“Morte piedosa. Como ama sua preciosa culpa!”
Das tantas adaptações literárias que
enfrentaram o crivo ferrenho dos fãs para encontrar um caminho adequado que as
levasse para a tela grande, uma das que mais sofreu repercussões certamente foi
a versão cinematográfica da primeira parte das “Crônicas do Vampiro”, de Anne
Rice que na época (primeira metade da década de 1990) era uma das obras
literárias mais populares e aclamadas de então.
Não importava se a direção ficaria a cargo do
talentoso e conceituado Neil Jordan (diretor irlandês cuja presença já antevia
uma aura desigual ao projeto), não importava se o personagem Lestat seria
interpretado pelo normalmente dedicado Tom Cruise (um astro que, apesar de
tudo, sempre demonstrou afinco nos filmes que recebiam sua atenção). Para os
fãs e para a autora em pessoa, o projeto de “Entrevista Com O Vampiro” já
nascia com uma névoa de frustração a cercá-lo, pelo simples fato de seu
veredicto antecipado: O de ser o filme inferior ao livro.
Razões para o pessimismo nunca faltaram: O
cinema dificilmente conseguiu igualar, em intensidade e detalhismo, as
transposições de grandes e elogiados textos para a telona. Por que com uma das
mais agraciadas revisões literárias do mito do vampiro isso seria diferente?
Mas, por incrível que possa parecer, o filme
prova, paulatinamente, cena a cena, que isso não é uma verdade absoluta.
Do início ao fim, “Entrevista Com O Vampiro”
pulsa de um preciosismo e de um esplendor visual que emolduram com indiscutível
beleza a trama intrigante, apaixonada e reflexiva sobre as criaturas que
atravessam a eternidade a lidar com os percalços de sua própria natureza
imortal.
Tudo começa num quarto de hotel em São
Francisco, no tempo presente –ou seja, 1994 –quando Louis (um adequado Brad
Pitt) recebe um jovem repórter (Christian Slater, substituindo o ator River
Phoenix, que veio a falecer) para a ele fazer uma revelação um tanto quanto
estarrecedora: Ele é um vampiro cuja existência já se estende há longínquos 200
anos de idade!
Além disso, Louis também lhe conta toda a sua
longa história, desde quando fora transformado pelo sanguinário Lestat (Tom
Cruise, realmente sensacional no papel), passando pela dolorosa aceitação de
sua condição de imortal criatura da noite, ao encontro com uma menina-vampira
(Kirsten Dunst, estreando bem novinha no cinema, com uma personagem de
sutilezas e complexidades bastante estremas para uma criança), culminando na
sua estóica busca por outros de sua espécie e por respostas a suas tantas
perguntas, terminando enfim no decorrer de dois séculos e no modo como aprendeu
a assimilar uma nova época.
Um trabalho de inúmeras ramificações
filosóficas, adaptado de maneira bela e esplendorosa, renovando o mito dos
vampiros em seu registro cinematográfico da mesma forma que o best-seller de
Anne Rice o fez décadas antes na literatura: Hoje, pode até constar, com
justiça, em uma lista dos melhores filmes de vampiros do cinema.
A grande ironia é que a
gritaria dos fãs e da autora soa ainda mais desmedida, injusta e desnecessária
quando ficamos sabendo que uma continuação ‘bastarda’ deste filme foi realizada
anos depois, sem Tom Cruise, sem Neil Jordan, e sem talento: Foi “A Rainha dos
Condenados”, que trazia o apático Stuart Townsend no papel de Lestat, sequer
estabelecendo maiores conexões com a trama pulsante deste filme.
Nenhum comentário:
Postar um comentário