terça-feira, 20 de maio de 2025

Conclave


 Adaptado do livro de Robert Harris, lançado em 2011, “Conclave” pode ser descrito como um filme onde, durante toda a sua totalidade, acompanhamos homens religiosos (cardeais, em sua maioria) a dialogar pelos cantos, ocupados com seus dilemas e com as conspirações internas de sua própria política –no entanto, apesar de aparentemente se restringir realmente a isso, o filme de Edward Berger (cuja obra anterior, “Nada de Novo No Front”, já havia deixado bem claro seu potencial) consegue envolver, surpreender e engajar amparado em alguns valores hiperlativos que o fazem cinema de altíssimo nível: O roteiro brilhantemente construído e conduzido (tanto que venceu a categoria de Melhor Roteiro Adaptado no Oscar 2025), o elenco primoroso que eleva a tensão e o suspense embutidos nas intrigas, e sua prodigiosa montagem, capaz de impor ritmo e atmosfera onde poderia não haver nada disso.

O Vaticano é abalado pelo notícia da morte do Papa. A fim de eleger um novo pontífice, os poderosos cardeais, proeminentes figuras de liderança da Igreja Católica ao redor de todo o mundo se reúnem para a execução de um conclave, por meio do qual, após dias de deliberação e votação, isolados de todo o mundo, devem chegar a um consenso e apontar o novo Papa entre um deles mesmos.

Para conduzir tal conclave com o máximo de parcimônia, harmonia e sensatez é escolhido o torturado Cardeal Lawrence (Ralph Fiennes, digno de um Oscar), cujas atribulações o levaram a uma tentativa de renunciar ao seu cargo religioso, a despeito de despontar como um dos possíveis candidatos a novo Papa. Outros a disputar o papado são: O cotadíssimo Cardeal Tremblay (John Lithgow), oculto atrás de segredos conspiratórios que logo revelam ser ele uma verdadeira serpente; o Cardeal Adeyemi (Lucian Msamati), da África, truculento e objetivo como seu ofício exige, mas dono de um passado comprometedor; o Cardeal Tedesco (Sergio Castellitto, de “O Último Beijo” e “Imensidão Azul”), cujas posturas ideológicas extremistas fazem dele um correspondente aos inquisidores da Idade Média nos tempos atuais (!); e o estratégico ainda que demasiado errático Cardeal Bellini (Stanley Tucci).

Esses personagens –e outros mais que se somam gradualmente à narrativa (como a Irmã Agnes, primorosamente interpretada por Isabella Rossellini) –correspondem, de certa forma, à algumas pautas em vigor no mundo, por meio das quais vislumbramos a gênese da intolerância, das divisões e até mesmo das guerras. Em última instância, “Conclave” é um trabalho fenomenal que, através desse fascinante e tremendamente misterioso e sigiloso micro-cosmos que retrata com minúcia assombrosa (somente o livro de Robert Harris, antes deste filme, atreveu-se a vislumbrar a reconstituição de como seria o desenrolar de um conclave real), observa cada uma das predisposições que nos afastam de um consenso e nos impelem, enquanto sociedade, ao atrito –nesse sentido, esta estupenda realização de Edward Berger dialoga com a série documental “Por Que Odiamos”, produzida por Steven Spielberg, na forma objetiva, transparente e cirúrgica com que se debruça sobre as celeumas morais, sociais e culturais dos seres humanos –mesmo que tais seres humanos sejam homens vistos do alto de uma pressuposta santidade.

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