quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Instinto Selvagem

O sexo sempre fez parte intrínseca das inquietações que moviam o ímpeto criativo do diretor holandês Paul Verhoeven. Obras como “Louca Paixão”, “O Amante de Kathy Typel” ou “O Quarto Homem” tinham por definição e princípio a maneira com que se debruçavam, sem pudores, a analisar as reações sexuais de seus personagens.
Tal postura, que chocava –e, provavelmente, enchia de admiração –os americanos, na verdade, refletia muito da mentalidade cultural de seu país, acrescido por um arrojo de sofisticação e uma predisposição para o atrevimento que era todo próprio de Verhoeven.
Era natural que, quando ele migrasse para Hollywood, ele levasse tal característica consigo.
E foi o quê ele fez! Ainda que no início, houvesse uma abordagem indireta, velada até, desses elementos: Trabalhos como “Robocop” e “O Vingador do Futuro”, no que diz respeito ao conteúdo sexual, estavam mais no terreno da sugestão que do fato –embora, seu magnífico “Conquista Sangrenta”, realizado de forma mais independente, tenha um erotismo todo acentuado.
Foi só com esta trama policial, escrita pelo roteirista Joe Ezsterhas –que, como Verhoeven, tinha lá suas obsessões com nudez e sexo! –que o “holandês maluco” pôde, por assim dizer, tirar suas garras de fora no cinemão hollywoodiano.
Já fica bem claro que não há nenhum traço de bom-mocismo no policial corrupto interpretado por Michael Douglas –e nessa manobra o filme irmana-se à todo o gênero noir, que comparece com inúmeros atributos e referências neste trabalho. Ele vê-se perplexo quando, ao investigar um hediondo assassinato com requintes sexuais, conhece uma das principais suspeitas: Catherine Trammell (Sharon Stone, absolutamente perfeita no papel que é o grande divisor de águas de sua carreira), uma extremamente sexy escritora de romances, que lhe abala as estruturas, nos mais diversificados sentidos.
Não demora a ficar claro que –seja ela culpada ou não do crime em questão –Catherine não é “flor que se cheire”; a seqüência de interrogatório dela pelos perplexos policiais –na qual Verhoeven obtém uma fortuita, reveladora e desconcertante tomada de suas partes íntimas! –deixa bastante evidente o poder até mesmo opressor que essa femme fatale exerce sobre os homens, incluindo o personagem de Douglas.
Ainda assim, sendo absurdamente atraente e linda, Catherine o seduz e faz dele seu amante –em uma cena de sexo que é indicativa não só do apelo sexual poderosíssimo que a atriz possui, como também do tarimbado traquejo técnico e artístico que o diretor tem para esse tipo de seqüência –para então mergulhá-lo num universo de libertinagem e masoquismo, que pode esconder uma série de pérfidos segredos.
Um dos mais marcantes filmes dos anos 1990, não apenas por seu largo êxito de público e crítica, mas porque também revelou o vulcânico símbolo sexual Sharon Stone (ela protagoniza cenas de nudez e sexo que são até hoje referências entre as produções mais erotizadas), “Instinto Selvagem” é acima de tudo um suspense eficiente e uma amostra muito mais peculiar e referencial do grande artesão que Paul Verhoeven é, do que o foi seus anteriores “Robocop” e “O Vingador do Futuro”.
Nos anos seguintes, seu cinema foi prejudicado por obras que pendiam com exagero para essas tendências à perversão que em muito o definem (sim, eu me refiro à “Showgirls”), e durante algum tempo, nem tentativas de retomar um cinema mais comercial –como “Tropas Estelares” ou “O Homem Sem Sombra” –foram capazes de trazê-lo à ribalta.
Pode-se afirmar então que “Instinto Selvagem” foi, até aqui, o momento mais brilhante de sua carreira.

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