro: Ele desenvolve em laboratório uma espécie de crack explosivo –quando consumido, leva seus usuários a explodirem em pedaços (!) –e sai pela noite, mais especificadamente pelos inferninhos nova-iorquinos, oferecendo a droga para diversas prostitutas, escolhendo as partes do corpo que mais lhe interessam na intenção de uní-las à cabeça de Elizabeth e recriar, por meio de uma experiência, sua noiva outra vez (!).

No entanto, a experiência não sai exatamente como planejado: a Criatura (uma vez mais interpretada por Patty Mullen) é despudorada e desengonçada (ainda que sexy), tendo herdado também a natureza promíscua oriunda dos pedaços anatômicos das prostitutas. A ela não interessa nem um pouco retomar qualquer vínculo sentimental com o Dr. Franken, mas sim sair pela noite a rodar sua bolsinha (!), e propor uma transa aos clientes mediante pagamento (!!), contudo, há uma complicação: Surgida justamente de uma experiência eletromagnética, a tal Criatura, ao chegar no clímax sexual, provoca uma descarga elétrica em seus parceiros, levando-os à morte!

Ousado na sua miscelânea incomum e desconcertante de gêneros –possui todas as audácias impraticáveis do terror extremo; todas as galhofas debochadas e desembaraçadas de uma comédia pastelão; e todos os absurdos crescentes e escatológicos de uma fábula macabra –“Frankenhooker” só não se revela um filme ainda mais gráfico no que diz respeito ao gore (como foram os trabalhos anteriores de Henenlotter, os doentios “Basket Case 1 e 2”) graças à iniciativa de seu técnico em efeitos especiais, Gabe Bartalos, que optou, neste projeto, por um repertório que priorizasse raios e fumaças (numa homenagem aos Clássicos de terror da Universal) ao invés dos usuais sangue e vísceras.

Mesmo assim, o resultado segue sendo uma pérola absurdista, tosca e deturpada, um exemplo quase singular de como puderam ir à extremos alguns trabalhos irrestritos do cinema trash perpetrados nos anos 1990.

quinta-feira, 11 de abril de 2024

O Casamento do Meu Melhor Amigo


 Ainda na década de 1990, a carreira da estrela Julia Roberts, então a rainha das comédias românticas da época, havia estagnado –filmes insossos e repetitivos, e tentativas pouco eficazes de fazer cinema sério, começavam a fazer o público se cansar de sua bela imagem. Foi então que o diretor australiano P.J. Hogan (realizador da pérola “O Casamento de Muriel”) conseguiu revitalizar seu estrelado ao escalar Julia para o papel principal neste pequeno conto de comicidade e engenhosidade onde –pasmem –ela faz o papel de vilã (!). O roteiro, assinado por Ronald Bass (roteirista de “O Clube da Felicidade e da Sorte” e “Rain Man”), é segundo ele próprio inspirado numa ideia que teve ao presenciar uma linda e espetacular cerimônia de casamento de amigos pessoais: Ele imaginou uma personagem disposta a estragar todo aquele evento estupendo!

Para que tal premissa, a um só tempo graciosa e ferina, funcionasse, o diretor Hogan lançou mão de elementos notáveis e surpreendentes que fogem do conceito de uma mera comédia romântica (embora, em sua simplicidade, esta produção seja uma) e agregam características de cinema de verdade –e a primeira delas é seu elenco: Na personagem de Julianne Potter, uma crítica gastronômica ciente de que está numa idade onde já deveria ter achado o homem de sua vida, Julia Roberts revela-se perfeita, engraçada e vulnerável; um equilíbrio preciso entre a ternura de outras personagens que ela já interpretou e uma predisposição para cometer estratagemas e intrigas mesquinhos que, por incrível que pareça, não fazem o público detestá-la. Também está perfeito Dermot Mulroney como Michael, o melhor amigo de Julianne e aquele a quem ela começa a enxerga, um pouco tardiamente, como a pessoa que pode, sim, ser o homem de sua vida. Tardiamente, porque Michael entra em contato com ela justamente para que seja madrinha de seu casamento iminente com a doce Kimberly (a maravilhosa Cameron Diaz, ainda uma revelação no cinema tendo feito “O Máskara” três anos antes).  Contudo, ninguém desse pessoal rouba mais a cena deste filme do que George, o charmoso, sensato e ocasionalmente perplexo amigo homossexual de Julianne (interpretado de maneira sensacional por Rupert Everett) que, lá pelas tantas, acaba tendo que fingir ser namorado dela (!). Afinal, Julianne aceita o convite do casamento entre Michael e Kimberly disposta a estar por perto durante todos os eventos que antecedem as celebrações e aproveitar a oportunidade para elaborar todos os planos possíveis para acabar com a cerimônia, certa de que é ela quem pode fazer Michael feliz.

A fim de adornar com um certo alto-astral a vilania que pontua muita da narrativa e das ações tomadas pela protagonista, o diretor Hogan se vale de um repertório esfuziante de músicas de Dionne Warwick (em especial, “I Say A Little Prayer” cantada numa cena antológica) tal e qual ele fez em “O Casamento de Muriel”, com músicas do ABBA.

terça-feira, 2 de abril de 2024

Danzón - Meu Amor Perdido


 Há algo de “Sob O Sol da Toscana” (de Audrey Wells, estrelado por Diane Lane) neste semi-clássico cult “Danzón”, dirigido por Maria Novarro: Ambos expõem, em seu enredo e em suas minúcias, as dificuldades existenciais para uma mulher balzaquiana tentar um recomeço de vida, ainda que um otimismo predominante e uma ternura bem humorada deem o tom.

Pérola do cinema mexicano dos anos 1990. “Danzón” traz o despojamento na rodagem em película de suas imagens e nas atitudes cafajestes flagradas pelos transeuntes (que assediam desavergonhadamente a protagonista pelas ruas), num comportamento que causa um certo contraste com a forma de postura masculina empregada e aceita hoje: certamente, se um filme assim fosse realizado nos tempos atuais ele se posicionaria de maneira muito mais contestadora (e em última instância, repreensiva) em relação ao ato corriqueiro de mexer com uma mulher na rua –todavia, naqueles anos 1990 de então, o filme (dirigido por uma mulher, veja bem!) adota um olhar até mesmo romantizado para tal flerte!

A telefonista Julia Solórzano (a extraordinária María Rojo, do corrosivo “A Ditadura Perfeita”) vive sua vida em função de seu trabalho e de sua filha adolescente na Cidade do México. Sua única válvula de escape é o Salón Colonia, um clube que ela frequenta religiosamente todas as quartas-feiras, onde ela extravasa essas frustrações da vida de mulher moderna dançando danzón, um ritmo de música cubana. Há anos, seu parceiro de dança (e nada mais, visto que mal se conhecem...) é o desprendido Carmelo (Daniel Rergis) que, para surpresa de Julia, desaparece numa certa noite.

Uma vez sem o protagonista de seus extravasamentos, Julia se dá conta de que é incapaz de livrar-se do stress e do desgaste, e com isso, toma a decisão de descobrir o paradeiro de Carmelo que, dizem, partiu para Vera Cruz, por sua vez à procura de um irmão perdido. Indo para Vera Cruz, Julia se hospeda numa pensão gerenciada por Dona Ti (Carmen Salinas, de “Chamas da Vingança”) onde conhece o travesti Suzy (Tito vasconcelos, de “Sem Tom Nem Sônia”) e vivencia uma série de circunstâncias nas quais, pouco a pouco, se dá conta que sua viagem não é uma jornada para reencontrar Carmelo, mas sim uma jornada de auto-descoberta onde ela reencontra a si mesma.

A diretora Maria Novarro rodou “Danzón” em 1989, lançando-o somente em 1991. Sua obra é um marco no cinema mexicano e na representação feminina em frente e atrás das câmeras –está entre os primeiros trabalhos a ser dirigido, escrito e estrelado por mulheres.

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2024

O Demolidor


 Nas décadas recentes, surgiu uma espécie de listagem, na internet, apontando todos os tópicos em que esta ficção científica de ação lançada em 1993 conseguiu acertar acerca de como supostamente o ‘futuro’ seria. Tal precisão notável, não provém, de forma alguma, do quanto o filme se propôs sério, nem tampouco profético, mas da curiosa e inesperada predisposição para a comédia que surge quase involuntariamente no roteiro, escrito entre outros, por Daniel Waters (o mesmo do cáustico, questionador e sarcástico “Atração Mortal”) –ao dar asas à imaginação e conceber um futurismo social aludido pelas improváveis considerações de autores como Aldous Huxley (“Admirável Mundo Novo”) e George Orwell (“1984”), o roteiro de “O Demolidor” satiriza os indivíduos criados numa sociedade oriunda de regras progressivas sob um prisma politicamente correto que corresponde a muito do que se tornou corriqueiro nos dias de hoje. E isso, além do eficiente divertimento que ele promove, deu ao filme um improvável e surpreendente aspecto profético.

No ano de 1996 –três anos, portanto, afrente do ‘presente’ no qual “O Demolidor” foi lançado –o policial John Spartan (Sylvester Stallone) e o bandidão Simon Phoenix (Wesley Snipes, ótimo), ainda que inimigos mortais e de lados opostos da Lei, são sentenciados a uma mesma e inovadora pena, a Crio-Prisão –graças à uma armação de Phoenix na qual seus reféns terminam mortos e Spartan, acusado. A Crio-Prisão trata-se de uma sentença futurista na qual criminosos condenados são congelados por criogenia, até que os anos da pena acabem passando e, ao final, são libertados, descongelados, e têm implantes de memória que os fazem se integrar com mais facilidade à sociedade.

Entretanto, no ano de 2032, quando uma fusão entre duas metrópoles cria a pacífica e utópica San Angeles –na qual o crime inexiste e, portanto, as forças policiais já não têm ideia de como lidar com ele! –o perigoso Simon Phoenix é tirado de sua animação suspensa e, dotado da fúria psicótica com a qual ficou conhecido, passa a promover um terror injustificado na pacata cidade. A saída para os perplexos e ineficientes policiais do futuro é descongelar o único homem que foi capaz de detê-lo no passado, o também condenado policial John Spartan.

Embora o filme dirigido pelo diretor Marco Brambilla não fique a dever aos fãs de Stallone no quesito cenas de ação, é na sua gaiata e divertida tentativa de adaptação àquele bizarro mundo futurista que a trama de “O Demolidor” mais parece se concentrar, e é nesses momentos que encontra um êxito mais nítido –a interação dele com a policial Lenina Huxley (a sempre maravilhosa Sandra Bullock, ainda desconhecida, numa personagem que leva o sobrenome de Aldous Huxley e o nome da protagonista de “Admirável Mundo Novo”, Lenina Crowne) é hilariamente deliciosa justamente pelo choque e contraste de comportamentos entre o jeito despachado, inofensivo e asséptico dela e das pessoas de 2032, e a atitude brucutu, mal-humorada e indignada de Spartan, absolutamente inconformado com os rumos tomados pelo futuro, no qual as pessoas são multadas automaticamente por falar palavrões (!), a comida se converteu numa dieta saudável, alienada e irredutível (alguém lembrou do movimento vegano?) e as maneiras minimamente ríspidas (que o diga a agressividade propriamente dita) foram abolidas.

Digno de encabeçar com facilidade qualquer lista dos melhores filmes de Stallone na década de 1990, “O Demolidor” oferece aos fãs tudo o que se pode esperar de um filme de Sylvester Stallone –ação bem conduzida e bem realizada, pancadaria e um enredo nítido e bem delineado da Lei contra o crime, o bem contra o mal –contudo, seu grande diferencial e a surpresa com a qual acometeu expectadores daqueles tempos vem do delicioso desmazelo de seu humor futurista e suas piadas que, por mais que pudessem soar fantasiosas até mesmo aos realizadores na época, terminaram antecipando alguns elementos hoje bem reais. Logo abaixo, uma singela lista de alguns tópicos que “O Demolidor” acertou em cheio na sua despreocupada sátira futurista:

-Pessoas buscando auto-estima (e outras soluções práticas da vida) nos recursos digitais.

-Reuniões virtuais feitas por home-office.

-A carreira política de Arnold Schwarzenegger (!).

-Comando ativado por voz em residências.

-Moeda digital.

-Comprimidos substituindo a alimentação comum.

-Telefones portáteis que acessam a internet.

-Carros elétricos autônomos.

-Leis antifumo.

-Polícia de pensamento (ou Patrulha Ideológica).

-Germafobia (ou o medo patológico de germes, a hipocondria crônica).

-Controle de armamento.