segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O Grande Mestre

O cinema chinês possui dois atores chamados Tony Leung.
Um deles, é Tony Leung Ka Fai, de filmes como “Eleição-O Submundo do Poder”, de Johnnie To, e “O Trem de Zhou Yo”, com Gong Li.
O outro, é Tony Leung Chiu Wai, mais famoso e bem  mais talentoso, de obras como “Amor À Flor da Pele”, de Wong Kar-Wai, “Herói”, de Zhang Ymou e este “O Grande Mestre”, também de Kar-Wai.
Aliás, foi o próprio Kar-Wai quem promoveu o encontro dos dois num mesmo elenco, em seu rebuscado épico de artes marciais "Cinzas do Passado".
É o segundo Tony Leung quem interpreta, com sua habitual maestria e brilho, o lendário mestre das artes marciais Ip Man, treinador do próprio Bruce Lee, e que serviu de inspiração para inúmeros filmes sobre sua vida. Kar-Wai se mune desse magnífico protagonista, ladeado de um elenco igualmente sensacional (que iclui também a estrela Zhang Zi Yi, que fez par com Leung em “2046-Os Segredos do Amor”), e conta com o arrojo do coreógrafo de lutas Yuen Wo Ping (o homem por trás das proezas de “O Tigre e O Dragão”, de Ang Lee, “Matrix”, dos Irmãos Wachowski, e “Herói”, de Zhang Ymou), para dar sua própria e absolutamente pessoal versão dessa figura tão famosa na China.
Se fôssemos comparar os grandes cineastas atuais da China com, por exemplo, os notáveis jovens cineastas que promoveram uma mudança no cinema norte-americano na década de 1970, Ang Lee, provavelmente, seria Steven Spielberg, enquanto Zhang Ymou seria Francis Ford Coppola. Já, Wong Kar-Wai seria Brian De Palma –um artesão competente, mestre na narrativa, cuja própria vaidade se reflete em seus trabalhos fazendo muitas vezes o estilo se sobrepor à essência.
Ele continua o mesmo em “O Grande Mestre” e essa irredutível postura formal compõe cenas de um deslumbre quase opressor em seu minimalismo de detalhes. Ainda que as cenas de lutas estejam lá, encenadas com uma precisão que pode surpreender expectadores acostumados apenas aos filmes de ação americanos, o roteiro se debruça sobre infinitas e complexas minúcias sociais e politicas do período, como será perceptível mais à frente.
Em meados dos anos 1930, a perícia do prominente Ip Man (Leung) chama a atenção de muitos mestres marciais da província de Fonshan, no sul da China, que insistem a ser ele o representante do sul numa espécie de duelo amistoso contra um mestre do norte.
Após esse embate de natureza afavelmente política, o nome de Ip Man se torna famoso, e ele, alvo do inesperado interesse da jovem Gong Er (Zhang Zi Yi), única filha do mestre que o desafiou.
Mais tarde, eclode a Segunda Guerra Mundial, e a China se vê aos poucos dominada pelos japoneses, na década de 1940 e 50, o quê fragmenta gradativamente a narrativa: Ip Man é quase deixado de lado, quando Kar-Wai se aprofunda nos dilemas e conflitos de Gong Er, e sua longeva disputa com o discípulo que traiu seu pai; e na trama paralela de um agente dissidente chinês conhecido como ‘Navalha’, obrigado a se refugiar em Hong Kong.
Wong Kar-Wai faz dessa forma um belo, porém exaustivo compêndio da história da China e dos rumos tortuosos tomados, durante aquele período, por suas mais importantes escolas de artes marciais. Perto do fim fica bastante clara a enorme influência que a obra-prima de Sergio Leone, “Era Uma Vez Na América”, teve sobre este trabalho: São inúmeras cenas de forte natureza referencial –algumas inclusive no uso da trilha sonora que lembra muito a partitura de Ennio Morriconne –as escolhas visuais, as opções estéticas perceptíveis na cenografia, e a própria decisão de torna esta uma abordagem mais ampla que vai muito além de seu protagonista. Tudo isso lembra bastante o épico de Leone.
Um esforço cinematográfico estóico, no qual Kar-Wai buscou um meio de unir essa referência à um dos grandes filmes do cinema, o seu próprio olhar, sempre passional e dilacerante, sobre as escolhas da vida de seus personagens, e a intenção de honrar uma das grandes figuras míticas de seu país.

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