segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Proposta Indecente


 O diretor inglês Adrian Lyne sempre foi adepto de uma certa sem-vergonhice pincelada em tons de requintado cinema, ao mesmo tempo, ele também era adepto de experimentos em torno da interação com o público –isso nas décadas de 1980 e 90 quando tal ideia era de um arrojo inédito. Seu “Atração Fatal”, por exemplo, dos primeiros filmes a abordar o adultério sem amenidades, deixou-se orientar por seções-testes com o público para definir o desfecho que teria maior aceitação. Prática que passou a ser adotada no cinema comercial. Algo um pouco parecido veio a ocorrer com “Proposta Indecente” lançado em 1993.

Grande responsável pelo símbolo sexual fulgurante no qual Demi Moore se tornou pelo restante daquela década (a atriz já havia feito imenso sucesso em “Ghost-Do Outro Lado da Vida” mas, nele o público não a tinha enxergado ainda por um viés de sensualidade), o filme se municiou de uma campanha de marketing onde a grande e escandalosa questão que permeia toda premissa era dirigida ao público, incitando-o a dar seu parecer e a conferir o que ocorria no filme em si.

E todos os envolvidos fizeram bem seu dever de casa: Pela beleza e sex-appeal então revelados de Demi Moore, pelo tratamento visualmente acachapante do diretor Adrian Lyne, pela divulgação promocional astuta e instigante e pelo filme bastante sedutor que resultou, “Proposta Indecente” foi muito debatido e comentado na época e, consequentemente, fez imenso sucesso.

O casal de pombinhos apaixonados Diana e David (Demi Moore e o ainda pouco conhecido Woody Harrelson) estão enfrentando uma fase economicamente complicada na relação –e Lyne gasta um tempo demasiado, além de inúmeros recursos estilísticos e melodramáticos para salientar simultaneamente o perrengue que vivenciam e o amor que os une.

A saída para eles parece ser juntar alguma grana e partir para Las Vegas tentar a sorte nos jogos de cassino. Entretanto, as coisas vão mudar quando cruzarem-se com um personagem que representa, digamos, o terceiro vértice desse triângulo amoroso: John Gage, um milionário interpretado por Robert Redford, ainda firme, forte e convicto em sua fase de galã maduro.

Ao vê-la imediatamente John cai de desejos por ela –e, na tentativa de levar o público (em especial o masculino) à compactuar com esta faceta do personagem, o diretor Lyne não economiza maneirismos em sua hábil fotografia para tornar Demi Moore assombrosamente linda e desejável (além das caras e bocas da parte dela própria) –o que leva John, gradualmente, a aproximar-se do casal, a esboçar suas libidinosas intenções para com a moça (despertando diferenciadas reações de indignação no casal, ainda que pouco convincentes) e a propor o acordo que ocupa o cerne da narrativa: Endinheirado e entediado, John enxerga em Diana mais do que uma bela mulher –claro, ele TAMBÉM enxerga isso! –ele enxerga em Diana uma chance de aventurar-se na imponderabilidade de uma relação com riscos e possibilidades que ele a algum tempo não usufrui mais. Sua proposta é a de que ela passe uma noite de amor com ele, com o consentimento de ambos (dela e do marido) e, com isso, ele lhes dará a soma de um milhão de dólares; o suficiente para pagar todas as dívidas que o casal tem.

É desse dilema, e da maneira como se dá sua resolução, que se abastece a narrativa.

Parte de um nicho comercial improvável surgido no cinema hollywoodiano em meados dos anos 1990 –os thrillers eróticos, depois do fenômeno acarretado por “Instinto Selvagem” –“Proposta Indecente” tinha seu pedigree na direção estilosa de Adrian Lyne e na revelação pertinente e válida de Demi Moore, porém, seu resultado final é oscilante em satisfação, sobretudo, em sua cambaleante capacidade de envolver o público, sobretudo, o feminino: O romance nunca engrena por razões que, vistas hoje, parecem um tanto quanto patentes; afinal, se Robert Redford, o milionário desavergonhado e cara-de-pau é charmoso e atrativo, o marido indeciso vivido por Woody Harrelson é desengonçado e feioso. Na narrativa melodiosa e romantizada –aclimatada pela densa e tristonha trilha sonora de John Barry –a escolha de Diana pelo segundo em detrimento do primeiro se dá pela justificativa do amor, mas infelizmente, para demérito da produção, esses rumos moralistas tomados pelo filme jamais se conciliam com a torcida do público.

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