quarta-feira, 8 de novembro de 2023

Nada de Novo No Front


 Homônimo ao clássico de 1930 (que à propósito ganhou o Oscar de Melhor Filme, e que em alguns lugares ganha o título de “Sem Novidades No Front”), o alemão “Im Westen Nichts Neues”, produzido pela Netflix, venceu 4 Oscars na cerimônia de 2023. Embora tal gesto tenha coroado seu primor técnico, evidente desde as primeiras tomadas, ele não basta para enfatizar a qualidade assombrosa deste formidável trabalho.

Através de breves e sucintas intercalações –que haverão de definir a narrativa do início ao fim e saltar com habilidade de um núcleo de personagens à outro –somos inicialmente introduzidos na imediata rotina de um soldado alemão anônimo, colhido no conflito caótico da Primeira Guerra Mundial, em meados de 1917. Contudo, a narrativa não acompanha necessariamente aquele jovem soldado (ao que tudo indica, morto já nesse prólogo), ela acompanha, sim, para efeitos de reflexão, o uniforme que ele usava; e que, impessoalmente, é tirado de seu cadáver, refeito, costurado e limpo, para que outro recruta voluntário, um tempo depois, venha a usá-lo novamente em campo de batalha. Os oficiais sabem disso –como fica claro durante o alistamento do protagonista, vivido por Felix Kammerer, o usuário seguinte desse uniforme –mas, pouco se importam; apenas removem a etiqueta com o nome do ocupante anterior, e dão uma desculpa esfarrapada ao recruta. É com essa inteligência e esse senso notável de observação que o filme do diretor Edward Berger vai prestar-se a acompanhar toda a jornada bélica do jovem Paul Bäumer (personagem de Kammerer) desde seu ingresso nas forças armadas alemãs (rapazes então insuflados pelo patriotismo e pela avidez de defender a pátria mãe em discursos bem colocados por políticos e mentores), seu convívio com os novos amigos na linha de frente (todos eles, jovens ingênuos e entusiasmados que deixaram suas famílias a fim de provar sua ombridade perante outrem), o aprendizado dos pequenos códigos militares (como exaurir o mínimo da paciência dos impacientes superiores e as pequenas malandragens necessárias a uma certa sobrevivência) e, por fim, a descoberta do horror inapelável nas trincheiras, onde a morte das formas mais hediondos e contundentes parece aguardar por cada um.

Aqui e ali, o filme de Berger abandona esse registro ocasional das rotinas militares para focar nas manobras mais políticas e estrategistas (ainda que breves) de personagens posicionados em hierarquias mais elevadas, como o oficial Matthias Erzberger, interpretado por Daniel Brühl, ávido por negociar um cessar-fogo com a França e por um fim à carnificina que mata tantos jovens alemães.

Anti-militarista, como a totalidade esmagadora de todos os filmes de guerra feitos a partir da metade do Século XX (e como também o era o inovador clássico de 1930), “Im Westen Nichts Neues” recria com audácia minimalista, beleza aterradora e perfeição assustadora as sequências de batalha deflagradas nas trincheiras, jogando por terra conceitos prévios como o heroísmo em combate (ele só dura até nos conscientizarmos, numa cena atordoante, que o oponente é, também ele, um ser humano) ou a figura romântica do combatente supino (seus personagens são, em vez disso, pessoas normais, trituradas pela guerra, convertidas em paródias psicologicamente inutilizadas de si mesmas).

É com uma ironia trágica e uma tensão indelével que o filme acompanha a tensa e ultrajante negociação do amistício –na qual, o roteiro não se furta de colocar os franceses como arrogantes, indiferentes e intolerantes senhores da guerra, responsáveis pelas manobras políticas que conduziram dali à Segunda Guerra Mundial, anos depois –paralelo ao desenrolar e ao afunilar das tensões e ameaças experimentadas pelos protagonistas nas linhas de frente; como costuma ocorrer, o decreto de paz chega tarde demais, até lá, o protagonista e seus companheiros já vivenciaram toda sorte de exaspero que a guerra poderia lhes reservar.

“Im Westen Nichts Neues” só não atinge as impressões rarefeitas e antológicas da obra-prima “Vá e Veja”, de Elem Klimov, porque o filme de Edward Berger, mesmo que em sua crueza, ainda busca fazer concessões mais comerciais, ainda assim, este arrojado “Resgate do Soldado Ryan” da Alemanha se posiciona honrosamente como um dos grandes tratados do cinema bélico desta última década.

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