“Promising Young Woman” foi o grande vencedor do Oscar 2021 de Melhor Roteiro Original conferido à Emerald Fennell, também ela a diretora do longa. Produzido pela estrela Margot Robbie, “Promising Young Woman” é uma engenhosa trama sobre vingança que, ao seu jeito, alberga certas predisposições em voga nos tempos atuais e que sempre merecem um debate para o discernimento do que é certo e errado: A relativização do estupro; o empoderamento feminino; a masculinidade tóxica; a misoginia institucionalizada e latente.
Numa atuação tão intuitiva quanto primorosa,
Carey Mulligan é Cassie Thomas, ex-estudante de medicina que, num determinado
ponto da vida, largou o futuro auspicioso que tinha para trabalhar como
garçonete num café. Sua rotina consiste de uma inicialmente estranha obsessão:
Durante a noite, Cassie finge estar bêbada em bares e boates da cidade, até
inevitavelmente chamar a atenção de algum aproveitador. Na hora H, ela sempre
termina revelando seu fingimento e intimidando seus covardes algozes.
Não chega a ser uma retalhação violenta a um
ato molestador, mas, a direção sugestiva, elíptica e inteligente de Fennell,
somada à atuação intensa e contundente de Mulligan fazem parecer, no início,
que é: Cassie é elevada, na narrativa que a acompanha, a uma espécie de
justiceira.
Notável é perceber a eficiência com que o filme
estabelece essas características, sem maiores elementos e até mesmo sem mais
informações que elucidem um certo mistério que cerca a protagonista –o do
porque ela se comporta de tal forma.
Escrito com brilhantismo singular, o roteiro
sabe o momento certo para omitir e para fornecer informações ao público, na
medida em que isso ajuda a revitalizar o suspense.
A manutenção desse hábito parece roubar a
capacidade de interação social de Cassie –como bem percebem seus preocupados
pais, vividos por Jennifer Coolidge (de “Napoleão Dynamite”) e Clancy Brown (de
“Highlander” e “Um Sonho de Liberdade”), talvez, os únicos personagens
razoáveis em sua profundidade de todo o filme. Tudo parece ter relação com um
incidente do passado de Cassie, durante a faculdade, e que tem relação com sua
melhor amiga, Nina –uma personagem nunca vista, mais essencial ao plot.
Quando Cassie se encontra com o jovem pediatra
Ryan (Bo Burnham), ela começa a trilhar
dois caminhos bastante distintos, e que aparentemente a obrigarão, em algum
momento, à uma escolha: De um lado, aceitar o relacionamento saudável e
carinhoso que desenvolve com ele; e do outro, o estreitamento incontornável do
momento em que sua tão alardeada vingança se sucederá contra o responsável por
tudo o que aconteceu, o almofadinha Al Monroe (Chris Lowell, de “Histórias Cruzadas”).
Até mesmo nisso, porém, o roteiro de Fennell subverte as certezas do
público –na crença de que, ao estabelecer duas linhas de ação antagônicas, ela
fará da opção entre uma ou outra a materialização da redenção da protagonista.
Ledo engano, “Promising Young Woman” faz esses dois tópicos se complementarem
com ainda novas e surpreendentes adições nas nebulosas informações que vinha
fornecendo ao expectador.
Construído com economia de recursos factuais,
mas, sem a menor economia de inteligência, o filme de Fennell cria sequências
absolutamente geniais na forma intrincada, mas sempre inteligível, com que os
estratagemas de Cassie transcorrem ao longo da trama. Exemplo disso –e
possivelmente, a espinha dorsal de toda a história –são os quatro alvos da
vingança que, à exemplo de “Kill Bill”, de Tarantino (quem sabe, uma
referência) se sucedem de forma episódica: O primeiro, uma colega dos tempos de
escola (Alisson Brie) destinada a pagar muito caro por sua conivência; o segundo, uma reitora (Connie Britton) cuja falta de empatia, Cassie vai tratar
de (num plano brilhante) voltar contra ela própria; o terceiro, trata-se de um
advogado (ponta soberba de Alfred Molina) corroído pela culpa: e o quarto...
bem, o quarto alvo de Cassie, e os desdobramentos de sua vingança,
representam uma das mais formidáveis guinadas do filme, quiçá de todo o ano de
2020!
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