Homônimo ao clássico de 1930 (que à propósito ganhou o Oscar de Melhor Filme, e que em alguns lugares ganha o título de “Sem Novidades No Front”), o alemão “Im Westen Nichts Neues”, produzido pela Netflix, venceu 4 Oscars na cerimônia de 2023. Embora tal gesto tenha coroado seu primor técnico, evidente desde as primeiras tomadas, ele não basta para enfatizar a qualidade assombrosa deste formidável trabalho.
Através de breves e sucintas intercalações –que
haverão de definir a narrativa do início ao fim e saltar com habilidade de um
núcleo de personagens à outro –somos inicialmente introduzidos na imediata
rotina de um soldado alemão anônimo, colhido no conflito caótico da Primeira
Guerra Mundial, em meados de 1917. Contudo, a narrativa não acompanha necessariamente
aquele jovem soldado (ao que tudo indica, morto já nesse prólogo), ela
acompanha, sim, para efeitos de reflexão, o uniforme que ele usava; e que,
impessoalmente, é tirado de seu cadáver, refeito, costurado e limpo, para que
outro recruta voluntário, um tempo depois, venha a usá-lo novamente em campo de
batalha. Os oficiais sabem disso –como fica claro durante o alistamento do
protagonista, vivido por Felix Kammerer, o usuário seguinte desse uniforme
–mas, pouco se importam; apenas removem a etiqueta com o nome do ocupante
anterior, e dão uma desculpa esfarrapada ao recruta. É com essa inteligência e
esse senso notável de observação que o filme do diretor Edward Berger vai
prestar-se a acompanhar toda a jornada bélica do jovem Paul Bäumer (personagem
de Kammerer) desde seu ingresso nas forças armadas alemãs (rapazes então
insuflados pelo patriotismo e pela avidez de defender a pátria mãe em
discursos bem colocados por políticos e mentores), seu convívio com os novos
amigos na linha de frente (todos eles, jovens ingênuos e entusiasmados que
deixaram suas famílias a fim de provar sua ombridade perante outrem), o
aprendizado dos pequenos códigos militares (como exaurir o mínimo da paciência
dos impacientes superiores e as pequenas malandragens necessárias a uma certa
sobrevivência) e, por fim, a descoberta do horror inapelável nas trincheiras,
onde a morte das formas mais hediondos e contundentes parece aguardar por cada
um.
Aqui e ali, o filme de Berger abandona esse
registro ocasional das rotinas militares para focar nas manobras mais políticas
e estrategistas (ainda que breves) de personagens posicionados em hierarquias
mais elevadas, como o oficial Matthias Erzberger, interpretado por Daniel Brühl,
ávido por negociar um cessar-fogo com a França e por um fim à carnificina que
mata tantos jovens alemães.
Anti-militarista, como a totalidade esmagadora
de todos os filmes de guerra feitos a partir da metade do Século XX (e como
também o era o inovador clássico de 1930), “Im Westen Nichts Neues” recria com
audácia minimalista, beleza aterradora e perfeição assustadora as sequências de
batalha deflagradas nas trincheiras, jogando por terra conceitos prévios como o
heroísmo em combate (ele só dura até nos conscientizarmos, numa cena
atordoante, que o oponente é, também ele, um ser humano) ou a figura romântica
do combatente supino (seus personagens são, em vez disso, pessoas normais,
trituradas pela guerra, convertidas em paródias psicologicamente inutilizadas
de si mesmas).
É com uma ironia trágica e uma tensão indelével
que o filme acompanha a tensa e ultrajante negociação do amistício –na qual, o
roteiro não se furta de colocar os franceses como arrogantes, indiferentes e
intolerantes senhores da guerra, responsáveis pelas manobras políticas que
conduziram dali à Segunda Guerra Mundial, anos depois –paralelo ao desenrolar e
ao afunilar das tensões e ameaças experimentadas pelos protagonistas nas linhas
de frente; como costuma ocorrer, o decreto de paz chega tarde demais, até lá, o
protagonista e seus companheiros já vivenciaram toda sorte de exaspero que a
guerra poderia lhes reservar.
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