segunda-feira, 21 de novembro de 2016

Showgirls

Na opinião de uns, a grande mancha na carreira de Paul Verhoeven, na de outros, um daqueles “prazeres culpados” a que se assiste com certa vergonha e constrangimento, mas igual interesse pelo resultado atroz, vulgar e pecaminoso obtido na tela.
“Showgirls” é uma junção de fatores que o tornam uma presença bizarra e desigual em meio à filmografia dos anos 1990. Não é um filme bom. Também não é um filme ruim. É um meio termo que oscila jocosamente entre esses extremos, e por isso mesmo, acabou se tornando um cult com o passar dos anos. Cinéfilos murmuram seu nome em conversas sussurradas, envergonhados de admitir que o assistiram.
Verhoeven vinha de uma bem-sucedida parceria com o roteirista Joe Eszterhas, na qual conceberam o suspense erótico “Instinto Selvagem”, um dos grandes sucessos da primeira metade daquela década. Em alta, os dois foram reunidos mais uma vez para filmar um novo roteiro de Eszterhas –segundo consta, vendido ao estúdio por um valor recorde! –que tratava uma vez mais do mesmo assunto que eles antes souberam manipular tão bem: O sexo.
Esse na verdade sempre foi um elemento bastante presente na filmografia de Verhoeven, desde seus trabalhos mais autorais na Holanda: Desde o magnífico “Louca Paixão”, até sua estreia no cinema americano com o notável “Conquista Sangrenta”, o diretor holandês não evita, em suas obras, este que é uma dos mais primitivos e essenciais atos comportamentais do ser humano.
(E existem tantos bons filmes de Paul Verhoeven que até me pergunto, por que, diabos, estou aqui falando logo deste?!)
De qualquer forma, o roteiro escrito por Eszterhas mergulhava muito mais a fundo na sexualidade de seus personagens, fazendo daquilo a própria finalidade da trama, ao invés de torná-lo uma mera característica da história. “Showgirls” contava assim a trajetória de Nomi (a sexy e canastrona Elizabeth Berkley), jovem que chega à Las Vegas, onde logo se deixa fascinar pelas apresentações de dança nos cassinos, onde encontra uma veterana estabelecida (Gina Gershon) com quem vai nutrir uma imediata rivalidade que só crescerá em paralelo com sua ascensão –uma fórmula bastante empregada pelo cinema, de “A Malvada” até “Memórias de Uma Gueixa”.
É bem provável que “Showgirls” tenha menos nudez e sexo de fato do que na forma como o filme é lembrado no subconsciente coletivo do público –ainda que realmente tenha! Para todos os efeitos, ele é lendário pela quantia alarmante e exorbitante de mulheres nuas em cena. Mas, não é bem isso.
Um bom diretor, apesar dos pesares, Verhoeven não constrói sua narrativa impondo nudez e sexo de forma compulsória como ocorre nos filmes eróticos mais chulos: Ele se aproxima gradativamente dessa condição, como pede a trama, ainda que seja bastante redundante observar isso, visto que, ao longo do filme, o próprio roteiro cria deliberadamente situações que escancaram o pior lado do diretor –o seu gosto particular por bizarrices sexuais, por comportamentos extremos que, não raro, tendem a uma óbvia misoginia.
Sem falar da sua protagonista, Elizabeth Berkley que, de um ponto em diante surta e dá chilique sem parar enquanto faz posse de melhor atriz do mundo, transformando o filme em uma comédia involuntária.
Todos esses elementos em descontrole, combinados à ambientação propositadamente cafona, criaram uma obra terrível, que revelou-se uma catástrofe artística.
O resultado de um fracasso tão espetacular foi a necessidade de uma reinvenção da parte de Paul Verhoeven, que hoje conduz uma carreira mais austera e sólida (reza a lenda que ele tinha sido, até então, o único artista da história a receber pessoalmente –e agradecer em um discurso! –o Framboesa de Ouro de Pior Diretor, quando “Showgirls” conquistou tal ‘honraria’ em 1995), já do restante da turma, Joe Eszterhas, Elizabeth Berkley e Gina Gershon, muito pouco se ouviu falar...
É provável que hajam significados nas entrelinhas do trabalho de Verhoeven –o quê muitos de seus cultuadores argumentaram ao longo dos anos –mas, nada disso redime “Showgirls” pelo fato de deixar o expectador com imagens extraordinariamente incômodas depois que acaba.

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