O diretor Elem Klimov já tinha uma larga e aclamada carreira na Rússia quando concebeu “Vá e Veja” do alto de uma experiência e um conhecimento de cinema essenciais à realização de tal projeto –tivesse “Vá e Veja” um diretor mais jovem, mais cru e mais inexperiente, ele dificilmente atingiria os hiperlativos que obtém.
“Vá e Veja” é um dos grandes filmes de guerra
do cinema. E sua grandeza, diferente dos demais, não se dá pela reconstituição
empolgante ou eletrizante das sequências de conflito –embora o rigor técnico
seja também uma de suas inúmeras qualidades –essa grandeza é obtida pela
mensagem enfática, sensorial e humanista do preço alto que a guerra cobra de
suas vítimas. Não há, na obra de Klimov, uma exaltação dos vitoriosos; não há a
adrenalina do combate. Tudo é aflição e desespero. As cenas de sofrimento e
crueldade infligidas por pessoas, umas às outras, são horripilantes. Há quem
diga que a realização de Klimov está entre os filmes mais perturbadores de
todos os tempos. E tudo isso está dentro dos objetivos do diretor.
Inicialmente idílico, ele acompanha o dia-a-dia
do garoto Florya (Alexei Kravchenko) que, na aldeia da Bielo-Rússia onde vive
com sua família, experimenta uma juvenil excitação com a possibilidade de
unir-se, ainda aos catorze anos de idade, aos partisans, a corajosa resistência que confronta os alemães nas
florestas úmidas de seu país, em plena Segunda Guerra Mundial.
Ao deixar sua aldeia e juntar-se aos partisans, Florya logo percebe que eles
não são os heróis que ele, em sua inocência, presumia: São homens rudes e
embrutecidos, muitas vezes ignorantes do tratamento humano dispensado aos seus
próprios e aflitos compatriotas. E todos refletem o comportamento de Kosach,
seu líder, um homem flagrado com amargura e desdém para com a vida (inclusive a
sua própria).
É um período onde Florya experimenta as facetas
mais degradantes do processo de aprendizado e crescimento –eles submetem o
jovem a tarefas ingratas, como lavar caldeirões encardidos, e o deixam de lado
nas operações importantes.
No processo, Florya ainda atravessa as
impressões agridoces de um quase primeiro amor: A aparição luminosa, bela e
encantadora da jovem Glasha (Olga Mironova), garota, tal qual ele, incluída
como ajudante na linha de frente.
Entretanto, nada neste filme é tão terrível que
não possa ficar ainda pior: Um ataque a bomba esfacela as dependências do
acampamento dos partisans em plena
floresta e arremessa Florya (que fica momentaneamente surdo pelas explosões)
junto de Glasha numa odisséia inacreditável e terrível. Juntos, os jovens devem
avançar por florestas inóspitas e pântanos lamacentos e movediços até chegar à
aldeia onde ele morava. Só para descobrir que ela foi invadida e todos
(incluindo a família de Florya) foram trucidados!
Ao longo de todos esses percalços, o diretor
Klimov lança mão de recursos simples, mas tremendamente objetivos e evidentes,
para enfatizar o pesadeloa trágico da guerra: A surdez de Florya é imposta ao
próprio público por um desenho de som atordoante que remove os ruídos específicos
e os substitui por um zumbido intermitente, e a cena em que ele e Glasha se
embrenham num lamaçal interminável está entre as mais aflitivas e desesperadoras
já filmadas.
Entretanto, os momentos verdadeiramente
chocantes e antológicos se encontram no terço final, quando Florya, conduzido
por uma fuga improvisada e sem esperança acaba numa outra aldeia, na iminência
de ser invadida por soldados nazistas. Todo aquele trecho abarca as sequências
mais tétricas, impiedosas e assombrosas que se presume terem ocorrido numa
guerra –e Klimov não poupa o expectador da brutalidade sem freios ao compor
imagens que dificilmente alguém haverá de esquecer.
Realizado com incrível e assustadora excelência
técnica, “Vá e Veja” não se vale da guerra para moldar-se como um filme de
predisposições comerciais ou mercadológicas; ao invés disso, ele elabora, por
meios artísticos, um dos mais contundentes manifestos em nome da paz e da
necessidade humana de conciliação ao propor ao público a compreensão
circunspecta e o esclarecimento alarmante de todo o malefício absoluto que a
guerra significa.
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